Há coisa de uma semana que tinha pendente ver a série da Netflix que está a receber tanta atenção: Adolescência.
Apesar de devorar séries, filmes e romances a um ritmo desenfreado, tinha reservado esta para ver com a Noelia, num momento tranquilo, querendo saboreá-la e poder pensar e conversar depois. Tinha a impressão – acertada – de que esta série dá para muito mais do que um simples visionamento: dá para uma boa análise educativa e social, e até para um verdadeiro cinefórum.
Só este domingo, depois de ver vários comentários no Twitter educativo, o tweet publicado por Pablo Iglesias a recomendá-lo e o artigo escrito por Sebastián Fiorilli neste diário sobre o tema, é que senti a necessidade de a ver, apesar de Noelia estar a viajar e eu correr o risco de ser repreendido por não esperar por ela. De certa forma, espero que este texto sirva como um pedido de desculpas.
A série
Antes de mais, devo dizer que compreendo perfeitamente o sucesso da série. Embora a nível técnico não seja a pessoa mais indicada para fazer uma análise – uma vez que não tenho os conhecimentos necessários para dar uma opinião fundamentada – penso que está impecavelmente realizada e que as interpretações são muito bem conseguidas por parte de todos os atores e atrizes.
No entanto, tenho a sensação de que o seu sucesso se deve a outra coisa: a excelente abordagem, confrontando diferentes perspetivas, de vários temas muito complexos e atuais que nos preocupam a todos de uma forma muito humana. Em termos práticos, isso faz com que o espetador se sinta desafiado ao longo da série e sinta a tensão vivida pelas diferentes personagens de uma forma muito real.
No meu caso, passei toda a série preso entre emoções contrastantes: umas vezes maravilhado com a genialidade do que mostrava e como o fazia; outras vezes, preocupado com o tratamento de certos temas; e, na maior parte do tempo, a pensar no enredo e mudando sensações à medida que este se desenrolava. Só por isso, ver esta minissérie é uma experiência altamente recomendável.
Mas, voltando ao foco deste texto – repito que não sou a pessoa mais indicada para fazer uma análise cinematográfica da série, e que há companheiros e companheiras muito mais preparados do que eu neste mesmo espaço –, o que me cabe é fazer uma análise das questões educativas que a série aborda e das oportunidades de reflexão que ela oferece. E a minha conclusão seria a seguinte: sim, é uma série imprescindível. Mas atenção: não basta vê-la de qualquer maneira, porque podemos acabar por tirar conclusões que são ainda piores do que os preconceitos com que nos aproximamos dela.
De visionamento obrigatório mas não um visionamento qualquer
Como digo, a complexidade, a atualidade e a preocupação social dos temas abordados na série é brutal, e fá-lo, ainda por cima, de forma crua. Isto coloca uma dificuldade: uma análise superficial do que estamos a ver, sem recorrer a conceitos educativos, pode ser mais prejudicial do que benéfica para as famílias, os professores, os alunos e a sociedade em geral.
Se acrescentarmos a isto o facto de a opinião generalizada sobre muitos dos temas abordados pela série – ecrãs, violência escolar, juventude, mudanças sociais, etc. – estar carregada de preconceitos profundamente enraizados no imaginário partilhado, é muito provável que as conclusões a que chegarmos ao ver a série coincidam mais com as possíveis políticas educativas reacionárias propostas, por exemplo, por Ayuso na Comunidade de Madrid: proibir os ecrãs per se, exigir mais disciplina, autoridade dos professores… do que com uma análise educativa focalizada e aprofundada que nos levaria a conclusões interessantes para propor políticas educativas com uma perspetiva de esquerda e que gerariam as mudanças educativas de que tanto precisamos. Este é, para mim, o principal risco de assistir a esta minissérie sem conhecimento de conceitos educativos.
Por isso, é essa a minha intenção neste texto: oferecer algumas reflexões em chave educativa que ajudem o leitor ou leitora a pensar para além do óbvio nesta minissérie que permite tanta reflexão e tanta profundidade.
