A invasão russa da Ucrânia levou vários países europeus a porem em causa os regimes de vistos gold, que atribuem direito de residência em troca de investimento por parte de milionários oriundos de fora da União Europeia. Importa hoje recordar qual foi a reação do governo português face aos oligarcas russos quando as tropas deste país invadiram a Ucrânia para anexar a Crimeia em 2014.
Quando o então presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, anunciou a suspensão da assinatura dos acordos de associação e livre comércio com a União Europeia, cedendo assim a Vladimir Putin, teve início a revolta que ficou conhecida como Euromaidan e que levou o presidente a fugir para a Rússia. As primeiras manifestações de protesto tiveram lugar na noite de 21 de novembro de 2013. Dois dias antes, aterrava em Moscovo uma delegação composta pelo vice-primeiro ministro português Paulo Portas, o ministro da Economia Pires de Lima, o secretário de Estado do Turismo Adolfo Mesquita Nunes, o secretário de Estado da Alimentação e Investigação Agro-alimentar, Nuno Vieira de Brito, e o presidente da AICEP, Pedro Reis.
"O primeiro balanço, do ponto de vista político, é francamente bom" e, "do ponto de vista de negócios, também é muito positivo", congratulava-se Paulo Portas no final do primeiro dia deste "roadshow" de captação de investimento, destacando as áreas da agricultura e do turismo. Pires de Lima, após um encontro com o seu homólogo do governo russo, secundava o otimismo do líder do CDS, destacando o interesse de empresários russos em investir em Portugal, "nomeadamente numa área crescentemente mais apetecível, que é a área do turismo residencial".
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O outro governante do CDS em Moscovo, que entretanto se desvinculou do partido e passou a apoiar a Iniciativa Liberal, destacou dos encontros do dia "a presença de vários investidores interessados nos vistos ‘gold’ para efeitos de turismo residencial". Adolfo Mesquita Nunes não perdeu tempo para anunciar que "teremos aqui, no dia 10 de Dezembro, uma reunião com os principais investidores para esse efeito”.
A promoção dos vistos gold para os milionários russos passou a estar inserida no âmbito da promoção deste "turismo residencial", financiada pelo Turismo de Portugal, então presidido por Cotrim de Figueiredo, o atual líder da Iniciativa Liberal. Em fevereiro de 2014, na semana em que Kiev assistiu à "Quinta-feira Negra" com a morte de 60 manifestantes e à fuga de Yanukovich para a Rússia, desencadeando a queda do governo e as proclamações das repúblicas da Crimeia, Donetsk e Luhansk, o Turismo de Portugal anunciava "um plano de crescimento do fluxo de turistas do mercado russo" em parceria com o maior operador turístico da Rússia, a Natalie Tours. Cotrim de Figueiredo destacava "o forte impacto positivo nos fluxos turísticos da Rússia para Portugal.”
O comunicado do Turismo de Portugal destacava que "recentemente, o Governo reforçou e alocou mais meios aos serviços de emissão de vistos de turismo e dos vistos gold, que dão termo de residência em Portugal, de forma a atrair mais turistas, sobretudo de mercados como a Rússia". E acrescentava que "este reforço consiste numa partilha de meios técnicos e humanos do Turismo de Portugal, sendo os encargos financeiros suportados pelo Instituto" presidido pelo agora líder da Iniciativa Liberal. A versão russa do portal "Living in Portugal", divulgada pelo Turismo em Portugal, ajudava os milionários russos a obter o seu visto gold no nosso país.
Em outubro de 2014, já após a anexação da Crimeia e as invasões russas com artilharia e bombardeamentos aéreos no leste do país, Cotrim de Figueiredo continuava a promover os vistos gold. Citado pela Deutsche Welle, o então presidente do Turismo de Portugal falava do aumento da procura dos vistos gold e das suas vantagens para o setor imobiliário, ao servirem "para vender algumas casas que de outra forma não teriam sido vendidas".