Depois do acordo limitado no Eurogrupo, onde apenas se acordou o recurso a empréstimos para o combate imediato às consequências económicas da pandemia, a discussão na União Europeia centra-se agora no Fundo de Recuperação para o período pós-crise. As negociações, contudo, parecem tudo menos fáceis.
Existem vários elementos de indefinição em torno deste fundo. Por um lado, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse estar a trabalhar numa nova proposta para o Quadro Financeiro Plurianual (QFP), o orçamento comunitário para o período de 2021-2027. Em entrevista ao Expresso e à SIC, von der Leyen garantiu que “decerto não haverá cortes na coesão. Isto é absolutamente claro. Porque também é lógico, vamos ter um orçamento europeu muito maior”. A mudança de posição face a antes da pandemia, altura em que a Comissão propunha cortes nestes fundos, é notável. Para já, parece estar a ser discutido o aumento do valor que a Comissão pode pedir emprestado para financiar investimentos.
O Financial Times aponta a possibilidade de von der Leyen sugerir aos estados-membro que encarem o QFP como o instrumento ideal para relançar a economia após a pandemia estar contida. A presidente da Comissão já dissera que o orçamento comunitário deveria ser a “nave mãe” da recuperação económica, não sendo necessária a criação de um fundo adicional. Contudo, esta posição está longe de ser consensual. O ministro das Finanças do Luxemburgo, Pierre Gramegna, considera a ideia arriscada, dada a dificuldade crónica dos países em chegar a acordo sobre a distribuição dos recursos do orçamento comunitário. A França, que avançou com a ideia de um fundo de recuperação não integrado no QFP, também não parece inclinada a aceitar a ideia de von der Leyen.
Espanha, por outro lado, apresentará no Conselho Europeu uma proposta para o Fundo de Recuperação que passa pela emissão de dívida perpétua para financiar os estímulos às economias no valor de 1,5 biliões de euros. O El País dá conta de que este plano prevê que os fundos sejam transferidos “a fundo perdido” para os estados-membro (e não emprestados, o que acontece com o Mecanismo Europeu de Estabilidade) e que a distribuição seja feita de acordo com as necessidades de cada país. A dívida perpétua pode ser emitida pelo Fundo se a margem que a Comissão pode pedir emprestado for expandida.
Um Plano Marshall verde?
Outro dos temas em discussão nesta fase é que características e objetivos de longo prazo deve ter o plano de recuperação económica. Para o sociólogo e diretor da fundação Ecologia e Desenvolvimento (Ecodes), Víctor Viñuales, não há dúvidas: este “tem de ser um Plano Marshall verde”. Essa é também a opinião de várias ONGs ambientais, que têm defendido que é preciso pensar no tipo de economia que queremos ter no futuro e aproveitar a atual necessidade de investimentos de grande escala para financiar a transição energética e a descarbonização.
Antes da crise, a Comissão Europeia apresentara o plano para um “Pacto Verde” europeu, mas o plano mereceu críticas de ativistas climáticos devido à insuficiência das metas e dos fundos alocados, retirados de outras rubricas do orçamento comunitário, como os fundos de coesão ou agricultura. A expetativa é que a crise que a UE atravessa desperte mais atenção para a emergência climática e a necessidade de respostas ambiciosas.