Alemanha

Primeiro‑ministro alemão copia a retórica da extrema‑direita sobre imigração

22 de outubro 2025 - 10:14

Merz declarou que os migrantes são “um problema de paisagem urbana” e quer deportações em massa. A esquerda responde que é uma mensagem incendiária e racista.

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Merz numa conferência de imprensa no final da reunião da direção da CDU.
Merz numa conferência de imprensa no final da reunião da direção da CDU. Foto de CLEMENS BILAN/EPA.

O chanceler federal alemão, Friedrich Merz, acha que os migrantes são um “problema de paisagem urbana” e quer deportações em massa.

O chefe de governo respondia aos jornalistas durante um evento oficial no estado de Brandeburgo na segunda-feira da semana passada. A uma das perguntas retorquiu que os pedidos de estatuto de refugiado tinham caído 60% relativamente ao ano anterior “mas é claro que ainda temos esse problema na paisagem urbana, e é por isso que o ministro do Interior está ocupado a possibilitar deportações e realizando-as em larga escala”.

Exatamente uma semana depois, esta segunda-feira, quando um jornalista voltou a questioná-lo sobre o tema, perguntando-lhe se mantinha o teor das suas considerações, afirmou: “não sei se tem filhos, e filhas entre eles. Pergunte às suas filhas, suspeito que receberá uma resposta muito clara e contundente. Não tenho nada a retirar; pelo contrário, sublinho: precisamos de mudar alguma coisa.” O problema, acrescentou sem detalhar, agravar-se-ia “depois de escurecer”.

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As suas primeiras declarações foram logo recebidas com rejeição mesmo no interior do seu partido. O presidente da Câmara de Berlim, Kai Wegner, ao jornal Der Tagesspiegel, contrapôs que a paisagem urbana da capital é um reflexo da natureza cosmopolita da cidade e que os problemas de criminalidade não podem ser ligados a quaisquer nacionalidades em particular.

O parceiro de coligação governamental da CDU também criticou o que foi dito. A porta-voz do SPD para questões de migrações, Rasha Nasr, em entrevista ao Der Spiegel, diz que Merz “lançou lenha para a fogueira” e está a aumentar as divisões.

O Die Linke não tem dúvidas: há “racismo descarado” e as declarações têm uma natureza “incendiária”, refere o deputado Ferat Kocak.

Os Verdes concordam. Katharina Dröge, líder parlamentar do partido, questionou o chefe do governo: “onde vê o 'problema' além da cor da pele das pessoas?”. Dezenas de responsáveis do partido assinaram uma carta aberta dirigida a Merz onde se lê: “as suas declarações são racistas, discriminatórias, ofensivas e indecentes”. E a ativista Luisa Neubauer escreveu nas suas redes sociais: “existem aproximadamente 40 milhões de filhas neste país, e muitas de nós têm um interesse genuíno em garantir que a nossa segurança é levada a sério. O que não nos interessa é sermos indevidamente utilizadas como pretexto ou justificação para declarações que, em última análise, foram discriminatórias, racistas e profundamente ofensivas.”

Obviamente nada crítica deste conteúdo foi a AfD. Muitos dos seus dirigentes usaram as palavras do primeiro-ministro para partilhar imagens de cidades alemãs com migrantes, tentando estigmatizá-los.

Economia em crise, congelamento de pensões e tropa obrigatória dividem partidos do governo

Com estas declarações, Merz procura contrariar o crescimento do partido de extrema-direita, que nas sondagens é agora o primeiro colocado, copiando a sua retórica. Ao mesmo tempo, pretende desviar as atenções das políticas do executivo que sofrem vários impasses em áreas chave da governação, de uma economia em retração pelo terceiro ano consecutivo e dos vários anúncios de despedimentos coletivos em grandes empresas do país.

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Há duas leis em particular que estão bloqueadas por divisões internas na maioria governamental. Por um lado, a reforma das pensões que congela as pensões até 2031 e procura aumentar a idade de reforma encontrou oposição no interior da ala jovem dos conservadores, que anunciaram que retiravam apoio à medida por não consolidar o financiamento das pensões e “deixar os jovens a pagar a conta”.

Por outro, a proposta de reintroduzir o serviço militar obrigatório enfrentou oposição dentro quer da CDU quer SPD com a intenção de deputados das duas bancadas de fazer alterações ainda antes de vir a ser apresentada ao parlamento. As divisões entre os lados eram claras à partida, com o SPD a procurar que haja apenas um esquema de voluntariado para a entrada nas forças militares do país e com a CDU a exigir um recrutamento obrigatório. Uma tentativa de consenso foi ainda avançada, com a proposta de um sorteio entre os homens jovens caso não houvesse recrutas suficientes. Mas o ministro da Defesa rejeitou o “compromisso preguiçoso”, fazendo com que a conferência de imprensa conjunta prevista para dar nota do fim da divisão fosse desmarcada à última hora.

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