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Eleições na Nova Zelândia: E tudo Jacinda levou...

As eleições do passado sábado deram uma vitória esmagadora à primeira-ministra Jacinda Ardern e a primeira maioria absoluta ao seu Partido Trabalhista desde a adoção do sistema de representação proporcional, em 1993. O novo Parlamento será quase paritário ao nível do género e terá uma diversidade étnica sem precedentes. Artigo de Jorge Martins.
Jacinda Ardern
Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia. Foto via Nevada Halbert, Flickr.

Um estado insular do Pacífico Sul

A Nova Zelândia (Aotearoa, na língua maori) é um arquipélago, situado no Pacífico Sul, cerca de 2000 quilómetros a leste da Austrália, da qual está separada pelo mar de Tasman. Relativamente ao nosso país, situa-se nos antípodas geográficos, ou seja, se fosse possível viajar pelo centro da Terra em linha reta, partindo daqui, voltaríamos à superfície no arquipélago neozelandês. Daí que a diferença horária entre os dois países seja de 12 horas. É constituída por duas ilhas principais (a do Norte e a do Sul), separadas pelas águas agitadas do estreito de Cook, cuja largura mínima é de 22 Km, no seu extremo leste, e por um conjunto de cerca de 600 ilhas de pequena dimensão, a maioria inabitadas. A sua superfície total é de pouco mais de 268 mil Km2.

Situado entre duas placas tectónicas e, por isso, de elevada sismicidade, o arquipélago possui um relevo acidentado de origem vulcânica. Apenas a península de Auckland, na parte setentrional da ilha do Norte, é plana, existindo vários vulcões ativos no centro e sul da ilha, onde se situam o monte Ruapehu, a quase 2800 metros de altitude, o principal vulcão ativo do país, e o lago Taupo, uma caldeira semelhante às lagoas dos Açores, mas de muitíssimo maior dimensão. A ilha do Sul é mais acidentada, em especial na zona oeste, onde se situa a cordilheira dos Alpes Meridionais, com 18 picos acima dos 3000 metros de altitude, o mais alto dos quais é o Aoraki/Monte Cook, que atinge 3724 metros acima do nível do mar. A sudoeste, são frequentes os glaciares e os fiordes.

O clima é, em todo o território, do tipo temperado marítimo, com precipitações abundantes e repartidas ao longo do ano, embora, em geral, com maior frequência no inverno e menor no verão. Contudo, a latitude, a altitude e o relevo são responsáveis por algumas nuances climáticas: na península de Auckland, no extremo norte, os invernos são bastante suaves e os verões moderados; à medida que caminhamos para sul, as temperaturas vão diminuindo e, na restante ilha do Norte, os invernos tornam-se menos amenos e os verões mais frescos. Na ilha do Sul, as condições são mais agrestes, em especial no seu extremo meridional, onde os invernos são frios e os verões muito frescos, semelhantes às nossas primaveras. A precipitação é, em geral, maior a oeste, devido ao relevo, sendo a parte sudoeste da ilha (em especial, o fiorde de Milford Sound) uma das áreas mais pluviosas do mundo. A zona oriental é menos húmida, mas são aí maiores as amplitudes térmicas anuais. Em todo o território neozelandês, o tempo é bastante instável, podendo surgir “as quatro estações num dia”, como sucede no nosso arquipélago açoriano.

Antes da chegada de humanos, a maioria do território estava coberta por densas florestas, onde existia abundante vida selvagem, em especial ao nível da avifauna. O seu isolamento geográfico possibilitou a existência de inúmeras espécies endémicas. Porém, a partir daí, a desflorestação foi constante (em especial, para ser substituída por pastagens) e muitas espécies acabaram por ser extintas. Contudo, atualmente, o país é dado como um exemplo ao nível das políticas ambientais e de conservação da Natureza.

A capital política é Wellington, com pouco mais de 200 mil habitantes, situada no extremo meridional da ilha do Norte, bem no centro do país. Contudo, a maior cidade e capital económica é Auckland, a norte, na península do mesmo nome, onde vive mais de 1,5 milhões de pessoas. A segunda cidade mais povoada, com quase 400 mil habitantes, é Christchurch, a maior da ilha do Sul, e que se localiza na costa oriental desta.

A Nova Zelândia possui uma economia altamente desenvolvida, assente, maioritariamente, nos serviços. Contudo, algumas indústrias transformadoras são também importantes, em especial as dos setores metalúrgico, agroalimentar (em especial, os laticínios, as carnes e as conservas), dos lanifícios, das madeiras e do papel. Dada a riqueza do subsolo, as atividades extrativas ocupam, também, um papel importante. Por seu turno, a agricultura e a pecuária (de bovinos e, especialmente, de ovinos), embora representem uma pequena parte do PIB, têm um peso enorme nas suas exportações, com destaque para a carne e o leite. Nos últimos anos, a hortofloricultura vem ganhando destaque, tal como a produção vitivinícola. Também a exploração florestal continua a ter algum peso. Finalmente, tendo cerca de 15 mil quilómetros de costa, que lhe garantem uma enorme zona económica exclusiva marítima, as pescas ocupam um papel importante na economia do país.

O Estado Social foi criado com o primeiro governo trabalhista, nos anos 30, e, até à década de 80, a sociedade neozelandesa era uma das menos desiguais do mundo, mas as políticas neoliberais iniciadas a partir daí levaram a um crescimento rápido das desigualdades. Apesar de tudo, a maioria da população goza de um dos mais altos níveis de prosperidade a nível mundial.

Apesar de a corrupção não estar totalmente ausente, o país orgulha-se de ser um dos menos corruptos do mundo, ocupando, frequentemente, o 1º lugar no Índice da Transparência Internacional.

Uma sociedade cada vez mais multiétnica

No início dos anos 60, a esmagadora maioria da população neozelandesa era branca de origem europeia (91%). Os maoris, povo original das ilhas, de origem polinésia, representavam 7%, havendo 2% de outras origens.