Reflexões de âmbito educativo
Como tentava explicar, o visionamento superficial desta série é suscetível de ser até, em algumas ocasiões, contraproducente. Enquanto a via, não pude deixar de me colocar na pele e na perspetiva educativa de algumas famílias e de alguns professores que aderem aos discursos mais reacionários da educação. Destas perspetivas, a conclusão a que se chega quase diretamente ao ver a minissérie é uma velha conhecida: é preciso mais disciplina. Controlar o que os alunos estão a fazer a todo o momento, proibir toda a tecnologia, ser duro com as infrações. Nada de distrações para, individualmente, receber a lição, fazer alguns exercícios do manual e depois reproduzi-la o mais fielmente possível num exame.
Para mim, esta conclusão representa dois problemas graves. O primeiro, óbvio: as análises educativas feitas por aqueles de entre nós que afirmam ter uma perspetiva de esquerda não podem coincidir, ponto por ponto, com o argumentário educativo mais reacionário. Em segundo lugar, outra questão importante: penso que esta conclusão e as ações que ela implica produziriam o próprio agravamento do problema que estamos a tentar combater e que a minissérie ilustra de forma tão excecional. Estou a tentar explicar-me devagar:
Para mim, a análise educativa mais óbvia, que salta quase à primeira vista, tem a ver com a cultura escolar (Pérez Gómez, 1998), que eu definiria de uma forma muito básica como o sentido comum que todos temos de como uma escola deve funcionar: o que se devem dedicar alunos e professores, quais devem ser as normas, a forma natural de trabalhar na sala de aula, as relações, etc., e de cujo processo de construção – e porque representa um problema grave – já falei noutras ocasiões.
É esta cultura escolar que é responsável, na minha opinião, pela primeira questão educativa a analisar na série: que a escola – neste caso, a secundária – é uma instituição “educativa” que vive absolutamente à margem de todas as questões vitais pelas quais os adolescentes regem as suas vidas e configuram o seu pensamento, mas também dos problemas mais atuais e graves das sociedades modernas, e que todos e todas nós sofremos em primeira mão. Isto levanta, desde já, algumas questões: como é possível que isto aconteça? Não será correto abordar criticamente estes temas no sentido de uma educação pública e obrigatória?
Esta enorme distância entre as preocupações vitais e sociais e a educação sempre foi um problema recorrente, mas, com o auge dos discursos fascistas, sexistas, xenófobos, racistas e lgtbifóbicos – a que assistimos com perplexidade, alimentados por fake news, hoaxes e desinformação –, eles ecoam cada vez mais nas nossas sociedades. Para mim, isto representa agora o problema educativo em letras maiúsculas.
Este problema, o da distância entre a vida e a escola, é fortemente reforçado por duas ideias que estão profundamente enraizadas no imaginário da sociedade em geral – mas também dos professores. A primeira é a falácia de que o trabalho da escola deve ser objetivo, neutro, e que, por isso, os professores não devem oferecer o seu ponto de vista, a sua ideologia, aos alunos, porque, caso contrário, estariam a “doutriná-los”.
Já falei sobre este assunto em múltiplas ocasiões, e é também um clássico desde que Apple (1986) o abordou no seu famoso livro Ideologia e Currículo: a política é uma ideia de sociedade e a educação é a forma de a alcançar. Por isso, educar é sempre uma questão política e ideológica. Entender que educar tem a ver com não entrar em questões ética e politicamente controversas e polémicas é privar os alunos da possibilidade de fazerem análises críticas e desligadas das ideologias e preconceitos dos seus contextos particulares. Tal análise só poderia ser feita na escola, sob a tutela de um educador ou educadora que lhes proporcionasse um questionamento crítico da sua própria experiência individual. É a isto, em última instância, que Pérez Gómez (1992, p. 27) chama educação:
“A função educativa da escola ultrapassa a função reprodutora do processo de socialização na medida em que se apoia no conhecimento público (ciência, filosofia, cultura, arte...) para provocar o desenvolvimento do conhecimento privado em cada um dos alunos e alunas. A utilização do conhecimento público, da experiência e da reflexão da comunidade social ao longo da história, introduz um instrumento que rompe ou pode romper o processo reprodutivo. O conhecimento nos diferentes domínios do saber é uma ferramenta poderosa de análise e compreensão das caraterísticas, determinantes e consequências do complexo processo de socialização reprodutiva. A vinculação incontornável e própria da escola com o conhecimento público exige que ela e os que nela trabalham identifiquem e desmascarem o carácter reprodutivo das influências que a própria instituição, bem como os conteúdos que transmite e as experiências e relações que organiza, exercem sobre todos e cada um dos indivíduos que nela vivem”.
