Habitação

“Estamos à deriva”: Câmara de Loures ameaça despejar quase cem pessoas sem alternativa

12 de dezembro 2024 - 15:53

Em vésperas de Natal, Câmara de Loures quer demolir habitações autoconstruídas e ocupadas, tirando casa a 99 pessoas sem fornecer alternativa.

PARTILHAR
Moradores do bairro da Rua das Marinhas do Tejo
Moradores do bairro da Rua das Marinhas do Tejo. Fotografia de Esquerda.net

A Câmara Municipal de Loures quer despejar 99 pessoas na Rua das Marinhas do Tejo, em Santa Iria da Azoia. São famílias, mães com crianças e mulheres grávidas que estão em risco de despejo sem alternativa em vésperas de Natal. Segundo o aviso que os residentes receberam, a polícia estaria presente esta quinta-feira de manhã no terreno para desalojar os moradores, mas tal não aconteceu. A ameaça repete-se para sexta-feira de manhã.

“Estou cá há um ano, mas há quem esteja há mais do que eu”, diz Preta Lopes. A imigrante são-tomense arranjou abrigo e habitação naquele terreno, onde havia muito edificado degradado e abandonado, e que as pessoas ocuparam e restauraram. Entre as pessoas que ali vivem, ninguém nega que estão num terreno privado de outra pessoa, mas salientam que estava ao abandono.

“Uma senhora que chegou antes de mim falou com o proprietário e pediu um acordo para pagarmos um valor todos os meses, mas ele não aceitou”, lamenta a moradora.

Na passada segunda-feira, dia 9 de dezembro, funcionários municipais acompanhados de polícia entraram no bairro. No dia seguinte, voltaram e afixaram as notificações de despejo nas portas das habitações, dando 48 horas aos moradores para saírem das casas.

Depois de receberem o primeiro aviso, os moradores foram até à Câmara Municipal de Loures, onde falaram com a responsável pelo atendimento, que os ouviu e lhes disse que “era desumano, que em nenhum Estado do mundo dão 24 horas às pessoas para sairem de uma casa antes de as despejar”.

Moradores do bairro da Rua das Marinhas do Tejo
Bairro da Rua das Marinhas do Tejo. Fotografia de Esquerda.net

“Na segunda-feira deram-nos o aviso de despejo, é desumano. Desde que deram o papel, andamos à procura de solução, falámos com o presidente da [junta de] Santa Íria da Azoia e disse que não podia fazer nada porque é o responsável é a Câmara”, explica Preta Lopes. “Temos crianças, temos mulheres grávidas, temos pessoas com oitenta anos”.

Onde se juntam os jornalistas e os moradores, há casas de cimento onde moram várias pessoas. Eram daquelas que estavam abandonadas e que os moradores ocuparam, pintaram, remodelaram. Por fora, parecem outra moradia qualquer ao longo daquela rua, por dentro, como outra casa qualquer. Ninguém diria que tinham estado ao abandono. Um pouco mais acima, algumas barracas feitas de tijolo e chapa, porque o edificado já não chega para toda a gente que ali vive.

Em comunicado, a Câmara Municipal de Loures afirmou que nessas “construções precárias” se detetou “risco para a saúde pública” em situação de “insalubridade”. Em vez de encontrar uma alternativa para quem ali vive, a Câmara notificou os moradores que as construções “serão demolidas” e que estes devem “procurar alternativas” por si próprios, tendo sido “encaminhados para os serviços de ação social da câmara”.

A Câmara ofereceu-se para pagar um mês de renda aos moradores, mas a maior parte deles recebem o salário mínimo, que com a crise de habitação não lhes chega sequer para alugar um quarto e pagar as contas e a comida para a família.

Agora, são noventa e nove pessoas que veem as suas vidas colocadas em xeque, num limbo que as impede de ir trabalhar por medo de quando voltarem as suas casas já não existirem. Com o anúncio de que o despejo estará previsto para sexta-feira, essa incerteza prolonga-se mais um dia.

Cedo de manhã, Luís Laurinda estava sentado à espera que a polícia chegasse para o despejo. “Estamos à espera para ver o que vai dar”, disse. “Não deram nenhuma alternativa, querem que as pessoas saiam e vão morar para debaixo da ponte”.

O morador acha que com a ocupação, “o mal está feito”, mas que não se pode despejar as pessoas num espaço tão curto de tempo. “Não há ninguém a amenizar, a dar-nos seis ou oito meses para sairmos depois”, lamenta.

Moradores do bairro da Rua das Marinhas do Tejo
Moradores do bairro da Rua das Marinhas do Tejo. Fotografia de Esquerda.net

“A gente trabalha, não viemos para ser ilegais, trabalhamos e descontamos”, diz. “Em São Tomé há muitos portugueses imigrantes e não os tratamos mal”, sublinha Luís Laurinda. “Quando há problemas em Portugal, temos de tentar fazer alguma coisa”.

Em vez disso, os moradores continuam “à deriva”, mesmo tendo ido à Câmara Municipal de Loures. “Já ouvimos que devemos voltar para o nosso país”, conta. “Mas isso não é assim, todos os países do mundo têm imigrantes”.

A política do despejo “sem dó nem piedade”

A deputada municipal do Bloco de Esquerda, Rita Sarrico, esteve presente junto às habitações, onde falou com os moradores. Ao Esquerda, disse que “nenhum despejo nem demolição deve ser feita sem alternativa” uma vez que é o que “está na lei de bases da habitação”.

“Parece-nos que a Câmara não tem vontade de fazer qualquer tipo de diálogo com este moradores”, salientou Rita. A deputada municipal relembrou que a política de Ricardo Leão, presidente da Câmara Municipal de Loures, é de “despejar sem dó nem piedade”, segundo as palavras do próprio.

O Bloco de Esquerda em Loures apelou a que “as pessoas se unam em torno da situação e façam pressão” sobre o executivo, para poder “ganhar tempo para se arranjar soluções habitacionais para estas pessoas”.

Outras forças políticas também estiveram esta manhã a acompanhar a situação dos moradores, bem como o movimento Vida Justa, que levantou o alarme inicial. Ao Jornal de Notícias, Gonçalo Filipe, um dos ativistas do movimento, alerta que a solução que a Câmara propõe, e que passa pelo pagamento de um mês de renda, não é uma alternativa viável.

“Percebemos que a propriedade tem as suas regras e que a Câmara de Loures não queira ter famílias a viverem em casas autoconstruídas. Mas tem de colocar estas pessoas num processo de alternativa habitacional, antes de avançar com as demolições”, defendeu. “O que pedimos é que o Município dê tempo às pessoas e que as ajude a encontrar uma alternativa”.

Esta quinta-feira à noite, os moradores irão estar presentes na Assembleia Municipal de Loures, para exigir respostas e um solução real e digna para o seu problema.