Extrema-direita

Amichai Chikli, o amigo genocida de Ventura

21 de maio 2024 - 21:11

Ministro de Netanyahu quer eliminar a identidade palestiniana e colonizar partes de Gaza. Participou em campanhas de ódio contra deputados palestinianos e organizações de defesa dos direitos humanos, fez declarações homofóbicas e atacou a independência do sistema judicial.

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André Ventura e Amichai Chikli
André Ventura e Amichai Chikli. Foto publicada nas redes sociais.

André Ventura marcou presença este fim de semana no encontro da extrema-direita mundial promovido pelo Vox. Aí, enquanto acontece o genocídio em Gaza, fez-se fotografar com um dos ministros de Nethanyahu. Amichai Chikli foi a Madrid apresentar o ataque como “uma batalha existencial pelo futuro da Civilização Ocidental contra o Islamismo radical” e criticar as políticas migratórias europeias, na origem de “guetos cheios de imigrantes islâmicos que se tornam frequentemente antros de fanatismo religioso”.

Para Chikli, um Estado Palestiniano seria “uma catástrofe”, que Israel pode controlar no futuro “partes” de Gaza, participou em campanhas de ódio contra deputados palestinianos e organizações de defesa dos direitos humanos, fez declarações homofóbicas e contra o judaísmo reformado, tem atacado a independência do sistema judicial e promove a ideia de que criticar Israel é ser anti-semita.

Quem é Amichai Chikli?

Amichai Chikli é filho de um rabi conservador e vive num Kibutz fundado pelo movimento conservador israelita. Foi um elemento das forças especiais do IDF, as forças militares israelitas. Depois formou-se em diplomacia e segurança e fundou a Academia Tavor para a Liderança Sionista.

Foi eleito deputado primeiro pelo partido Yamina, a Nova Direita, em março de 2021, mas acabou por ser expulso deste por votar, consistentemente contra o governo integrado por Naftali Bennet, o seu líder, por discordar do apoio do partido de esquerda Meretz e de deputados árabes israelitas.

Dado o equilíbrio de forças, a deserção de Chikli foi importante para desestabilizar este executivo. Acabou por se juntar ao Likud de Netanyahu, pelo qual eleito novamente deputado. Como prémio pelo seu papel anterior, foi nomeado ministro dos Assuntos da Diáspora e da Igualdade Social.

À partida, não seria o elemento mais indicado para dialogar com os judeus que vivem fora de Israel já que tem, como ele próprio disse, “um problema com a tendência dos judeus reformistas”, uma das maiores ao nível mundial, que acusa de “procurar assimilar-se e filiar-se em grupos que são anti-Israel”, como afirmou ao Forward antes de ocupar o cargo. Ao Jerusalem Post, ambos citados pela Jewish Telegraphic Agency, acrescentava que este movimento “identificou-se com as falsas acusações da esquerda radical” e que “estão a voltar às suas raízes na Alemanha do anti-sionismo e anti-nacionalismo”.

Chamando-lhe “ministro da confrontação”, o jornal norte-americano Jewish Exponent sublinhava que ele não sabe nada da “diáspora” ao mesmo tempo que não defende a “igualdade social”, tendo “um histórico de ridicularizar grupos minoritários dentro de Israel, incluindo judeus gays e árabes israelitas e humilhar judeus não ortodoxos”.

Por seu turno, o Haaretz designa-o como “ministro da ofensa à diáspora” sublinhando que as “mostras de grosseria e ignorância” numa visita aos EUA aprofundaram as distâncias entre os judeus locais e Israel. Sendo os seus ataques à organização J Street (sionista mas defensora da paz) exemplo disso.

Em janeiro, o Times of Israel, noticiava que um dos maiores centros mundiais de estudo do anti-semitismo, o Centro para o Estudo do Judaísmo Europeu Contemporâneo da Universidade de Telavive, lançou um relatório em que aconselhava a sua demissão, acusando-o de “falta de visão e substância”, de “promover poucas iniciativas” e de ter como única tentativa de identificar incidentes anti-semitas uma “ligação quebrada na sua página de Internet”, o que é “uma forma extremamente preguiçosa de lidar com o assunto”.