Em segundo lugar, e intimamente relacionado com isto, é necessário compreender a enorme dificuldade que os professores têm em fazer o seu trabalho educativo quando finalmente compreendem que ele é ideológico e político. Esta dificuldade é agravada pela pressão crescente que a batalha cultural da extrema-direita na educação tem colocado no trabalho dos professores. Basta pensar no Vox e no seu famoso discurso do pin parental, ou ouvir os discursos reacionários que exaltam a necessidade de uma educação neutra e objetiva, livre de ideologias, para compreender a enorme pressão que podem sofrer os professores dispostos a trabalhar determinados temas nas suas salas de aula, e as queixas e conflitos que isso pode gerar. Isto, logicamente, implica uma auto-censura sobre a qual as políticas educativas deveriam atuar, uma vez que representa um verdadeiro obstáculo para que os alunos possam rever a sua própria experiência em relação a temas cruciais. Estou a pensar em questões como as que vemos na série, como a influência da manosfera no desenvolvimento do pensamento da personagem principal, mas também no de uma grande parte dos alunos da sua escola. O que me leva ao ponto seguinte.
Em geral, o problema da cultura escolar tem muito a ver, para mim, com esta ideia tão generalizada de conhecimento ilustrado, sobre a qual no outro dia fiz uma thread no Twitter explicando-a a partir de uma perspetiva sociológica, e pela qual se entende que a mera exposição dos alunos a um conjunto de conhecimentos disciplinares e académicos os transforma automaticamente em seres críticos, reconstruindo as suas ideias e experiência, e emancipando-os.
O absurdo desta forma de pensar tão generalizada é, a meu ver, claramente visível na série, sobretudo no segundo capítulo, quando nos é oferecida uma perspetiva de tudo o que se passa na escola à volta do caso, de como todo o corpo discente o vivencia, e, no entanto, a aparência é a de que a vida escolar desses mesmos alunos se mantém inalterada: na primeira hora, a Língua, e estudam-se sintagmas; na segunda, a Matemática, e calham-nos as raízes quadradas; na terceira, o Francês. Isto é claramente visível no final do capítulo, quando o filho do polícia lhe explica como foi o seu dia de escola e o pai lhe diz para falar com ele em francês. Mas também é demonstrado com grande clareza quando o polícia fala com a sua colega e lhe diz: “Parece-te que alguém está a aprender alguma coisa aqui? Parece a porra de um curral de ovelhas”.
Não há qualquer tratamento educativo, não só sobre o que aconteceu, mas também sobre qualquer uma das questões de fundo que estão presentes na sociedade e na vida dos adolescentes e que foram determinantes no homicídio com que a série começa: os discursos da manosfera, a construção da masculinidade na adolescência, o feminismo, as redes sociais, as relações entre pares, a vida sexual… Porque, além disso, todo o mundo adulto – professores e famílias – permanece totalmente alheio a esta situação e aos significados que os adolescentes partilham sobre ela. Isto é demonstrado de forma muito clara na série através da conversa magistral – e não podes perdê-la – entre o polícia e o seu filho, quando este último explica as pistas por detrás do homicídio, que têm a ver com a relação entre o assassino e a vítima através do Instagram. Esta cena termina com uma frase excecional e de partir o coração: “tinha que te dizê-lo, é embaraçoso como estás a meter a pata na poça”.
Todo este quadro põe em evidência uma situação sobre a qual devemos refletir profundamente no domínio da educação. O sentido que tem que os alunos estudem conhecimentos e disciplinas na escola deveria ser que estes os ajudassem a reconstruir, repensar, analisar e reformular a sua experiência enviesada, ligada às oportunidades oferecidas pelo seu contexto social mais imediato. Mas é impossível que esta reconstrução se efetue se raramente lhes forem oferecidas situações na sua educação que tenham a ver com as suas preocupações vitais e pessoais, como as mostradas na série. Se a relação que eles têm com o conhecimento é sempre desligada da sua realidade e ligada apenas ao valor de troca de uma nota.
A pergunta dolorosa que não me sai da cabeça depois de ver a série é: como é possível que um ambiente educativo se mantenha tão alheio à vida, às coisas que interessam aos nossos adolescentes? Isso, para mim, faz parte do drama que conduz o enredo da série.
