O coletivo Left Hand Rotation divulgou esta quinta-feira um vídeo no qual mostra barquinhos colocados em fontes na cidade de Lisboa com a mensagem “Sem Manifestação de Interesse, Escravatura Moderna”.
Em causa nesta ação está a lei aprovada pelo Governo de direita que impede a via de regularização dos imigrantes que chegavam a Portugal com visto de turista e depois utilizavam este dispositivo legal. À Lusa, um dos elementos do grupo contrapõe que “não é por fazer as pessoas ilegais que a migração vai parar”, acrescentando que “parece incrível isto acontecer num país como Portugal, com 20% de pessoas nascidas cá que vão para fora, como emigrantes”.
Os ativistas asseguram que vão continuar nos próximos dias a fazer o mesmo em fontes no “eixo urbano Alameda – Martim Moniz”, em Arroios, “a freguesia com maior população imigrante no centro da cidade”. Para além disso, protesta-se ainda contra esta Junta de Freguesia por se recusar a a emitir atestados de residência a imigrantes fora da UE “travando o acesso a direitos fundamentais”.
Segundo defendem, “com o fim da manifestação de interesse, o Governo Português legitima e suporta novamente a escravatura moderna”. Daí utilizarem pequenos barcos à vela com “desenhos originais dos navios negreiros portugueses”.
SEM MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE, ESCRAVATURA MODERNA from Left Hand Rotation on Vimeo.
Afirmam ainda que “Portugal tem a responsabilidade histórica de ter iniciado o tráfico transatlântico de escravos, o maior deslocamento forçado de pessoas a longa distância na história, mais de 12,5 milhões de pessoas aprisionadas no continente africano e forçadas a trabalhar no outro lado do oceano”.
O que para Marcelo é temporário para o Governo é caso fechado
No domingo passado, Marcelo Rebelo de Sousa terá afirmado num encontro com associações de imigrantes, que a retirada das manifestações de interesse seria temporária. Mas, segundo o Diário de Notícias, várias fontes confirmaram que a questão está “fechada” e que o regime que permite aos imigrantes não documentados garantirem a sua regularização não voltará.
A questão parecia já ter ficado fechada, uma vez que as declarações de vários membros do Governo liderado por Luís Montenegro tinham apontado o fim deste regime como permanente. O Presidente da República, no entanto, veio dizer em duas ocasiões diferentes que esta medida era temporária.
No dia 14 de julho, Timóteo Macedo, da associação Solidariedade Imigrante, dizia à Lusa após reunião com o Presidente que este “considera que o diploma, que saiu do Conselho de Ministros e foi promulgado por ele em três horas, é temporário e vai lutar por isso mesmo”.
Imigração
Associações prometem protestar contra o fim das manifestações de interesse
Ainda mais, disse o representante da associação, Marcelo já terá uma estratégia para pôr em prática. “O presidente vai fazer a pressão dele para que, em setembro, quando os partidos quiserem discutir o decreto na especialidade — porque há partidos a pedir a sua revisão — se encontrem mecanismos para que os dois artigos da manifestação de interesse voltem a ser aplicados“, disse à margem do encontro com Marcelo Rebelo de Sousa.
O próprio Presidente da República frisou na terça-feira passada que “regime temporário quer dizer regime temporário”, declarações prestadas depois da sua participação na sétima edição do Fórum Euro-África, no Campus de Carcavelos da Universidade Nova de Lisboa.
Rui Pena Pires, o coordenador científico do Observatório da Emigração, afirmou em entrevista ao Público que também “preferia uma suspensão temporária”, explicando que as curvas do emprego e das entradas de imigrantes em Portugal são paralelas: “há mais emprego, há mais imigrantes; há menos emprego, há menos imigrantes”.
O especialista assume que o grande regulador do volume a imigração não é a política, mas sim o emprego, e se “o emprego estiver a puxar para um lado e o político estiver a puxar para o outro, o resultado não é menos imigrantes; é menos imigrantes regulares”. Para rematar, deu ainda o exemplo do Reino Unido onde “fecharam tudo e também está a aumentar a imigração de países terceiros”.
O executivo de Luís Montenegro anunciou o fim das manifestações de interesse em Junho. Leitão Amaro, ministro da Presidência, afirmou na altura, em entrevista ao DN/TSF, que o que falta em Portugal é “uma imigração melhor, regulada”, mas também “uma política de atração de imigrantes especialmente focada nos qualificados”. As associações de imigrantes contestam esta decisão, e estão a lutar pela revisão do diploma num movimento que junta já 51 coletivos.
Bloco em audiência com Marcelo para esclarecer a situação
Mariana Mortágua explicou que o Bloco de Esquerda pediu hoje uma audiência Presidente da República sobre a questão, sublinha que este “era o único mecanismo na lei portuguesa que permitia a regularização de imigrantes que tinham dado entrada em Portugal” e avaliando que “ao acabar com este mecanismo, o Governo do PSD fez uma clara cedência à política da extrema-direita”.
A “única forma que existe para regularizar migrantes que vão chegando ao nosso país” é terminada num momento em que há obras do PRR a fazer, as pescas e a agricultura precisam destes trabalhadores, assim como muitos outros setores.
A coordenadora bloquista sublinha ainda que o fim do dispositivo não resolve os problemas burocráticos da AIMA mas “a única coisa que vai acontecer é que os imigrantes em situação clandestina vão acumular-se sem resolver nenhum dos problemas de fundo”.
Dado que Marcelo “entendia que a eliminação da manifestação de interesse devia ser apenas temporária” e que “promulgou em tempo recorde uma lei que elimina de forma permanente a manifestação de interesse”, a audiência serve para “podermos discutir o erro que é acabar com a manifestação de interesse, também discutindo a posição do Sr. Presidente da República que é a favor da reintrodução da manifestação de interesse”. Ao contrário do Governo, o partido não dá assim por terminado o debate sobre o tema.