O seu interesse no anti-semitismo ao nível mundial parece estar sobretudo concentrado naquilo a que chama “novo anti-semitismo”, ou seja na campanha para ostracizar e ilegalizar qualquer crítica contra Israel. Ao Ynet explicava que “o antisemitismo consiste na “demonização e deslegitimação de Israel”, revelando estar a envidar esforços para que as “nações em todo o mundo adotem uma definição mais alargada de anti-semitismo” e “lançar campanhas para negar o trabalho de grupos anti-Israel”.

Para além destes grupos, a própria ONU é visada com ataques a partir desta “definição alargada” de anti-semitismo. Chikli acusou a relatora especial da ONU para os Direitos Humanos nos Territórios Ocupados, Francesca Albanese, de “vomitar ódio e anti-semitismo”.

Já a presença no comício de Madrid do neonazi espanhol Pedro Varela ou a candidatura pelo Vox, em 2019, de outro negacionista do Holocausto, não lhe mereceu nenhum reparo sobre anti-semitismo.

Acabou por se demitir da pasta da Igualdade Social. Não sem antes ver questionado o seu papel na tutela dos fundos destinados aos cidadãos árabes israelitas. A questão é que tinha sido fundador de um grupo, o Atidna (“o nosso futuro” em árabe) que se apresentava como uma colaboração entre judeus sionistas de direita e árabes. Este grupo é financiado por milhões de dólares vindos dos judeus norte-americanos, nomeadamente o Israel Endowment Funds, para comprar a anuência de alguns árabes às políticas da direita sionista. De acordo com o Haaretz o grupo pretende “desviar fundos de organizações sociais estabelecidas que trabalham em prol da juventude árabe – grupos de classifica como “instigadores” e “isolacionistas” – para organizações como a Atidna”.

Perseguição aos palestinianos

Ainda enquanto parlamentar, foi uma das figuras da campanha de ódio contra os deputados palestinianos eleitos para o Knesset. Chamou-lhes inimigos e acusou-os de apoiar o terrorismo. Essa propaganda do ódio contra os palestinianos vem de longe. De acordo com uma investigação da Yachad, organização judaica britânica pela paz, em 2015, partilhou na sua conta do Facebook uma fotografia adulterada que sugeria que os membros da Lista Conjunta (palestiniana) eram terroristas, representando-os com facas e um cinto de explosivos. Em 2017, na mesma rede, apelou à transferência de uma série de aldeias palestinianas do interior de Israel para a Autoridade Palestiniana, o que significaria efetivamente revogar a sua cidadania israelita. No mesmo post, referindo-se à cidade árabe israelita de Umm al-Fahm, escreveu: "Não estou interessado em construir complexos habitacionais e renovar calçadas numa cidade que gera terroristas".

Ainda nesta rede social, em 2019, classificava a sociedade palestiniana como "uma sociedade bárbara que gera crianças assassinas e admiradores de mártires que massacram mulheres e bebés".

Em 2021, no podcast de Ofer Casspi, defendeu abertamente a "eliminação da identidade palestiniana, construída com base na oposição ao sionismo". Acrescentou ainda que "só nos livraremos deste conflito quando esta identidade nacional deixar de existir".

Quando o parlamento israelita debatia a detenção de crianças palestinianas, declarou à News 1 que a educação dada pela Autoridade Palestiniana era "nada menos do que o antissemitismo goebbelsiano, que faz uma lavagem cerebral às mentes e almas dos jovens árabes. Doutrinação antissemita que, vergonhosamente, está representada no Knesset."