Contudo, a maior natalidade dos maoris, o aumento do número de casamentos mistos, que, a par com o renascimento cultural maori, levou muitos mestiços a declarar-se pertencentes a essa etnia, e, sobretudo, as vagas imigratórias, de povos de outras ilhas do Pacífico e de asiáticos, alterou de forma decisiva a composição étnica do país.

De acordo com dados que extrapolei dos Censos de 2018, os brancos são, hoje em dia, cerca de 63% da população (na sua maioria, de origem britânica e irlandesa, seguida de sul-africanos brancos, holandeses, alemães, australianos e de outros europeus), enquanto os maoris representarão à volta de 15%. Por seu turno, os asiáticos (maioritariamente, chineses e indianos, mas também filipinos e coreanos) andarão pelos 13,5% e os povos do Pacífico (sobretudo samoanos, tonganeses e habitantes das ilhas Cook e Niue) em cerca de 7,5%. Nos restantes 1% estão incluídos latino-americanos, africanos e árabes.

A população maori concentra-se, maioritariamente, nas áreas rurais da ilha do Norte, em especial na região de Gisborne, na zona nordeste, onde é maioritária, e na ponta setentrional, onde representa mais de 1/3 do total. Na ilha do Sul, são menos numerosos. Por seu turno, os asiáticos e os povos do Pacífico têm maior expressão nas regiões urbanas de Auckland e Wellington, embora os primeiros também tenham uma presença significativa em Christchurch, no Sul.

Do ponto de vista linguístico, 96% utilizam, regularmente, o inglês e 4% o maori, as duas línguas oficiais do país. Contudo, alguns elementos das comunidades imigrantes utilizam os seus idiomas, com destaque para o samoano, o mandarim e o hindi.

Relativamente à religião, 48,5% da população declara-se não crente. Os protestantes representam a maior parte dos que se afirmam religiosos, somando 32% (a maioria anglicanos e presbiterianos, mas há crentes de várias confissões), enquanto os católicos são apenas 6% do total. Há, ainda, 2,5% de hindus, 1,5% de muçulmanos, 1% de budistas e 2,5% de outros credos. Os restantes 6% não responderam à questão.

Uma monarquia constitucional

A Nova Zelândia é uma monarquia constitucional, tendo como soberana a monarca britânica, representada no país por um governador-geral. O seu papel é, sobretudo, cerimonial, já que, do ponto de vista político, limita-se, geralmente, a assinar e promulgar a legislação que lhe é enviada pelo Parlamento e pelo governo e a convidar uma personalidade para formar um novo executivo, de acordo com os resultados eleitorais. Contudo, em situações excecionais, pode dissolver o Parlamento e/ou demitir o chefe do governo (por exemplo, se este se recusar a abandonar o cargo após uma derrota eleitoral ou a aprovação de uma moção de censura).

O poder executivo reside, assim, no primeiro-ministro. Este, após ser nomeado pelo governador-geral, escolhe o seu gabinete ministerial de entre os parlamentares e necessita da aprovação da maioria simples do Parlamento.

O governo tem uma estrutura relativamente original: ao contrário do que sucede entre nós, a maioria dos pelouros constitui um ministério, sendo raras as secretarias de Estado. O executivo que agora terminou o seu mandato constava de 72 departamentos ministeriais, incluindo a primeira-ministra, o seu vice e o procurador-geral (que também integra o governo). Contudo, o gabinete possuía apenas 25 membros, pois a maioria dos ministros acumula a tutela de várias áreas, por vezes sem grande relação entre elas. Assim, Jacinda Ardern, além da chefia do governo, tinha a seu cargo mais três pastas: artes, cultura e património; redução da pobreza infantil; segurança nacional e intelligence. Já o ministro da saúde também tinha a seu cargo a educação, a administração pública e os assuntos parlamentares, enquanto o procurador-geral sobraçava o ambiente e o comércio externo. Alguns desempenham, ainda, as funções de ministros adjuntos (equivalentes aos nossos secretários de Estado) de outros ministérios. Existem 10 comités governamentais, cujas decisões são levadas às reuniões plenárias do gabinete para aprovação e que reúnem a primeira-ministra, o seu “vice” e os membros do gabinete que tutelam áreas afins.

O poder legislativo reside no Parlamento unicameral, sendo designado por Câmara dos Representantes. É composto, normalmente, por 120 membros, eleitos por sufrágio universal, direto e secreto para um mandato de apenas três anos, através de um sistema de representação proporcional personalizada, inspirado no modelo alemão que explicarei mais à frente.

O poder judicial é independente. O Supremo Tribunal foi criado em 2004, substituindo o Comité Judicial do Conselho Privado da Coroa, sedeado em Londres, última instância de recurso até então.

Ao nível da administração regional e local, o país divide-se em 16 regiões e 67 unidades territoriais (50 distritos, 11 cidades, 5 autoridades unitárias e um arquipélago periférico), estas últimas equivalentes a grandes municípios. Todas dispõem de assembleias regionais e distritais eleitas para um mandato de três anos. Cinco regiões (incluindo Auckland e Wellington) exercem, simultaneamente, competências regionais e distritais, tendo, por isso, autoridades unitárias, tal como as distantes ilhas Chatham, que gozam de um estatuto especial.

Possui, ainda, a tutela dos arquipélagos de Tokelau, que constitui uma sua dependência, enquanto as Ilhas Cook e Niue são estados livres associados, com total autonomia nos assuntos internos, só dependendo da Nova Zelândia em questões de defesa e de política externa, mas, mesmo aí, a rogo destes, sendo que as primeiras tendem a assumir uma postura mais autónoma neste último campo. Os cidadãos desses dois territórios possuem uma dupla cidadania, a local e a neozelandesa.

Uma colonização branca e uma independência gradual

Devido ao seu isolamento geográfico, as ilhas apenas começaram a ser habitadas em finais do sec. XIII, quando aí aportou um grupo de pessoas da Polinésia oriental.

