Precariedade

Bolseiros de investigação em desacordo com medida que os pressiona a ensinar em escolas

13 de agosto 2024 - 12:51

Governo quer exceção ao regime de dedicação exclusiva para que bolseiros possam voluntariamente assumir uma carga letiva no ensino básico e secundário. Associação dos Bolseiros de Investigação Científica vê a medida como forma de "ter o próprio Estado a usar-se da precariedade destes investigadores para resolver um problema que deve ser abordado de uma forma estrutural."

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Manifestação de bolseiros
Fotografia de Associação dos Bolseiros de Investigação Científica

A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) demonstrou, na passada segunda-feira, a sua insatisfação com uma medida proposta pelo Ministro da Educação, Ciência e Inovação que contempla como exceção ao regime de dedicação exclusiva a possibilidade de os bolseiros terem voluntariamente até seis horas de carga letiva semanal no ensino básico e secundário.

A medida, proposta pelo Ministro e pela Secretária de Estado da Ciência em reunião com a ABIC no dia 6 de agosto, não resolve os principais problemas dos bolseiros de investigação, relacionados sobretudo com a precariedade laboral e com o Estatuto do Bolseiro de Investigação, criando um regime específico para os bolseiros em vez de os integrar com contrato de trabalho.

Para a ABIC, “recorrer a investigadores com bolsas para estas funções agrava a sua presente situação de precariedade laboral e desvia-os das suas atividades de investigação, comprometendo o desenvolvimento do seu trabalho científico”.

As seis horas de aulas semanais têm como objetivo corrigir a fragilidade da situação financeira dos bolseiros, mas a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica salienta que há uma contradição entre o objetivo do Estatuto de Bolseiro de Investigação, que exige a dedicação exclusiva à investigação, e uma vontade de tirar vantagem da situação de precariedade dos bolseiros de investigação para colmatar de forma provisória o problema da falta de docentes na escola pública.

Apesar de ver a possibilidade de dar aulas na escola pública como uma oportunidade que seria do interesse das várias partes num contexto de estabilidade e proteção laboral, a ABIC não deixa de notar que “num contexto de precariedade como o atual, significaria pelo contrário ter o próprio Estado a usar-se da precariedade destes investigadores para resolver um problema que deve ser abordado de uma forma estrutural.”

Para além da proposta do Governo, os bolseiros de investigação trouxeram para a mesa de reunião outros temas, como as aulas não remuneradas que os bolseiros dão nas instituições de ensino superior, as dificuldades na adesão ao Seguro Social Voluntário, as licenças de parentalidade e as taxas de entrega de tese.

Uma das propostas da ABIC é a aplicação da medida de devolução da propina através do IRS para os bolseiros, uma vez que estes, por não terem um contrato de trabalho, não são abrangidos pela medida, cujo objetivo é a fixação de profissionais em Portugal.

Outro dos pontos fundamentais da reunião foi, segundo o comunicado da associação, a discussão sobre as alteração à sétima edição do Concurso Estímulo ao Emprego Científico (CEEC), da FCT, cujo período de financiamento será à partida reduzido de seis para três anos. Segundo o Ministério, a redução tem em vista o encurtamento do período de trabalho precário ao antecipar a entrada na carreira com contrato de trabalho, mas a ABIC demonstrou a sua preocupação com o facto de haver uma discrepância entre os baixos números de posições para carreira disponíveis e o grande número de candidaturas, o que significa que muitos dos bolseiros cuja bolsa cessará ao fim de três anos não terão capacidade de ingressar numa carreira.

Apesar de reconhecer uma abertura por parte do Ministério da Educação, Ciência e Inovação na procura de soluções para os investigadores bolseiros, a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica salienta que esta reunião e as questões discutidas não podem ser vistas como um ponto de chegada. Os bolseiros de investigação demonstraram reticência no facto de o Ministério ter admitido ser urgente acabar com os vínculos de bolsa para os investigadores doutorados, mas “sem no entanto se comprometer com prazos para tal” e também pela retórica usada, que justifica a manutenção de vários procedimentos e situações precárias e injustas para os bolseiros através da necessidade de “autonomia” das instituições de ensino superior.

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