A este respeito, a minha colega Alicia, professora de Filosofia, faz uma afirmação muito clara na entrevista que deu ao El País (Zafra, 2025):
“Temos que permitir que se expressem, observar onde estão os problemas e tentar resolvê-los. Se a voz dos adolescentes, que parece não ter importância em lado nenhum, também não é ouvida no local onde passam mais tempo, que é aqui na escola, não estaremos a facilitar-lhes a adoção de posições extremas?”
Outras ideias que não aparecem à superfície, mas que se manifestam no fundo
Com este drama também se ligam outras questões que acho importante resgatar aqui. Muito clara para mim é a questão da ideia que os próprios professores têm do que significa educar e qual o sentido da sua profissão, e que se manifesta numa conversa entre corredores que pode passar despercebida se não estivermos atentos. Um professor diz a outro: “Agora, além de guardas, somos assistentes sociais. Genial!”
Achei desolador, porque não pude deixar de pensar que o sentimento de “guarda” é de facto incompatível com qualquer visão educativa da profissão. Mas ressoa perfeitamente com os pontos de vista mais reacionários: disciplina, autoridade do professor, “eu venho ensinar a minha matéria e devem vir de casa educados”, etc. A partir daí, é utilizada a mesma expressão – terrível – que se encontra facilmente nas redes sociais entre os professores, e que nos dá uma ideia da visão não educativa que alguns têm da sua própria profissão: “Sou professor, não sou educador social ou psicólogo”.
Desta forma, compreende-se que haja montes de problemas de convivência e educação na escola da série, subversivos, que nunca são tratados porque não são matérias académicas (no pior sentido da palavra), mas que estão lá, no fundo, a condicionar a vida da escola, e que, quando ocorre um acontecimento terrível, como o assassinato com que começa a série, fazem com que tudo expluda no ar.
Outra questão que me parece interessante refletir – e que na série também dá para muitas análises – é a ideia que, de um ponto de vista adultocêntrico, temos da juventude.
Por um lado, a banalização absoluta das suas preocupações vitais. Quando nós, adultos, vivemos numa sociedade cada vez mais louca, que nos coloca em situações de vida extremas, fazemos juízos de valor simplistas sobre as preocupações dos adolescentes. Somos incapazes de compreender que os problemas que vivemos como adultos são equivalentes em gravidade aos que vivem os adolescentes. Por exemplo: não encontrar reciprocidade na pessoa amada, as relações com os seus pares… Mas para nós, adultos, parecem problemas infantis, sem importância. Não somos capazes de nos colocarmos no lugar deles e evocar como vivemos preocupações semelhantes na nossa adolescência e como foram graves para nós.
Mas, por outro lado, há a permanente desvalorização – quase desprezo – da juventude, que tendemos a ver como piores do que a nossa geração: com menos valores, com um nível mais baixo, todo o dia nas redes sociais… Esta visão coexiste, ao mesmo tempo, com as enormes expectativas que projetamos nela. Por vezes, sinto que, numa sociedade individualista, capitalista, egoísta, centrada no “salve-se quem poder”, rodeada de desinformação… (que, para todos os efeitos práticos, nós construímos), pretendemos que a juventude seja uma espécie de seres de luz, alheios a esta sociedade em que vivem, com valores de solidariedade, de rigor… Projetamos neles e nelas uma enorme exigência, ao mesmo tempo que somos terrivelmente indulgentes connosco.
Chegados a este ponto, não posso evitar pensar no meu condomínio, onde recentemente tive de assistir a um vizinho (que suspeito ser professor) a queixar-se da falta de respeito dos adolescentes da comunidade quando eram chamados à atenção. E dizia isto numa assembleia de condóminos em que era impossível falar por ordem, em que era impossível não desrespeitar outro vizinho, em que os argumentos se destacavam pela sua ausência e em que o tom de voz era a forma de pedir a palavra.
Interessante também é a forma como a série mostra, no final do terceiro capítulo, a necessidade do protagonista de um locus de controlo externo. O êxtase final da sessão com a terapeuta termina com ele a pedir-lhe que lhe diga “se gosta dele”. Esta análise da sociedade que criámos e da forma como os seus significados são inoculados nos adolescentes parece-me clarividente.