Outros foram chegando e, cerca de meio século depois, estabeleceram uma nova civilização, com uma língua e cultura próprias.

Em 1642, o navegador holandês Abel Tasman, que deu o nome à ilha da Tasmânia, no sul da Austrália, e ao mar que separa o arquipélago neozelandês do continente australiano, foi o primeiro europeu a chegar às ilhas. A ele se deve o nome do país, em honra da província neerlandesa da Zelândia, situada no sudoeste da Holanda. Contudo, dada a resistência dos autóctones e a distância, os holandeses não colonizaram o território.

Em 1769, o navegador britânico James Cook chegou ao arquipélago, explorou a sua costa e, a partir daí, começaram as trocas comerciais entre europeus e indígenas, ao mesmo tempo que os primeiros colonos brancos se começavam a instalar. Se a introdução de alimentos trazidos pelos europeus permitiu aos locais um aumento da esperança de vida, a introdução de armas de fogo foi devastadora, já que as guerras tribais se tornaram mais mortíferas. Também as doenças trazidas pelos colonos, para as quais os indígenas não tinham defesas, contribuíram para o rápido decréscimo da população autóctone. Entretanto, chegam os primeiros missionários, que cristianizam grande parte das ilhas.

É com o início da colonização branca que os indígenas neozelandeses se passam a intitular maoris, termo que significa “originais”. Em contrapartida, alcunharam os colonos brancos de pākehā.

A partir de 1788, o território passa a fazer parte da colónia da Nova Gales do Sul, com sede em Sidney, na Austrália.

Face ao interesse dos franceses e da Companhia da Nova Zelândia, uma entidade ligada a elementos da aristocracia e burguesia britânicas que pretendia ocupar a maioria das terras maoris e transformar o território numa colónia de elite, um grupo de tribos indígenas da parte setentrional da ilha do Norte, mais tarde alargado a outros pontos do país, proclama, em 1835, a independência em nome das Tribos Unidas da Nova Zelândia. Esta tem o apoio do administrador colonial britânico, James Busby, que pretendia uma colonização pactuada com os maoris, pelo que envia a declaração para Londres, solicitando a proteção do monarca.

Após negociações com os principais chefes indígenas, estes aceitam reunir com os britânicos, liderados pelo comandante William Hobson. Em 1840, as duas partes assinam o Tratado de Waitangi. De acordo com este, o arquipélago ficaria sob soberania britânica, mas os maoris teriam autonomia plena nos seus assuntos internos, mantendo o direito às suas terras, florestas e outros recursos naturais. No ano seguinte, a Nova Zelândia torna-se uma colónia da Coroa britânica e é desanexada da Nova Gales do Sul, tendo Hobson como seu primeiro governador.

Acontece que as versões inglesa e maori do tratado não eram exatamente idênticas e as suas interpretações foram diferentes: para os britânicos, os maoris teriam cedido a estes a sua soberania; para estes, tal não sucedeu, apenas aceitando ser colocados sob a proteção daqueles. Ainda hoje, o seu conteúdo é matéria de discussão, tanto a nível político como académico.

Essa ambiguidade rapidamente gerou conflitos e, em 1843, começam as chamadas guerras da Nova Zelândia, opondo as reforçadas tropas coloniais britânicas, apoiadas por milícias de colonos e tribos indígenas colaboracionistas, à maioria das tribos maoris. Os enfrentamentos duraram 30 anos, tendo adquirido um caráter particularmente sangrento a partir de 1860, quando os britânicos começam a confiscar terras indígenas e a prender os chefes rebeldes. A partir de 1867, a derrota dos maoris era certa e parte das forças militares britânicas começaram a retirar, mas alguns confrontos prolongaram-se até 1872. Ironicamente, o confisco envolveu tanto terras de tribos rebeldes como colaboracionistas. Como sempre, “Roma não paga a traidores”. No total, foram confiscados cerca de 1,6 milhões de hectares de terras, que o governo vendeu aos cada vez mais numerosos colonos vindos da Europa, em especial das ilhas britânicas.

Entretanto, em 1853, o Reino Unido aprovou o Ato Constitucional da Nova Zelândia, que concede à colónia o autogoverno dos seus assuntos internos e cria o Parlamento neozelandês, um ano depois.

Em 1856, face a tentativas secessionistas de alguns setores da ilha do Sul, onde existiam algumas minas de ouro, a capital é transferida de Auckland para Wellington, não apenas pela sua localização central, mas também pelas potencialidades do seu porto.

Nos finais do sec. XIX, o país sofre uma rápida industrialização e urbanização e entra numa era de prosperidade que propicia um conjunto de mudanças especiais, em especial após o triunfo dos liberais, em 1891. Entretanto, o número de colonos europeus vai aumentando e o de autóctones diminuindo.

Numa decisão histórica, a Nova Zelândia torna-se o primeiro país do mundo a conceder o direito de voto às mulheres, em 1893. No ano seguinte, é estabelecida a arbitragem obrigatória nos conflitos laborais, o que implicou o reconhecimento legal dos direitos sindicais.

Em 1907, o território adquire o estatuto de Domínio Britânico, juntamente com o Canadá (desde 1867), a Austrália (a partir de 1901) e, mais tarde, a África do Sul (depois de 1910). Na prática, pouco mudou, continuando a política externa e de defesa uma competência do Reino Unido, tal como os tribunais superiores.

Assim, com a declaração de guerra do Império Britânico à Alemanha e restantes impérios centrais, a Nova Zelândia viu-se envolvida na 1ª guerra mundial. No final desta, assinou o Tratado de Versalhes e entrou na Sociedade das Nações.

Em 1926, surge a segunda Declaração Balfour, que postula a igualdade entre os vários domínios britânicos (a primeira, datada de 1917, fora sobre a criação de um estado judaico na Palestina). Esta é o ensaio para a assinatura do Estatuto de Westminster, assinado em 1931, que consagra, de facto, a independência desses territórios, mas a Nova Zelândia não o ratifica de imediato.

