Alemanha: polícia proíbe Congresso sobre Palestina, Nancy Fraser desconvidada de emprego

13 de abril 2024 - 12:49

Duas horas depois de começar a polícia cercou o edifício e cortou a luz ao evento. Dias antes, a filósofa judia Nancy Fraser tinha sido informada pela Universidade de Colónia que já não poderia exercer como professora convidada por ter assinado a carta “Filosofia pela Palestina”.

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Imagem da página do congresso.

Estavam centenas de pessoas a assistir o Congresso sobre a Palestina marcado para este fim de semana em Berlim. O evento começou com a leitura de um conjunto de “regras de conduta” para os participantes que incluíam a proibição de qualquer apologia da violência da violência, de publicidade sobre organizações políticas palestinianas, como a FPLP, o Hamas ou as brigadas Al-Qassam e de apelos à destruição do Estado de Israel.

Mas ao fim de duas horas de sessão a polícia proibiu o Congresso, alegadamente por “risco de anti-semitismo”. Um dispositivo policial de 930 agentes da polícia de Berlim junto com outros de outras localidades que estavam preparados para intervir, num total de 2.500, classificado pela jornalista Nathalie Versieux da RFI como “impressionante”, cercou o edifício durante a segunda intervenção do dia e cortou a eletricidade quando o investigador Salma Abou Sitta, de 86 anos, começava a falar por vídeo-conferência.

A proibição será tudo menos uma surpresa. As autoridades de Berlim tinha anunciado que o evento estava sob vigilância e o próprio chefe da cidade Estado, Kai Wegner, tinha classificado na rede social X o Congresso como “intolerável” e “um ato de ódio”.

Esta sexta-feira, tinha sido conhecido que o médico palestiniano Ghassan Abu Sitteh, um cirurgião que esteve em Gaza durante parte da operação de massacre sionista, tinha sido proibido de entrar na Alemanha para participar na conferência. À agência noticiosa EFE, um porta-voz da polícia alemã explicou que o médico britânico-palestiniano estava “proibido de estar ativo politicamente na Alemanha”, uma informação os organizadores do evento desconheciam, tendo sido a participação dele anunciada previamente. A interrupção súbita foi explicada por um “exame legal” que concluiu pela proibição, tendo as forças policiais escrito nas suas redes sociais que “existe o risco de que se volte a dar lugar a um orador que no passado já se manifestou em público de forma antissemita e elogiando a violência”.

Os vários grupos que organizaram o Congresso falam numa proibição “sem motivo” de uma sessão que tinha como objetivo juntar as vozes críticas sobre o apoio do governo alemão a Israel e alertar para os crimes que estão a ser cometidos. Convidados estavam também várias figuras da esquerda internacional como o ex-ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis e a ex-ministra da Igualdade de Espanha, e atual cabeça de lista do Podemos ao Parlamento Europeu Irene Montero.

Nancy Fraser “cancelada” pela Universidade de Colónia

Dias antes, a conhecida filósofa judia norte-americana Nancy Fraser tinha sido “desconvidada” de um emprego que lhe tinha sido oferecido na Universidade de Colónia por ter subscrito, junto com cerca de 400 colegas, em novembro do ano passado, uma carta aberta intitulada “Filosofia pela Palestina” que condenava o ataque de Israel em Gaza.

Em 2022, tinha-lhe sido atribuído a Albertus Magnus Professorship 2024, uma posição enquanto professora visitante. Agora, alega a instituição, o principal motivo da retirada do convite de emprego está no facto de a carta incluir um apelo a um boicote às instituições académicas e culturais sionistas.

A filósofa que trabalha atualmente na New School for Social Research de Nova Iorque reagiu em entrevista ao Frankfurter Rundschau: “fui cancelada em nome da responsabilidade alemã pelo Holocausto. Esta responsabilidade também deveria aplicar-se ao povo judeu. Mas na Alemanha limita-se à política de Estado do governo israelita atualmente no poder. O macarthismo filosemítico resume isso muito bem. Uma forma de silenciar as pessoas sob o pretexto de supostamente apoiarem os judeus.”

Numa declaração em solidariedade para com ela, académicos alemães e de outros pontos do globo sublinham o valor do seu trabalho e consideram que a retirada do convite “representa mais uma tentativa de limitar o debate público e académico sobre Israel e a Palestina”, sublinhando-se a contradição com as declarações do reitor que tinha afirmado estar empenha no diálogo sobre a questão.

Acrescentando que “as ações da direção da Universidade de Colónia arriscam serem percebidas interna e externamente como como um ataque contra aquilo que uma universidade deve ser: um lugar para um diálogo intenso, controverso, sobre temas relevantes socialmente e um espaço para trocas livres que transcendem as fronteiras nacionais e disciplinares”.