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Exército Zapatista faz 40 anos: “aqui estamos, em resistência e rebeldia”

O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) completou 40 anos de fundação nesta sexta-feira. Desde sua primeira aparição pública em janeiro de 1994, os zapatistas alternam momentos de intensa comunicação a períodos de silêncio. E esse silêncio foi novamente quebrado, com uma série de comunicados no site oficial do movimento que refletem sobre a experiência de governo autónomo implementada nos territórios sob gestão zapatista e anuncia mudanças na forma de organizarem a gestão desses territórios.
“Assim como nos governos passados, este diz que já desaparecemos, ou que já fugimos, ou que já estamos muito derrotados, ou que não existem mais zapatistas, que fomos para os Estados Unidos ou para a Guatemala. Mas vejam bem, pois aqui estamos. Em resistência e rebeldia”, diz o décimo comunicado, publicado na terça-feira (14) com fragmentos de uma entrevista com o Subcomandante Insurgente Moisés nos meses de agosto e setembro deste ano, nas montanhas do Sudeste Mexicano.
Criado em 17 de novembro de 1983, o EZLN é formado na sua maior parte por indígenas de diferentes etnias e passou dez anos a organizar-se nas montanhas da Selva Lancadona, antes da primeira aparição pública a 1 de janeiro de 1994, no levantamento armado que apresentou ao mundo as reivindicações do movimento.
“Organizámo-nos e preparámo-nos durante 10 anos para nos levantarmos em armas, para morrer e matar, pois. E então acontece que tivemos que nos organizar para viver. E viver é liberdade. E justiça. E poder governarmos nós mesmos como povos, não como crianças pequenas, como nos veem os governos”, diz o comunicado.
Após se insurgirem militarmente, os zapatistas ocuparam 38 municípios no estado de Chiapas, declarando-os municípios autónomos zapatistas rebeldes (Marez). Destes, os 27 que permanecem em poder dos zapatistas eram administrados, até então, pelas Juntas de Bom Governo (JBG), formadas por representantes populares. Tanto os Marez quanto as Juntas de Bom Governo serão repensados na nova estrutura que está a ser elaborada pelo EZLN.
O comunicado publicado no dia 14 faz uma análise crítica destas formas de governo e destaca as aprendizagens que trouxeram para os zapatistas. Com os municípios autónomos, os zapatistas colocaram em prática o autogoverno e com as Juntas aprenderam a “intercambiar ideias de lutas com outros irmãos do México e do mundo”. “Para os povos zapatistas foram como uma escola de alfabetização política. Uma auto-alfabetização”, diz o comunicado.
'Nem Hamas, nem Netanyahu'
O primeiro comunicado publicado pelo EZLN este ano teve como tema a eclosão da guerra em Gaza no início de outubro. “Hoje há, na Palestina e em Israel – e em todo o mundo – crianças e jovens que aprendem o que o terrorismo ensina: que não há limites, nem regras, nem leis, nem vergonha. Nem responsabilidades. Nem o Hamas nem Netanyahu. O povo de Israel sobreviverá. O povo da Palestina sobreviverá. Eles só precisam se dar uma hipótese e trabalhar duro para isso. Entretanto, cada guerra continuará a ser apenas o prelúdio da próxima, mais feroz, mais destrutiva, mais desumana”, diz o comunicado assinado pelo Subcomandante Insurgente Moisés.
Levantamento zapatista completa 30 anos em 2024
O Exército Zapatista de Libertação Nacional protagonizou um levantamento armado em 1994 que durou doze dias. No 1º de janeiro de 1994, um exército composto principalmente por indígenas de diferentes etnias ocupou várias cidades e localidades do Estado de Chiapas, no sul do México, região fronteiriça com a Guatemala. Entre as cidades ocupadas estavam San Cristóbal de Las Casas, Las Margaritas, Altamirano e Ocosingo.
Essa foi a primeira ação pública do EZLN com armas em punho, rostos cobertos por gorros negros e lenços vermelhos no pescoço.