A Grande Depressão fez-sentir fortemente no país, gerando um forte aumento do desemprego. Em 1935, os trabalhistas chegam ao poder e introduzem as bases do Estado Social.

Em 1939, entra na 2ª guerra mundial, desta vez por sua própria iniciativa. A sua declaração de guerra à Alemanha nazi segue-se quase de imediato à do Reino Unido, tal como, mais tarde, à Itália fascista e ao Japão imperial.

Finalmente, em 1947, a Nova Zelândia ratificou o Estatuto de Westminster, adquirindo a independência de facto. Com ele, o Parlamento neozelandês passou a deter a totalidade dos poderes legislativos e o país a ter o controlo das suas forças armadas no exterior. Simultaneamente, a Coroa neozelandesa foi separada da britânica, passando a existir apenas uma união pessoal com o Reino Unido, ou seja, dois reinos distintos gerido pelo mesmo monarca.

Nos anos 60, a questão maori reentra na ordem do dia. Desde a década anterior que a rápida urbanização e a crescente industrialização geraram uma maior necessidade de mão de obra, que conduziu ao êxodo rural de parte das populações maoris. Por outro lado, apesar de sofrerem uma profunda discriminação racial, a verdade é que a melhoria das condições de vida lhes permitiu reduzir as taxas de mortalidade e inverter a decadência demográfica, voltando a população de origem indígena a crescer. Tudo isso, aliado aos feitos militares do Batalhão Maori na 2ª guerra mundial, levou a etnia a reganhar o orgulho perdido após as guerras do sec. XIX e ao consequente renascimento político, cultural e artístico maori.

Incentivados pelo movimento dos direitos cívicos nos EUA e apoiados pela esquerda neozelandesa, que se mobilizava, igualmente, contra a guerra do Vietnam e as experiências nucleares francesas no Pacífico, os maoris levam a efeito numerosos protestos por todo o país, nas décadas de 60 e 70. O pretexto foi o decreto de 1967, que estipulava a obrigação de vender as terras consideradas improdutivas, o que afetava especialmente os maoris. Porém, as manifestações serviram, igualmente, para levantar as questões até então escondidas, como a devolução das terras, a oficialização da sua língua, a proteção da sua cultura e o fim da discriminação racial.

Como resultado dessa luta, é criado, em 1975, o chamado Tribunal Waitangi, na realidade uma comissão de inquérito às queixas dos maoris relativamente a questões resultantes do tratado, em especial relativas à posse de terras, mas apenas a partir da sua criação. Contudo, em 1985, passa a poder analisar e investigar todas as que reportem a situações posteriores a 1840. Porém, as suas deliberações constituem apenas recomendações, continuando a não ter caráter vinculativo. Em 1987, a língua maori torna-se co-oficial. Começam a ser tomadas medidas de discriminação positiva a favor dos maoris, em especial no que respeita à proteção da sua cultura e artes e à promoção da sua participação na política e na sociedade.

Entretanto, em 1973, após a adesão do Reino Unido à CEE, a economia neozelandesa entra em crise, pois a pauta aduaneira comum europeia obriga ao fim da preferência comercial aos países da Commonwealth britânica. Essa situação agrava-se com o primeiro “choque petrolífero” do final desse ano.

No início dos anos 70, o governo trabalhista de Norman Kirk condenou vivamente as experiências nucleares francesas no Pacífico e o movimento antinuclear cresceu no país. Em 1984, o governo proibiu a entrada nos seus portos de navios de propulsão nuclear e, em 1987, declarou todo o território neozelandês (terra, mar e ar) livres desse tipo de energia. Essa decisão foi tomada na sequência do atentado terrorista, da autoria dos serviços secretos franceses, contra o Rainbow Warrior, navio da organização ecologista Greenpeace, quando se encontrava fundeado no porto de Auckland, em missão de protesto contra nova ronda de ensaios nucleares da França na região, do qual resultou a morte do fotógrafo luso-holandês Fernando Pereira.

Na década de 80, têm lugar as primeiras reformas neoliberais, ironicamente levadas a efeito por um governo trabalhista. Estas foram aprofundadas, nos anos 90, pelos futuros executivos conservadores. A economia neozelandesa ficou, então, extremamente aberta ao exterior, alinhada com a globalização neoliberal.

Entretanto, depois de as reformas constitucionais de 1973 e 1986 cortarem a maioria dos laços que restavam com o Reino Unido, é abolida, em 2003, a possibilidade de recurso judicial para o Comité Privado da Coroa britânica, o que levará à criação do Supremo Tribunal da Nova Zelândia, no ano seguinte.

Em 2015 e 2016, são feitos dois referendos sobre a mudança da bandeira, que muitos consideram colonial. No primeiro, foram votadas quatro diferentes propostas alternativas, através do sistema do voto único transferível. No segundo, deu-se a escolha entre a existente e a vencedora do primeiro. No final, o triunfo coube aos defensores da manutenção da bandeira atual (56,6% a favor).

Ao contrário da Austrália, onde o republicanismo é forte, aqui, o movimento republicano possui menor expressão, mas tem vindo a crescer nos últimos anos, em especial entre os jovens e os maoris.

Um sistema de representação proporcional personalizada

Como quase todos os outros países resultantes da colonização britânica, também a Nova Zelândia adotou o sistema maioritário a uma volta em vigor no Reino Unido.

Nas eleições de 1978 e 1981, os trabalhistas obtiveram o maior número de votos, mas os conservadores conseguiram a maioria dos lugares parlamentares e formaram governo. Por outro lado, a desproporcionalidade que o sistema gerava, criando um bipartidarismo artificial, que deixava sem representação mais de 20% do eleitorado, começou a ser questionada.

