Numa altura em que as campanhas eleitorais por toda a Europa estão cheias de retórica anti-imigração por parte das forças políticas da extrema-direita, o comício bloquista deste domingo em Lisboa teve a participação do ativista da Human Before Borders, que acompanhou durante anos as operações de resgate de migrantes e refugiados deixados à deriva no Mediterrâneo.
Miguel Duarte lembrou que “mais de 30 mil pessoas morreram mortes completamente evitáveis no Mar Mediterrâneo nos últimos 10 anos” e que assistiu a algumas delas. “Vi com os meus próprios olhos as consequências mortais da violência de fronteiras europeia”, afirmou, criticando o facto de nas últimas décadas essas fronteiras terem-se tornado “cada vez mais abertas a capital e mercadorias, mas cada vez mais fechadas a seres humanos”, chegando a criminalizar-se as operações de resgate que salvam vidas em alto mar.
Em vez de ser a União Europeia a promover ela própria operações de resgate na fronteira mais mortífera do mundo, preferiu assinar “mais acordos com estados autoritários e milícias criminosas para terceirizar a violência sobre migrantes, criminalizou a ajuda humanitária e criou mecanismos para limitar o direito de asilo”, apontou Miguel Duarte. O ativista defendeu que o Pacto para as Migrações aprovado com os votos da direita e dos socialistas no Parlamento Europeu “abre as portas à institucionalização desta mesma violência e, por essa mesma razão, deve ser revertido”.
“A criminalização da migração não faz com que venha menos gente. Faz com que morra mais gente”, resumiu Miguel Duarte. Outro resultado dessa criminalização é fazer aumentar o número de pessoas a trabalhar sem os direitos que os europeus já conquistaram há muitos anos.
“Em Portugal, primeiro somos contribuintes. Depois, se tivermos sorte, somos cidadãos”
“Aqui em Portugal a forma mais comum de um migrante obter documentos é através de um contrato de trabalho. Uma vez a trabalhar, o migrante pode fazer uma manifestação de interesse na AIMA e candidatar-se a uma autorização de residência. O Estado Português tem 90 dias para lhe dar uma resposta, mas tipicamente demora anos. São anos num limbo legal, com acesso dificultado aos serviços mais básicos, à reunificação familiar e aos direitos laborais”, descreveu, concluindo que “em Portugal, primeiro somos contribuintes. Depois, se tivermos sorte, somos cidadãos”.
O fim dos acordos de externalização de fronteiras, a rápida regularização e integração de quem cá vive e a criação de passagens legais e seguras são as três prioridades de quem luta pela igualdade, pois a questão, defende Miguel Duarte, “não é, nem nunca foi, entre deixar e não deixar entrar”, pois as fronteiras modernas deixaram de ser uma linha num mapa ou um muro ou um fosso. Hoje em dia, “a fronteira está por todo o lado e não é por uma pessoa a ter atravessado que se vê livre dela. É um sistema complexo que se estende bem para lá das divisões entre países e que decide quem é que tem direito a ter direitos”, resumiu o ativista.