A 9 de março, o presidente da Associação Nacional de Freguesias (Anafre), Jorge Veloso, afirmou, em declarações à TSF, que foi pedido “ao departamento jurídico que analisasse a situação para perceber se é legal ou não”, a decisão do executivo da junta de freguesia de Arroios, liderado por Madalena Natividade, da coligação Novos Tempos do PSD-CDS, no sentido de recusar emitir atestados de residência a imigrantes extra-comunitários sem título de residência válido.
Entretanto, uma informação da coordenação jurídica da Anafre frisa que “a emissão dos atestados depende da produção de prova seguinte: Conhecimento direto dos factos por qualquer um dos membros do órgão executivo ou do deliberativo, duas testemunhas recenseadas na Freguesia, e por qualquer outro meio de prova admissível em Direito, incluindo portanto, a prova documental ou outra”.
No documento é acrescentado que “a verificação destes meios de prova não é cumulativa, podendo qualquer um deles servir para fundamentar a emissão do atestado”. Reconhecendo que “tal não prejudica a solicitação de outros meios de prova em caso de dúvida”, a Anafre é clara ao excluir desses meios de prova o título de autorização de residência.
“Em nenhum momento as Leis (…) fazem qualquer distinção entre cidadãos nacionais e estrangeiros”, refere a missiva, onde se lê ainda que a Lei relativa às condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português “não exige a apresentação do título da autorização residência para efeitos da emissão do atestado de residência”.
Por esse motivo, a Anafre entende que “a emissão de atestados de residência por parte das Juntas de Freguesia a cidadãos estrangeiros não carece da apresentação de qualquer título de residência por parte destes”. Na sua informação, a coordenação jurídica deste órgão assinala ser acompanhada “por Parecer emitido em 12 de abril de 2004, pelo Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, bem como de Parecer subscrito pelo Senhor Provedor de Justiça, em 19 de novembro de 2004”.
“Como aliás bem se assinala, o que está em causa é a prova da residência, e não a legalidade da permanência em território nacional, competência legal de que as Juntas de Freguesia não dispõem”, remata a Anafre.
Medida abusiva e sem suporte legal
Os argumentos deste executivo já tinham sido desmontados por especialistas, por quem presta apoio na regularização de imigrantes, por coletivos de defesa dos direitos humanos e antirracistas e por profissionais de saúde.
Catarina Reis Oliveira, coordenadora do Observatório das Migrações, explicou à CNN que impedir um imigrante de obter um atestado de residência não faz qualquer sentido. “O imigrante encontra alojamento, tem testemunhas e procura na junta demonstrar que reside naquela área e, assim, obtém o Atestado de Residência para procurar regularizar a sua situação [junto da AIMA com o pedido de título de residência]. Isso seria o normal da lei e esta situação acaba por ser uma contradição”, detalhou.
Em carta aberta, mais de 900 pessoas e 100 coletivos repudiam a decisão do executivo do PSD/CDS de Arroios, que acusam de extrapolar as suas competências, impedir o usufruto de direitos, a regularização e a integração de pessoas migrantes.
Lembrando que “o documento, emitido pelas Juntas de Freguesia, é exigido para coisas tão essenciais como a obtenção de uma autorização de residência, a inscrição no Serviço Nacional de Saúde, na Escola ou até nas Finanças”, alertam que “a medida agora implementada pelo executivo liderado por Madalena Natividade agrava o caminho perigoso da criminalização da imigração e constitui, efetivamente, um obstáculo no que concerne ao processo de regularização das pessoas migrantes, ao usufruto dos seus direitos e ao cumprimento das suas obrigações legais”.
Em comunicado de imprensa, meia centena de médicos, enfermeiros e assistentes sociais integrados na Unidade Local de Saúde de São José, uma das mais importantes no centro de Lisboa, também exigem à junta de freguesia de Arroios que "suspenda imediatamente" esta "medida abusiva" sem “suporte legal”, e acusam o executivo de criar “barreiras desnecessárias e contrárias à universalidade no acesso a cuidados de saúde" e pôr em risco a saúde pública de toda a comunidade.
O Bloco denunciou o grave atropelo dos direitos dos cidadãos estrangeiros e a extrapolação ilegal das competências atribuídas por lei às Juntas. Na queixa endereçada à Provedora de Justiça, Joana Pires Teixeira, em representação das eleitas do Bloco de Esquerda na Assembleia de Freguesia de Arroios, requer que Maria Lúcia Amaral atue em conformidade. O grupo parlamentar do Bloco também já tinha questionado a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares e o Ministério da Administração Interna sobre esta matéria.
Íris Damião, membro da CDU e responsável pela freguesia de Arroios no âmbito da Direção da Cidade de Lisboa do Partido Comunista Português, alertou, igualmente, para a gravidade da situação.
O próprio gabinete da ex-ministra Ana Catarina Mendes veio, em resposta escrita à Lusa, reconhecer a extrapolação de competências por parte da Junta de Freguesia de Arroios.