Após o seu triunfo, em 1984, o Labour criou uma comissão para a reforma eleitoral, que sugeriu a adoção do princípio da representação proporcional. Em 1990, os dois maiores partidos acordaram na realização de uma consulta popular sobre o tema. Dois anos depois, teve lugar um referendo consultivo, em que mais de 85% do eleitorado aceitou a mudança da forma de eleição dos deputados. Numa segunda questão, a representação proporcional personalizada foi o mais votado entre quatro opções de sistemas proporcionais, obtendo 64% das preferências. Em 1993, num referendo vinculativo, cerca de 54% optaram por este último, contra 46% que preferiam manter o sistema maioritário. As eleições de 1996 foram as primeiras em que o Parlamento foi eleito por escrutínio proporcional. Em 2011, nova consulta popular sobre o tema resultou numa maioria de 56% a favor da manutenção do atual sistema.

Neste, os 120 parlamentares são eleitos de duas formas: 72 em círculos uninominais e 48 através de uma lista nacional.

O eleitor tem dois votos, dispostos em duas colunas paralelas num único boletim. No primeiro, vota no candidato que prefere para representar a sua circunscrição, enquanto no segundo vota no partido da sua preferência.

Os círculos uninominais devem ter um número de eleitores semelhante, não devendo nenhum deles ultrapassar 5% da média. À ilha do Sul, menos povoada, é atribuído um número fixo de 16 circunscrições. Ao invés, na ilha do Norte, o seu número depende da população, sendo atualmente de 49.

Existem, ainda, sete circunscrições reservadas aos maoris e seus descendentes, cujo número depende, igualmente, da população inscrita no recenseamento paralelo a eles destinado. Atualmente, são sete (seis na ilha do Norte, uma na do Sul). Os eleitores maoris podem optar por se recensear e votar nos círculos gerais ou nos reservados à sua etnia. Antes da reforma, havia apenas quatro e, até 1975, os maoris apenas podiam votar nestes, criados em 1867, na sequência das guerras entre os indígenas e os colonos europeus. A sua existência é questionada por muitos, mas a palavra final sobre a sua eventual abolição caberá aos maoris.

A cada cinco anos (periodicidade dos censos da população no país) o traçado dos círculos é, obrigatoriamente, revisto, sendo alterados os que, devido à evolução demográfica, tenham deixado de obedecer aos critérios numéricos estabelecidos.

Em todas as circunscrições uninominais vigora o sistema maioritário a uma volta. Aqui, podem apresentar-se candidatos independentes ou pertencentes a partidos não registados.

É o segundo voto, numa lista partidária fechada e bloqueada (tal como entre nós, sem possibilidade de ser alterada ou reordenada pelo eleitor) que define o número de mandatos que cabem a cada força política. Daí que, apesar de utilizar um método de eleição misto, prevalece o princípio da representação proporcional, pelo que é nesta categoria que o sistema deve ser inserido.

Para o seu apuramento, num único círculo nacional, é utilizado o método de Saint-Laguë, mais favorável aos pequenos partidos que o de Hondt. Contudo, existe uma cláusula-barreira de 5% dos votos válidos ou a conquista de um lugar nos círculos uninominais para um partido poder obter lugares na representação proporcional.

Após a contagem dos votos nas circunscrições maioritárias, cada força partidária elege, através da lista nacional, um número de representantes igual à diferença entre aqueles a que tem direito, definidos pelo segundo voto, e os que conquistou nos círculos uninominais. Se, porventura, houver um ou mais partidos a obter mais mandatos nestas últimas que aqueles que lhe cabem na representação proporcional, haverá mandatos excedentários. Nesse caso, e/ou se forem eleitos um ou mais candidatos independentes, o Parlamento terá, nessa legislatura, mais de 120 parlamentares.

Um candidato derrotado no seu círculo uninominal pode ser eleito através da lista nacional, se se encontrar nesta em lugar elegível, algo que tem sido alvo de críticas.

O “efeito Jacinda” no contexto eleitoral

Nas legislativas de 2017, o conservador Partido Nacional, que governava com o apoio de dois pequenos partidos do centro-direita, foi o mais votado, mas recuou face ao anterior ato eleitoral. A única força política que cresceu eleitoralmente foi o Partido Trabalhista, tendo à frente Jacinda Ardern, que assumira a sua liderança poucas semanas antes da ida às urnas.

A nova primeira-ministra, que, com 37 anos, foi a mais jovem de sempre no país, define-se como social-democrata, progressista, republicana e feminista. Inteligente, simpática, afetiva e informal, rapidamente granjeou a simpatia de muitos dos seus compatriotas.

Após as eleições, a líder trabalhista entabulou conversações com as outras duas formações oposicionistas (os populistas do Nova Zelândia Primeiro e os Verdes), conseguindo o acordo de ambos para uma coligação governativa.

A nova primeira-ministra, que, com 37 anos, foi a mais jovem de sempre no país, define-se como social-democrata, progressista, republicana e feminista. Inteligente, simpática, afetiva e informal, rapidamente granjeou a simpatia de muitos dos seus compatriotas. Após engravidar do seu companheiro, deu à luz uma filha, que amamentou durante um debate parlamentar.

No seu programa de governo, prometeu lutar pela erradicação da pobreza infantil e pela resolução da crise da habitação, que levou ao aumento do número de sem-abrigo.

O seu executivo aumentou o salário mínimo e anulou os cortes nos impostos pretendidos pelos conservadores, preferindo aumentar o investimento público em saúde, educação e apoio às áreas rurais. Em 2018, ficou cinco dias nas comemorações do Waitangi Day (dia que comemora a assinatura do Tratado), algo sem precedentes, o que a levou a ser extremamente bem recebida pelos chefes maoris, ao contrário da maioria dos seus predecessores.

