De cartaz na mão e ao som dos habituais cânticos, investigadores e bolseiros desfilaram pela Avenida 24 de Julho, em Lisboa. Partiram do Ministério da Educação, Ciência e Inovação, com destino à Assembleia da República e uma paragem marcada na Fundação para a Ciência e Tecnologia, carregando palavras de ordem contra a precariedade e o desinvestimento na ciência.
Lutam por um “sistema científico e tecnológico nacional democrático e capaz de dar resposta aos problemas da nossa sociedade como um todo”, como se lê na convocatória da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) para mais uma ação nacional que desta vez juntou centenas de pessoas de todo o país.
“Os bolseiros de investigação estão aqui por várias razões”, diz Sara Romão, investigadora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e membro da ABIC. “A mais urgente é acabar com o Estatuto de Bolseiro de Investigação, somos investigadores que já têm contrato de trabalho, salário e descontos consequentes, e estamos a lutar para ser incluídos com contrato. Em vez de contrato de bolsa, contrato durante os quatro anos de doutoramento”.
Precariedade
Bolseiros de investigação em desacordo com medida que os pressiona a ensinar em escolas
Depois, “há uma data de situações que não são devidamente estipuladas legalmente”, explica Sara. “Por exemplo, a questão das licenças de parentalidade, há bolseiros que nem sequer são incluídos na licença que é paga pela FCT, nem é paga pela Segurança Social” e também o não cumprimento de prazos.
Mas os investigadores contratados também não têm a vida facilitada. Rui Sousa, investigador também na Faculdade de Letras, queixa-se da falta de estabilidade na profissão. “A investigação precisa de tempo, precisa que os investigadores se possam concentrar na investigação que estão a fazer sem estarem constantemente à procura de mais um concurso”.
Essa é a experiência normal de alguém que sente a pressão constante de “estar prestes a perder o contrato ou prestes a perder a bolsa”. Rui salienta também a questão do Estatuto de Bolseiro de Investigação, que “gera desigualdades entre bolseiros e investigadores contratados”, e mesmo assim estes últimos também têm uma condição precária “que muitas vezes passa à margem do Código do Trabalho”.
Teresa Summavielle, investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, faz parte do grupo de investigadores que veio até Lisboa para se fazer ouvir. Critica as soluções que foram encontradas para a ciência até ao momento, por serem “insuficientes para o número de pessoas que estão há demasiados anos a fazer investigação sem carreira”.
A investigadora não acredita que soluções que passem por “empurrar o problema para as instituições sem atribuir financiamento” funcionem, e fala numa “falta de vontade” em resolver o problema. “O problema tem uma única solução, que é o Estado tomar em mãos a contratações dos investigadores”.
Mariana Mortágua fala em "hipocrisia do país"
A coordenadora do Bloco de Esquerda esteve presente na manifestação, falando aos manifestantes a partir do palco em frente a Assembleia da República. A dirigente bloquista salientou o “histórico de luta” dos investigadores e denunciou “duas hipocrisias do país”.
“A primeira é que o país e os governos investem na inovação, ou que querem investir na inovação, e a segunda maior hipocrisia são as lágrimas de crocodilo quando as gerações mais qualificadas deste país saem de Portugal e emigram”, explicou Mariana Mortágua. “São duas hipocrisias que têm uma origem muito simples: todo o dinheiro que não há para fazer contratos de trabalho e financiar a investigação, há para financiar as empresas que dizem que fazem inovação”.