Esta quarta-feira, o Bloco de Esquerda levou a crise na habitação a debate na Assembleia da República. Mariana Mortágua lembrou na abertura da sua intervenção que “o preço da habitação em Portugal atingiu um novo recorde” no segundo trimestre deste ano.
Perante o hemiciclo, responsabilizou o “bloco central” por uma crise que “não é uma fatalidade”, mas “o resultado de uma grande aposta estratégica, um pacto de regime que mobilizou um leque alargado de vontades políticas e estímulos públicos ao mercado”. Para ela, terá sido este campo político que após a crise financeira de 2008 decidiu que “aquilo que Portugal deveria produzir e exportar seria o seu território, o seu espaço, as suas cidades”. Assim, quando a política dos juros baixos do BCE empurrou o capital financeiro para o imobiliário, Portugal já tinha criado as condições internas "para se tornar campeão da especulação, fruto de um compromisso duradouro, que atravessou governos e autarquias de diferentes cores”.
A coordenadora bloquista explica que “primeiro a liberalização das rendas libertou as casas” para “depois, os vistos gold, os benefícios fiscais, os incentivos aos fundos de investimento imobiliário, ao turismo desenfreado, aos residentes não habituais, aos nómadas digitais” fazerem o resto. Desta forma, “primeiro foram expulsos os mais velhos, e depois todos os outros, todos os que não aguentaram as sucessivas vagas de despejos, aumentos das rendas e de abusos”. Um processo que deixou milhares de pessoas "desapossadas, privadas das suas casas, dos seus bairros, das suas cidades”.
Num país marcado por baixos salários, as cidades “foram sugadas por uma economia de preços altos e consumos de luxo”. Tudo isso “assente num modelo de trabalho precário, na exploração desumana de imigrantes pobres, os eternos esquecidos das políticas de atração de estrangeiros deste pacto da especulação”.
A deputada citou o Banco de Portugal quando este afirma que o crescimento dos preços da habitação tem sido mais acentuado nas regiões onde o peso dos não residentes é mais elevado, para defender que “se o mercado da habitação continuar sujeito a uma procura externa ilimitada, que é imbatível no seu poder de compra, tudo o que teremos em Portugal é mais habitação de luxo e mais especulação e mais pessoas a serem expulsas das cidades onde querem trabalhar e viver”.
Esta é a justificação do Bloco para proibir a venda de casas a não residentes. Uma escolha feita no Canadá, Nova Zelândia, Suíça, Áustria e Dinamarca e que é um passo “na defesa do direito à habitação da sua comunidade e de todos quantos querem integrar esta comunidade de forma permanente para aqui trabalharem e para aqui viverem”.
"Não há estabilidade quando falta uma casa digna que o salário possa pagar”
Da mesma forma, o partido propõe “o fim definitivo e imediato do infame regime fiscal do residente não habitual, que nos faz perder, em cada ano, mais de mil milhões de euros de impostos não cobrados”. Uma proposta feita por falta de confiança num governo que “ainda anuncia aos sete ventos que pretende acabar com esta lei mas só daqui a vários meses, apelando, na prática, a uma corrida ao regime” como já tinha feito no caso dos vistos gold.
Para apresentar outra das propostas que levou a debate, a limitação de aumento de rendas a 0,4%, “o valor que era aplicável antes da crise inflacionista”, prenunciou que no debate orçamental que o ministro das Finanças falará em “estabilidade, segurança, previsibilidade”, “substantivos que se aplicam ao powerpoint de Fernando Medina mas que não se aplicam à vida das pessoas” porque não há estabilidade “quando falha a coisa mais básica de todas, que é ter uma casa digna que o salário possa pagar” nem a “previsibilidade mais essencial de todas que é saber agora quanto será o aumento das rendas de 2024”.
O Bloco quer ainda impor tetos máximos fixados de acordo com a localização e tipologia de imóvel para acabar com “o problema das rendas especulativas, dos T1 a mais de mil euros e dos T2 a 1.500, mais de duas vezes o salário mínimo”.
Propõe-se ainda que os bancos sejam obrigados a descer as prestações ao crédito à habitação, de acordo com as taxas de esforço de cada família, "sem contrapartidas futuras, sem truques, sem subsídios”. O setor, que pediu “24 mil milhões de euros numa altura de crise”, lucra agora “cinco milhões por dia com o aumento dos juros enquanto carregam nas comissões bancárias”. Fá-lo “sob o alto patrocínio do Governo”, pois ao financiar os apoios às prestações bancárias, o Governo "colocou todos os contribuintes a subsidiar os lucros dos bancos.” Ou seja, responde à crise com uma “irresponsabilidade que é dizer às pessoas aflitas que paguem menos prestação hoje como se o resultado não fosse mais dívida no futuro” para “não tocar nos lucros astronómicos da banca”.
Na conclusão da intervenção, Mariana Mortágua voltou ao ponto inicial. A ideia de que “a crise da habitação não é só uma coisa que nos aconteceu e por alguma razão a situação em Portugal é a pior da Europa”. Partindo do princípio de que “não há fatalidades, há escolhas e há soluções”, reiterou que a escolha do Bloco é “proteger o nosso chão” e estar “ao lado de quem aqui quer viver e que para isso só precisa de uma coisa: uma casa que possa pagar”.