Defensora dos direitos LGBTQI+, desfilou na Gay Parade de 2018 e, já este ano, retirou o aborto da lista de crimes, do qual ainda constava, apesar de, em 1978, ter sido descriminalizado nas primeiras 20 semanas de gestação e segundo certas condições, onde se incluía a saúde psicológica da mulher. A partir de agora, é livre durante esse período e, após este, se realizado com o acompanhamento da mulher por um profissional de saúde qualificado.

 

Do ponto de vista ambiental, afirma ser prioritária a luta contra as alterações climáticas e defendeu a manutenção da opção não nuclear do país.

Como pontos menos positivos, é de relembrar a defesa de restrições à imigração para contentar o seu parceiro populista, apesar de apoiar o acolhimento de refugiados; o não cumprimento da promessa de criar um imposto sobre as mais-valias mobiliárias; e as falhas éticas de alguns membros do seu governo que resultaram em várias demissões.

A forma, simultaneamente serena e firme, como reagiu ao atentado terrorista contra duas mesquitas de Christchurch, levado a cabo por um membro da extrema-direita australiana, causando mais de 50 mortos, foi elogiada em todo o mundo. Na sequência deste, fez aprovar legislação bastante restritiva sobre a venda e posse de armas.

Mas foi a crise da CoViD-19 que elevou a sua popularidade e lhe garantiu uma incontestável vitória eleitoral. O fecho praticamente total das fronteiras e o confinamento posterior permitiram conter a pandemia, embora a situação insular e geograficamente periférica do país tenha ajudado bastante. Nesse período, Ardern foi extremamente hábil na comunicação, conseguindo combinar realismo com empatia pelo sofrimento dos seus concidadãos. Os novos casos da doença, que voltaram a surgir no início de agosto (o pino do inverno nos antípodas) e levaram, inclusive, ao adiamento das eleições, previstas inicialmente para 17 de setembro, para um mês depois, pouco afetaram os níveis de aprovação da primeira-ministra, vista por muitos como “a salvadora”.

Análise dos resultados eleitorais

O Partido Trabalhista (Labour), de Jacinda Ardern, foi o grande vencedor desta eleição, obtendo 49,1% dos votos e 64 dos 120 lugares parlamentares. Foi, assim, a primeira força política a obter uma maioria absoluta após a adoção do sistema de representação proporcional. Em 2017, obteve o segundo lugar com 36,9% e 46 eleitos.

A popularidade da sua líder e primeira-ministra foi decisiva para este resultado.

Relativamente às últimas eleições, terá mantido 97,5% dos seus eleitores de então (34,8%) e conquistado 26% aos seus rivais do conservador Partido Nacional (11,2%), mais 8% de abstencionistas e jovens (2,0%), 11% de pequenos partidos (0,4%), 4% do Nova Zelândia Primeiro (NZF) (0,3%), 4% dos Verdes (0,2%) e 20% do Partido Maori (0,2%). Ao invés, as suas perdas para outras forças políticas foram residuais.

Fundado em 1916, a partir do movimento sindical, é o mais antigo partido político neozelandês em atividade. Ideologicamente, define-se como social-democrata e progressista.

Geograficamente, tem maior implantação nas áreas urbanas, em especial na capital, Wellington, em Christchurch e nos bairros mais pobres de Auckland. Do ponto de vista social, é o partido das classes trabalhadoras e de parte da classe média, em especial dos professores e outros funcionários do Estado, sendo amplamente maioritário entre os maoris e outras minorias étnicas.

Neste ato eleitoral, obteve 43 mandatos uninominais, sendo os restantes 21 oriundos da lista nacional, mas, no segundo voto, venceu em 68 das 72 circunscrições.

O novo grupo parlamentar do Labour terá uma maioria feminina, com 35 mulheres e 29 homens. Também do ponto de vista étnico apresenta grande diversidade: só 32 membros (ou seja, 50%) da nova bancada trabalhista são brancos, havendo 16 maoris ou seus descendentes (dos quais, seis eleitos nos sete círculos a eles reservados), nove provenientes de outras ilhas do Pacífico, seis da Ásia e um de África.

Já o Partido Nacional (National), liderado por Judith Collins, foi o grande derrotado. Com apenas 26,8% dos sufrágios e 35 eleitos, obteve o seu segundo pior resultado de sempre. Em 2017, havia sido o mais votado, com 44,4% e 56 parlamentares.

Se a popularidade da primeira-ministra e do seu gabinete, em especial devido à forma como geriram a situação decorrente da pandemia, tornavam muito difícil a tarefa do principal partido da oposição, a instabilidade da sua liderança contribuiu decisivamente para o seu “afundamento” nas urnas: Simon Bridges, líder desde 2018, demitiu-se em maio e Todd Muller não “aqueceu o lugar”, saindo em julho, quando foi substituído por Judith Collins. A ideia de colocar uma mulher contra Jacinda Ardern teve um efeito contrário ao esperado, já que a líder da oposição perde, consideravelmente, em comparação com a chefe do governo.

Para além dos 26% perdidos para os trabalhistas, deixou fugir 8% para o libertário ACT, 2% para a abstenção, 2% para os Verdes, 1,5% para pequenos partidos e 0,5% para o NZF. Em contrapartida, conservou apenas 60% do seu eleitorado de há três anos (25,8%) e apenas foi buscar 2% a abstencionistas e jovens (0,5%), 3% ao NZF (0,2%), 0,5% ao Labour (0,2%), 2% a pequenas formações (0,1%) e valores residuais a outros.

Fundado em 1936, na sequência da vitória trabalhista do ano anterior, a partir da fusão entre a conservadora Liga da Reforma Política (LPR) e o liberal Partido Unido (UP), é uma formação de centro-direita, liberal na economia e conservadora em matéria de costumes.

A sua implantação territorial é maior nas zonas rurais e nos bairros ricos de Auckland. Do ponto de vista sociológico, é, essencialmente, o partido das elites brancas, tendo o seu maior suporte no setor financeiro, nos empresários industriais e agrícolas e em alguns setores das classes médias, bem como entre os mais religiosos. Entre os maoris e as minorias étnicas, à exceção de alguns segmentos da asiática, tem pouco apoio. Não por acaso, não concorre nas circunscrições reservadas aos maoris.