Mas parece-me obrigatório analisar a forma como a escola reforça esta ideia de validação externa durante a maior parte da escolaridade (com honrosas exceções), e através da qual todo o sentido do trabalho dos alunos se baseia em que lhes digam que estão “certos” ou “errados”: trabalhos de casa, comportamento, exames… Onde, pergunto-me, para além, obviamente, da sociedade, terão os alunos desenvolvido esta necessidade permanente de validação externa? Procurando a sua realização externamente, em vez de internamente. Transformando-os praticamente em viciados do reforço externo.
Por vezes, pergunto-me se não estaremos a focar mal a questão: não é que a escola funcione mal, mas sim que funciona demasiado bem. Deveríamos também perguntar-nos se a educação está a servir para algo mais do que aquilo que nos dizem – e nos fazem ver – superficialmente.
A família
Deixando de lado o sistema educativo, há ainda espaço para muito mais análises na série, das quais considero particularmente interessantes as que dizem respeito a algumas questões-chave para as famílias.
A primeira delas é, na linha da série, desoladora na forma como é apresentada: quando o pai diz à mãe, no último capítulo, “Pensámos que ele estava seguro no seu quarto”. Esta certeza de que os nossos filhos e filhas, estando no seu quarto, têm uma enorme porta aberta para o mundo - a Internet, seja através de que dispositivo for – é crua, porque coloca a necessidade de as famílias tomarem consciência da necessidade maior, no mundo atual (talvez como nunca antes na história), de educar os nossos filhos para uma utilização responsável e crítica da Internet e de tudo o que ela representa.
Isto gera um enorme problema de justiça social. Representa um novo e enorme fosso de desigualdade entre as famílias que dispõem de capital cultural suficiente para compreender a importância desta educação e para a poderem levar a cabo, e as que não dispõem. É da responsabilidade da sociedade e do ensino público obrigatório compensar estas desigualdades culturais de origem. E isso não pode ser feito se a cultura escolar continuar a ser entendida da forma descrita neste artigo. Muito menos se pode exigir que “venha educado de casa”, porque estaríamos a reproduzir e a legitimar as desigualdades de origem.
Relacionado com isto, considero também útil para reflexão outra parte deste último capítulo. Quando o pai conta à mãe, entre soluços, que quando lhe compraram o primeiro computador, embora o filho fosse muito mau no desporto, o computador permitiu-lhes jogar futebol juntos e partilhar esse passatempo. Mas quando o negócio do pai arranca, ele já não pode dedicar tempo a esse espaço partilhado com o filho.
E aqui vieram-me à cabeça três pensamentos: o primeiro deles tem a ver com as palavras do meu amigo Manuel Jiménez, que pergunta sempre às famílias: Onde esteve durante as 10 horas que o seu filho passa numa atividade – seja ela qual for? O segundo é, mais uma vez, sobre a desigualdade entre as famílias que possam, em termos de tempo, mas também em termos de compreensão da importância deste acompanhamento (mais uma vez, o capital cultural). E, em terceiro lugar, pensar nas sociedades que construímos graças a este capitalismo selvagem, em que, para produzir e consumir, já não temos tempo para estar com os nossos filhos e filhas, com os nossos parceiros e parceiras, nem que seja o mínimo de tempo. E quando o conseguimos fazer, estamos exaustos para passar tempo de qualidade com eles.
Conclusão
Para finalizar, gostaria de deixar uma reflexão: ver a série e concluir que os alunos precisam de a ver parece-me reforçar exatamente aquilo que, com uma análise educativa, podemos entender que a própria série critica: não ter compreendido o mundo, as experiências, as preocupações e os significados dos nossos alunos, dos nossos filhos e filhas.
Como dizia a “madre chunga” no Twitter: a série é para ser vista em massa na formação inicial de todos os professores, especialmente os das escolas secundárias. E, na linha do que estava a dizer com um grande amigo meu, diretor de uma escola secundária, parece-me que um visionamento partilhado entre famílias e professores, ou melhor ainda, entre famílias, alunos, atuais professores e futuros professores, seria uma opção fantástica.
De novo, e sempre nestes tempos em que vivemos, a necessidade de coletivizar e de construir comunidade é mais urgente do que nunca. Vejamos se, no discurso educativo, também tomamos boa nota deste facto.
Educar parece-me uma tarefa impossível se, a partir das famílias e dos centros educativos, nos mantivermos alheios aos significados, às chaves vitais e ao valor e importância que lhes dão os nossos alunos, que também são filhos e filhas.
Manuel Fernández Navas é professor de Didática da Universidade de Málaga.
Texto publicado originalmente no Diario Red.