Ataques às organizações de direitos humanos

Mas os palestinianos não são os seus únicos alvos. As organizações de defesa dos direitos humanos também são atacadas. Segundo o Haaretz, afirmou em novembro de 2022, numa conferência parlamentar "sob o disfarce de organizações de direitos humanos e de atividade humanitária esconde-se uma ideologia radical antissemita e anti-sionista". Na mesma ocasião, criticou a União Europeia dizendo que "é a ponta de lança da deslegitimação" de Israel.

Chikli tem laços com a organização ultranacionalista Reservistas de Serviço, que ajudou a criar com o objetivo de difamar o trabalho da ONG Breaking the Silence, organização de soldados veteranos que serviram nas forças armadas israelitas e que denunciam a realidade da vida quotidiana nos Territórios Ocupados e defendem o fim da ocupação israelita da Palestina.

Ataques à independência do sistema judicial

Como outros apoiantes de Netanyahu também atacou por diversas vezes a independência do sistema judicial. Em 2019, escrevia no Facebook que “há um limite para a insolência e o apoio que o nosso sistema judicial dá ao terrorismo [...] Precisamos de um tribunal israelita, não de um tribunal no espírito do Conselho dos Direitos Humanos da ONU”.

Quando o movimento que contestava a reforma legislativa com que Netanyahu tentou anular esta independência, Chikli sugeriu que os Estados Unidos estariam por detrás das manifestações e que Biden havia uma “certa coordenação” e “sincronização” dos seus comentários com a oposição interna. E não hesitou em usar uma passagem da Torah para comparar os manifestantes aos “espiões que falam mal sobre a terra de Israel”.

Um globetrotter da extrema-direita

Numa visita ao Canadá, o ministro responsável pelo combate ao antissemitismo só teve reuniões com a extrema-direita, incluindo as suas componentes mais agressivas como os extremistas evangélicos que se opõem aos direitos das mulheres e das pessoas LGBTQI e ao ensino do evolucionismo nas escolas.

O encontro do Vox não foi o primeiro por onde o governante israelita tem aparecido entre extremistas de direita. O Haaretz relata a digressão que, em janeiro, passou por uma reunião com os “Democratas” da Suécia, um partido com raízes neonazis e anti-semitas.

Em abril, esteve na Conferência da Ação Política Conservadora na Hungria, um evento apoiado pelo partido do governo, ramo do encontro principal nos EUA, onde este ano esteve presente o ministro israelita Simcha Rothman ao lado de negacionistas do Holocausto e auto-proclamados nazis. Duas semanas antes, tinha estado em Bruxelas numa conferência nacionalista que chegou a estar proibida.

Ministro da homofobia

Apesar de ter sido responsável pela pasta da igualdade, é autor de afirmações homofóbicas. Para ele, explica a Jewish Telegraphic Agency, a bandeira do Orgulho é um símbolo anti-sionista e a Parada do Orgulho de Telavive uma “vulgaridade vergonhosa”. Afirmou ainda que a identidade sexual deveria ser “subjugada” e que ser gay “não é motivo de orgulho”.

Em março deste ano, numa entrevista ao think tank de direita Jerusalem Center for Public Affairs declarou: "Hoje em dia o discurso é «vamos juntar LGBTQ e Black Lives Matter e os palestinianos, todos estes grupos oprimidos, e vamos encontrar um inimigo contra o qual nos unirmos». E mais uma vez, esse inimigo somos nós, os judeus".

Dividir Gaza depois do genocídio

Em declarações ao Ynet admitiu a possibilidade de passar a haver colonatos israelitas na Faixa de Gaza “em certas partes onde faz sentido”. Para ele, não deve ser a Autoridade Palestiniana a administrar Gaza quando a guerra acabar, mas sim outros países: “Rafah pode estar sob controle egípcio e Khan Younis sob controle dos Emirados”.

Sobre as manifestações de israelitas por um cessar-fogo, disse que eram “uma prenda para o Hamas”. E em janeiro apelava ao fim de qualquer transferência de ajuda humanitária “ao Hamas” ou à Agência da ONU para os Refugiados na Palestina, alegando que só deveria ser entregue a “entidades internacionais em que Israel confie”.

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