Neste ato eleitoral, aguentou-se melhor nos círculos uninominais, onde conseguiu eleger 26 deputados, indo apenas buscar nove à lista nacional. Porém, no segundo voto, só foi o mais votado em quatro circunscrições.

A sua bancada apresenta pouca diversidade, sendo maioritariamente constituída por homens (24 contra apenas 11 mulheres) e quase todos os seus parlamentares são brancos, havendo apenas dois descendentes de maoris e uma asiática.

A grande surpresa destas legislativas foi o terceiro lugar do partido Associação dos Consumidores e Contribuintes (ACT), que obteve 8,0% dos votos e 10 mandatos, quando, em 2017, se ficara por uns residuais 0,5%, apenas conseguindo representação parlamentar devido à eleição solitária do seu líder, David Seymour, no círculo uninominal de Epson, no centro de Auckland.

Como veremos já de seguida, beneficiou do “afundamento” dos “nacionais” e do NZF, recebendo o voto de um número significativo de eleitores destes partidos.

Embora conservando 95% dos seus eleitores de então, estes valiam apenas cerca de 0,5% dos sufrágios. Os seus votos de agora vieram de 8% dos “nacionais” (3,4%), 43,5% do NZF (3,0%), 2,5% de abstencionistas e jovens (0,6%), 2,5% dos Verdes (0,2%), 0,5% do Labour (0,2%) e 2,5% de outras forças partidárias (0,1%).

Estamos em presença de um partido da direita libertária (semelhante à Iniciativa Liberal) fundado em 1993. É adepto de um Estado mínimo, com um governo pequeno, a liberalização dos serviços públicos e uma redução dos impostos sobre as empresas e os cidadãos. Defende o direito à posse de armas, opondo-se às restrições impostas pelo governo após os atentados de Christchurch. É cético face às alterações climáticas e não aceita a criação de taxas ecológicas e a adoção de medidas que favoreçam a neutralidade carbónica. Foi favorável à legalização do aborto, apoia os direitos LGBTQI e a igualdade entre maoris e não maoris. Advoga, ainda, uma política externa alinhada com o Ocidente (Austrália, EUA e Reino Unido).

Os seus maiores apoios vêm das áreas urbanas mais ricas, em especial em Auckland, mas, nestas eleições, penetrou em áreas rurais, beneficiando da quebra dos “nacionais”. Nos círculos uninominais, reelegeu o seu líder, em Epsom, sendo os restantes nove membros eleitos na lista nacional. Sociologicamente, tem maior implantação nas classes altas dos centros urbanos, em especial nos seus elementos menos religiosos e mais jovens, mas também em alguns pequenos empresários.

Se, do ponto de vista de género, a sua bancada possui algum equilíbrio (seis homens e quatro mulheres), o mesmo não se passa ao nível racial, já que apenas uma deputada de origem indiana não é branca.

Os Verdes (Green), liderados por Marama Davidson e James Shaw, conseguiram 7,6% dos votos e obtiveram, igualmente, 10 mandatos, uma subida face aos 6,3% e oito parlamentares de 2017.

Ao contrário do que sucedeu com os populistas do NZF, os ecologistas acabaram por beneficiar da popularidade do governo, evitando, ao mesmo tempo, ser “engolidos” pelos trabalhistas. Contudo, não conseguiram evitar a maioria absoluta destes, pelo que irão passar à oposição.

Tendo conservado 91,5% dos seus eleitores de há três anos (5,6%), conquistaram 2% aos “nacionais” (0,9%), 3% nos abstencionistas e jovens (0,8%), 0,5% ao Labour (0,2%), 4% a pequenas formações (0,1%) e valores residuais a outras forças políticas. Estes ganhos compensaram, com vantagem, as perdas de 4% para os trabalhistas, 2,5% para o ACT e valores residuais para outros concorrentes.

O partido foi fundado em 1990, a partir da fusão do Partido dos Valores (criado em 1972) e outras pequenas formações ambientalistas. É uma força política da esquerda ecologista, defensor do Estado Social, dos Direitos Humanos e do pacifismo nas relações internacionais. A luta contra as alterações climáticas e a exploração mineira nos parques naturais, pela conservação dos recursos de água potável e pela taxação das atividades poluentes são alguns dos seus propósitos. Económica e socialmente, define-se como social-democrata, defendendo uma economia de mercado regulada, o comércio justo, os serviços públicos e a criação de um rendimento básico universal. Foi favorável à descriminalização do aborto, ao casamento LGBTQI+ e defende a despenalização da eutanásia e a legalização da cannabis. Aceita a versão maori do Tratado de Waitangi.

Ao nível territorial, possui maior implantação nas áreas urbanas de classe média, em especial em Auckland. Do ponto de vista sociológico, o seu maior apoio provém, em grande parte, das classes médias mais cultas, dos não religiosos, dos mais jovens, em especial das mulheres, e de grande parte da comunidade LGBTQI+. Tem, ainda, algum suporte entre as minorias étnicas.

Nestas eleições, obteve uma inesperada vitória no círculo de Auckland Central, com Chlöe Swarbrick a bater, por curta margem, a candidata trabalhista. Os restantes nove mandatos vieram da lista nacional.

Tal como já sucedia na anterior legislatura, a sua bancada voltará a ter uma clara maioria feminina, com sete mulheres e três homens. Do ponto de vista étnico, revela diversidade, com cinco brancos, duas maoris, um oriundo das ilhas do Pacífico, uma asiática e um latino-americano.

A última força política a obter representação parlamentar foi o Partido Maori. Apesar de ter obtido apenas 1,0% dos sufrágios, contra 1,2% há três anos, quando não conseguiu eleger qualquer representante, recuperou uma das circunscrições maoris, graças a um triunfo apertado conquistado por Rakiri Waititi sobre o incumbente candidato do Labour. Ao ser eleito como único deputado do partido, aquele tornou-se, automaticamente, seu colíder, substituindo John Tamihere, que falhou a eleição, e tendo como parceira de liderança Debbie Ngarewa-Packer.

