Síria

Curdos na Síria: entre a esperança no futuro e a resistência aos ataques turcos

09 de dezembro 2024 - 19:41

A Turquia e os seus instrumentos militares na Síria aproveitaram a ofensiva contra Assad para atacar os curdos. Há centenas de milhares de deslocados e combates em várias cidades.

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Mulheres curdas festejam a tomada de al-Hasakah.
Mulheres curdas festejam a tomada de al-Hasakah. Foto de AHMED MARDNLI/EPA/Lusa.

A agência noticiosa turca Anadolu dá conta que o denominado “Exército Nacional Sírio”, um grupo armado fomentado pela Turquia, controla a cidade de Mabij, no norte da Síria, depois de vários dias de combates contra as Forças Democráticas Sírias (FDS) dirigidas pelos curdos.

Por sua vez, a agência noticiosa curda MedyaNews contrapõe que o Conselho Militar de Manbij, apoiado pelas FDS, continua a repelir os ataques que estarão a ser apoiados pela aviação militar turca.

Os grupos pró-turcos aproveitaram a ofensiva dos vários movimentos que se opunham à ditadura de Bashar Al-Assad para voltar a fustigar as posições curdas em vários pontos. Apesar de estarem sob ataque, os curdos festejaram a queda do regime, sublinha a mesma fonte.

No nordeste, em locais como Qamishli e Hasakah, as comunidades curdas juntaram-se à onda de celebrações que ocorreu em vários pontos do país. Aí, foram desmantelados vários símbolos do velho regime, como estátuas da família Assad.

A AANES, Administração Autónoma do Norte e Este da Síria, que governa os territórios sob controlo curdo no país, declarou o Estado de emergência, ao mesmo tempo muitos dos dirigentes curdos saudaram a queda do Assad. Mazloum Abdi, comandante das FDS, considerou o momento da “queda do regime autoritário de Damasco” como “histórico” e considerou que a mudança “é uma oportunidade para construir uma nova Síria baseada na democracia e na justiça que garanta os direitos de todos os sírios”.

Já antes tinha apelado em conferência de imprensa ao diálogo com a Turquia, enquanto se multiplicavam notícias sobre ataques em Raqqa e Deir ez-Zor, e confirmado que estavam a ser realizadas operação de resgate de populações civis nos bairros de Alepo de maioria curda.

O tom do lado turco é, pelo contrário, tudo menos dialogante. O presidente turco Erdoğan também saudou a queda de Assad numa publicação na rede X, conseguindo dizer ao mesmo tempo que “a Síria pertence aos sírios de todas as identidades étnicas, sectárias e religiosas” e atacar os curdos uma “ameaça à segurança nacional” do seu país.

Outro responsável curdo, Ilham Ahmed, um dos responsáveis das relações externa da AANES, afirma que “o tempo da tirania acabou. Hoje, fechamos a página do passado e abrimos a porta da esperança num futuro melhor baseado na justiça e democracia para todos os sírios. Paremos o som das balas e dialoguemos sobre a fundação da paz e da reconstrução”.

Entretanto, os ataques pró-turcos têm gerado uma vaga de centenas de milhares de deslocados. E o Crescente Vermelho do Curdistão anunciou estar já a ajudar dezenas de milhares deles em Shahba e Tel Rifat, esta última tomada pelos pró-turcos. Muitas dessas populações, sublinha-se, já eram refugiadas de anteriores ataques das forças ligadas à Turquia.

A instituição denuncia também que drones turcos atacaram a vila de Misteriha na região de Eyn Isa, matando 12 civis, metade dos quais crianças. Lançou ainda uma campanha de solidariedade com Rojava para conseguir abastecimentos, condenando o “silêncio dos poderes e organizações internacionais”.

No ímpeto do avanço das forças da oposição contra Assad, as Forças Democráticas Sírias avançaram na província de Deir ez-Zor, aumentando significativamente os territórios que administram. Contudo, a sua posição é agora muito difícil em várias zonas e a capital desta região, a principal do leste da Síria e fronteira decisiva com o Iraque, foi pouco depois atacada pelos pró-turcos. Há neste momento relatos contraditórios com estes a reclamarem terem-na tomado e com as FDS a garantir este domingo que continua sob sua proteção.

Também em Alepo, cidade que era controlada pelo regime de Assad mas em que vários bairros do norte permaneciam sob controlo curdo, estes perderam terreno. Desta feita para as forças islamitas do HTC, a força militar mais poderosa da oposição que tomou toda a cidade e os obrigou a uma retirada. Na zona moram perto de meio milhão de curdos. Testemunhos de alguns deles à France 24 dão nota de um ambiente de muita preocupação e de um sentimento de abandono, com alguns a dizerem não acreditar nas promessas dos islamitas.

Esta segunda-feira, os ataques das forças turcas com drones continuam a vitimar civis. O Observatório Sírio dos Direitos Humanos relata que mais um civil foi morto e dois outros ficaram feridos num ataque em Tel Harmal, no nordeste de Al-Hasakah.

A entidade sublinha que os ataques não são novidade mas que se intensificaram muito nos últimos dias. Desde o início do ano, contabilizam-se 191 ataques de drones turcos em áreas controladas pela AANES. Estes mataram 55 pessoas e feriram mais de uma centena.