Através da Primeira Declaração da Selva Lancadona, que inaugurou a comunicação zapatista, o EZLN declarou guerra ao exército mexicano e reivindicou o estatuto de força beligerante.
“[...] Emitimos a presente declaração de guerra ao exército federal mexicano, pilar básico da ditadura de que padecemos, monopolizada pelo partido no poder e encabeçada pelo executivo federal que hoje tem Carlos Salinas de Gortari como seu chefe máximo e ilegítimo. Em conformidade com esta declaração de guerra pedimos aos outros poderes da Nação que restaurem a legalidade e a estabilidade das nações depondo o ditador. Também pedimos aos organismos internacionais e à Cruz Vermelha Internacional que vigiem e regulem os combates que as nossas forças travam, protegendo a população civil, pois nós declaramos agora e sempre que estamos sujeitos ao estipulado pelas Leis sobre a Guerra da Convenção de Genebra, constituindo o EZLN como força beligerante da nossa luta e libertação”, dizia o comunicado.
O levantamento zapatista em Chiapas coincidiu com a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio (TLC) entre Estados Unidos, Canadá e México, intitulado NAFTA (em inglês, Acordo de Livre Comércio da América do Norte), celebrado pelo então presidente mexicano Carlos Salinas.
Os zapatistas apresentaram onze reivindicações na sua primeira declaração pública: terra, trabalho, moradia, saúde, educação, alimentação, independência, democracia, liberdade, justiça e paz.
No dia 3 de janeiro de 1994, os rebeldes tomaram como prisioneiro de guerra o general Absalón Domínguez, ex-governador do Estado de Chiapas. No dia 12, o governo decretou o cessar-fogo unilateral e anunciou sua intenção de buscar uma solução negociada com os rebeldes. No dia 16, o ex-governador Absalón Castellanos foi libertado pelos zapatistas em troca de centenas de insurgentes que estavam presos.
De 21 de fevereiro a 2 de março foi realizado o diálogo de paz entre zapatistas e governo mexicano na catedral de San Cristóbal de Las Casa, que resultou num documento de 34 compromissos por parte do governo, que o EZLN levou para a consulta de suas bases. Após o processo de consulta, em 12 de junho, os zapatistas rejeitaram as propostas, mas decidiram manter o cessar-fogo e abrir um diálogo com a sociedade civil através da Convenção Nacional Democrática convocada pela Segunda Declaração da Selva Lancadona.
Entre 6 e 9 de agosto, seis mil representantes de organizações populares de todo o México reuniram-se para participar da Convenção, realizada em Guadalupe Tepeyac.
Como resultado do diálogo e, como preparação para a Consulta Nacional e Internacional realizada nos meses de agosto e setembro de 1995, foram incorporadas novas reivindicações aos 11 pontos iniciais: direito à informação, respeito à cultura indígena, segurança, fim da corrupção e defesa do meio ambiente, totalizando 16 reivindicações zapatistas.
Depois de seis meses de negociações no dia 16 de fevereiro de 1996, o governo mexicano de Ernesto Zedillo e o EZLN firmam em San Andrés os primeiros acordos sobre Direitos e Culturas Indígenas.
Após muitas negociações sobre uma reforma constitucional no México que permitisse a implementação dessas medidas, em 27 de abril de 2001, sob o governo de Vincent Fox, a Câmara de Deputados aprovou a Lei de Direitos e Culturas Indígenas.
Em comunicado emitido dois dias depois, os zapatistas refutaram a lei e romperam o diálogo com o governo por discordar por completo da legislação. Segundo os zapatistas, a lei aprovada “não retoma o espírito” dos Acordos de San Andrés e “não respeita” a iniciativa de lei da Cocopa (Comissão de Concórdia e Pacificação) – criada em março de 2005 por meio da Lei para o Diálogo, aprovada pelo Congresso Nacional mexicano e integrada por legisladores de todos os partidos políticos representados no Congresso. A partir da recusa da legislação aprovada, o EZLN abandonou o caminho da institucionalidade mexicana para dialogar as suas exigências e passou a praticar o autogoverno nos territórios sob seu domínio.
Artigo publicado originalmente no Brasil de Fato. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.
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