No segundo voto, conservou apenas 75% do seu eleitorado (0,9%) e só foi buscar 0,5% à abstenção e jovens (0,1%). Os votos perdidos foram 20% na direção do Labour, 2% para os Verdes, 1,5% para o NZF e o resto para outros.

Fundado em 2004, é um partido étnico, defensor dos interesses da comunidade maori. Ideologicamente, situa-se no centro-esquerda. Defende o cumprimento das promessas contidas na versão maori do Tratado de Waitangi, um maior controlo da imigração, o ensino obrigatório da sua língua e cultura nas escolas, a posse das zonas marítimas confinantes com as suas terras, uma política de habitação social e o aumento dos subsídios de desemprego para os maoris, a defesa dos recursos de água potável e a luta contra as alterações climáticas.

Outro grande derrotado foi o Nova Zelândia Primeiro (NZF), liderado pelo até aqui vice-primeiro-ministro Winston Peters, que ficou fora do Parlamento, ao não ir além de 2,7% dos votos, quando, há três anos, havia chegado aos 7,2%, o que lhe valeu a eleição de nove deputados.

Ter integrado o executivo de Jacinda Ardern, junto com trabalhistas e verdes, sem conseguir impor as suas políticas, desagradou profundamente ao seu eleitorado, na sua maioria bastante conservador, e explica este péssimo resultado, que deixa o partido sem representação parlamentar pela primeira vez desde a sua fundação.

O NZF apenas conservou 32,5% do seu eleitorado de então (2,3%) e só conseguiu ir buscar 0,5% aos “nacionais” (0,2%), 1,5% a pequenas forças políticas (0,1%), 0,5% à abstenção e jovens (0,1%) e pouco mais. Em contrapartida, perdeu 43,5% para o ACT, 15% para partidos menores, 4% para o Labour, 3% para o Partido Nacional, 1,5% para a abstenção e valores residuais para os Verdes.

Estamos em presença de uma formação da direita populista, fundada em 1993, e que, até agora, funcionou como “king maker”, aliando-se ora a “nacionais”, ora a trabalhistas. No plano económico e social, defende políticas protecionistas, opõe-se à privatização de empresas estatais, em especial se forem compradas por estrangeiros, e advoga o aumento das pensões e da proteção aos mais idosos, o que o aproxima do Labour. Porém, em contrapartida, defende uma redução dos impostos e do tamanho do governo, o que o torna próximo da direita liberal. O partido opõe-se à imigração, propondo uma grande redução das suas quotas (Peters, um descendente maori, considera que estes ficarão em minoria face aos asiáticos) e advoga penas mais pesadas na justiça criminal. É conservador nos costumes, tendo votado contra o aborto e o casamento LGBTQI+. Defende, ainda, o recurso frequente ao referendo, tendo proposto dois sobre medidas que defende: um sobre a abolição dos círculos maoris e outro sobre a redução do número de deputados para 100.

A sua implantação é mais elevada nas áreas urbanas periféricas e nas zonas rurais mais envelhecidas. Sociologicamente, o seu maior apoio vem, essencialmente, de pequenos empresários e dos eleitores mais idosos, mais pobres, menos instruídos e mais religiosos, em especial homens. Dispõe, ainda, de algum suporte no eleitorado maori.

Os restantes partidos somaram, no seu conjunto, 4,8% dos sufrágios. Os que obtiveram melhores votações foram os Novos Conservadores (NC), uma formação da direita religiosa e “trumpista”, que obteve 1,5% (0,2% em 2017), uma subida conseguida graças à captação de eleitores vindo dos “nacionais” e do NZF, o Partido das Oportunidades (TOP), uma força política centrista e ecologista, que se quedou em 1,4% (2,4% nas últimas eleições), fruto da perda de votantes para trabalhistas e verdes, e o Avança Nova Zelândia (AdvNZ), uma dissidência direitista protagonizada por um ex-deputado do Partido Nacional, acusado de abuso sexual e de corrupção, que não passou dos 0,9%.

Os votos brancos e nulos não foram além de 0,5% (0,4% em 2017).

Por fim, a participação eleitoral aumentou, cifrando-se nuns invejáveis 82,5%, uma subida face aos 79,8% das últimas legislativas, apesar da situação de pandemia. A popularidade do executivo explicará esse crescimento da afluência às urnas e os trabalhistas foram, claramente, os mais beneficiados por essa redução da abstenção.

Um Parlamento quase paritário e etnicamente diverso

De acordo com a soma dos números que referi anteriormente, o novo Parlamento neozelandês terá 63 deputados e 57 deputadas, ou seja, 47,5% de mulheres. E, não fora o caráter ainda muito patriarcal do Partido Nacional, poderíamos ter uma assembleia parlamentar paritária ou, até, com maioria feminina, algo sem precedentes a nível mundial.

Do ponto de vista racial, 78 membros (65%) são brancos, 21 (17,5%) maoris ou seus descendentes, 10 (8,3%) com origem nas ilhas do Pacífico, nove (7,5%) asiáticos e dois (1,7%) da África e América Latina.

Há, ainda, vários membros do Parlamento, em especial entre os Verdes e os trabalhistas, que assumem uma orientação não heterossexual.

Os dois referendos

Juntamente com as eleições, realizaram-se duas consultas populares: uma sobre a legalização da cannabis e outra sobre a despenalização da eutanásia. Ao contrário do que seria expectável, as sondagens realizadas uns dias antes das votações dão a vantagem ao “sim” na segunda e um empate técnico na primeira. Os resultados dos referendos apenas serão conhecidos no próximo dia 30 e deles darei conta logo que tenha conhecimento dos mesmos.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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