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25 de Abril: dois meses antes

O esquerda.net republica as "Recordações da Casa Vermelha" de João Martins Pereira – um conjunto de recortes e memórias dos meses que precederam a Revolução, publicado na revista Combate nos 20 anos do 25 de Abril.
As "Recordações da Casa Vermelha" recolhidas por João Martins Pereira em 1994.

Mês -2 | Fevereiro de 1974

GRANDES TEMAS DO MÊS

O Livro

Sai a 23 o livro de Spínola “Portugal e o Futuro” que, segundo os membros do MFA vieram a reconhecer, “poderá ter ajudado os oficiais politicamente mais tímidos a vencer o complexo da apoliticidade das Forças Armadas, e portanto a acompanharem os camaradas já empenhados numa acção que iria desembocar do programa do MFA”.

A 13, Silva Cunha (Ministro da Defesa) dera despacho favorável sem o ter lido, com base no parecer de Costa Gomes. 

A 18, Spínola entrega um exemplar a Marcelo Caetano, que o lê a 20 e, escreverá mais tarde, “ao fechá-lo, tinha compreendido que o golpe de Estado militar, cuja marcha já pressentia há meses, era agora inevitável”; e parte para o Buçaco, em férias de Carnaval, para reflectir.

O costume

Caetano faz quatro discursos este mês, com destaque para aquele em que tratou de “política ultramarina” (a 10, na ANP), rejeitando a “solução federalista”, que já sabia ir ser defendida por Spínola no livro que em Janeiro lhe anunciara (v. acima).

Manifestação estudantil contra a guerra colonial enfrenta polícia de choque.

Termina (desta vez com absolvição) o 2º julgamento do padre Mário, da Lixa. 

Numa mesma semana a polícia entra duas vezes em instalações de Associações de Estudantes de Lisboa (Medicina e Farmácia) e diz ter encontrado tipografias a imprimir material clandestino. 

Prosseguem as greves em numerosas empresas.

Por África

“Maravilhosos a actuar”, é como um fazendeiro branco de Vila Pery (Moçambique) se refere aos “Flechas” da PIDE-DGS recém-colocados nessa região. Imagine-se!

A deputada angolana Sincrética Torres diz, na Assembleia Nacional, ser “perigoso (e susceptível de aproveitamento preverso) que, próximo de Luanda, um agricultor africano receba 7$50 por kilo de algodão, enquanto os restantes (brancos) são pagos a 23$00”; a deputada Teresa Lobo insurge-se contra a colega, acusando-a de racismo.

O governo e a crise

Tendo em conta o que designa como “o fim do período de euforia económica do Ocidente”, diz o deputado Homem de Mello: “Eis-nos portanto a suportar os efeitos e consequências do temporal que desabou sobre o Ocidente”, pelo que “seria ridículo concluir que os males que presentemente nos afligem são essencialmente produto de erros e omissões de quem governa”. Parece estarmos a ouvir, a propósito da crise de agora, os deputados do PSD, o próprio Cavaco na sua última “mensagem” ao povinho.

Gente rija

Em visita ao quartel da Legião Portuguesa, o ministro da Defesa ouve do almirante Tenreiro, presidente da respectiva Junta Central: “Somos uma reserva com a qual a Pátria pode contar, pronta para actuar em qualquer sítio”. Esqueceu-se de dizer: excepto se for no Largo do Carmo, o Terreiro do Paço, a Emissora nacional, a Televisão, etc., como se iria ver daí a dois meses.

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