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A União Europeia está a perder a Itália?

Com um elevado número de mortes e sob pressão dos mercados financeiros, a Itália espera por uma resposta solidária europeia que não chega. A profunda crise social e económica que se vive no país leva cada vez mais italianos a questionar os benefícios de pertencer à União Europeia.
O futuro da Itália na UE é incerto. Foto: Max Garçia/Flickr
O futuro da Itália na UE é incerto. Foto: Max Garçia/Flickr

A questão tem sido levantada na imprensa internacional à medida que se vão arrastando as negociações europeias para uma resposta económica coordenada às consequências do surto de covid-19. A dimensão da crise que o país atravessa e a ausência de solidariedade por parte da União Europeia têm aumentado o sentimento de abandono e revolta entre os cidadãos italianos.

Carlo Calenda, eurodeputado italiano e europeísta confesso, foi taxativo: “Esta é uma ameaça existencial e não estou certo que a ultrapassemos”. Tendo sido um dos países mais afetados pela pandemia – tanto em termos de casos confirmados, como de mortes – e aproximando-se da maior recessão da sua história moderna – o FMI prevê que o PIB italiano caia 9,1% em 2020 –, a Itália atravessa uma crise profunda.

Tendo pedido auxílio à União Europeia desde que os números de infetados começaram a disparar no país, os italianos viram outros países recusarem o envio de equipamento médico numa primeira fase. Depois de o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, ter defendido publicamente a emissão de dívida conjunta (as coronabonds), o resultado foi o bloqueio de soluções no Conselho Europeu. A indiferença com que a Holanda tratou o tema e a incapacidade de chegar a consenso sobre a resposta europeia levaram a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a pedir desculpa aos italianos e a reconhecer os erros europeus. Mas a verdade é que as respostas continuaram aquém do exigido.

O Eurogrupo, que reuniu os ministros das Finanças da UE, foi incapaz de apresentar um plano que previsse a emissão de coronabonds. Em vez disso, a solução encontrada foi a que a Itália e Conte recusaram desde a primeira hora: o recurso a empréstimos do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), cuja exigência de condicionalidade torna este mecanismo indesejado pelos países do Sul, em que a memória da austeridade continua presente. À entrada para esta crise, a dívida pública italiana já era de 136%, pelo que o país deve estar pouco recetivo a soluções que impliquem mais endividamento.

É a ausência de solidariedade na União Europeia que leva cada vez mais italianos a questionar os benefícios da integração. Um estudo realizado em Março pela Tecnè revelou que 67% dos inquiridos disse considerar que a pertença à UE era uma desvantagem para o país (em Novembro de 2018, eram 47%).

O facto de os juros da dívida dos países periféricos (com Itália à cabeça) terem aumentado enquanto os da dívida alemã se reduzem revela os desequilíbrios da zona euro e acentua a divergência entre os países do Norte e os do Sul. Para a extrema-direita, este tem sido terreno fértil para mobilizar o descontentamento social. “A UE passou de não fazer absolutamente nada para tentar lucrar com as dificuldades que atravessamos”, disse Giorgia Meloni, líder do partido Irmãos de Itália. Este partido de extrema-direita tem ganho pontos nas sondagens e tornou-se o segundo mais popular, atrás da também radical Liga Norte, de Mateo Salvini.

Pressionado pelo crescimento da extrema-direita e pela indefinição do seu parceiro de coligação, o Movimento Cinco Estrelas, o governo italiano tem tido uma posição dura nas negociações europeias e exigido mais solidariedade aos países do Norte. No entanto, Giuseppe Conte enfrenta uma escolha difícil na reunião do Conselho Europeu desta quinta-feira: aceitar uma solução limitada e perder o apoio da população, ou ser intransigente na necessidade de um pacote financeiro de grande dimensão e na partilha de risco na UE, arriscando ficar sem nada.

São cada vez mais os economistas que defendem que a resposta à crise que Itália atravessa requer políticas orçamentais expansionistas. No Institute for New Economic Thinking, Antonella Stirati lembra que “numa economia em dificuldades, as políticas de austeridade (redução da despesa) aumentam o rácio da dívida no PIB”, defendendo que Itália precisa de políticas orçamentais expansionistas para “assegurar as despesas com saúde, a manutenção dos rendimentos e da procura agregada e garantir que as empresas têm liquidez para sobreviver à tempestade”.

O problema é a pressão dos juros da dívida, que impede o país de se endividar ainda mais para financiar os gastos, e a relutância das instituições europeias, que tardam em apresentar respostas ambiciosas e impedem que o BCE financie diretamente os Estados-Membro, como acontece nos EUA ou no Reino Unido. Certo é que, sem uma resposta europeia à altura da atual crise, cada vez mais italianos se questionarão sobre os benefícios de pertencer à União Europeia.

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