Uma viagem pelo mundo em 2020 (6): EFTA, pequeno Estados europeus e Balcãs

21 de January 2020 - 10:04
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Os pequenos Estados apenas sobrevivem graças ao seu estatuto de “paraísos fiscais”. Os países da EFTA mantêm-se prósperos e estáveis. Nos Balcãs, a situação mantém-se relativamente tranquila, mas as tensões políticas e sociais continuam de pé. Artigo de Jorge Martins

Os pequenos Estados europeus apenas sobrevivem graças ao seu estatuto de “paraísos fiscais”, que os transforma, em maior ou menor grau, em “lavandarias” - Ilustração sobre paraísos fiscais. Fonte: Chema Vera/Twitter.
Os pequenos Estados europeus apenas sobrevivem graças ao seu estatuto de “paraísos fiscais”, que os transforma, em maior ou menor grau, em “lavandarias” - Ilustração sobre paraísos fiscais. Fonte: Chema Vera/Twitter.

Países da EFTA: prósperos e estáveis

Fora da União Europeia, a situação continua relativamente calma nos países da EFTA, onde não se esperam grandes novidades.

Na Noruega, o mais próspero da Europa e o mais desenvolvido do mundo, a líder dos conservadores, Erna Solberg, chefia uma coligação de centro-direita, que inclui, além do seu partido, liberais, democrata-cristãos e o Partido do Progresso (FrP), originariamente de extrema-direita, mas que moderou as suas posições, embora mantenha reservas face à imigração e aos refugiados. Apesar da grande prosperidade, as oscilações do preço do petróleo, de que o país é produtor, influenciam a popularidade dos executivos. Neste momento, as sondagens são favoráveis à oposição.

A Islândia, o único país que deixou falir os seus bancos e prendeu e julgou os banqueiros responsáveis pela crise, recuperou a prosperidade. Presentemente, é gerida por uma grande coligação tripartida de largo espectro, liderada pela líder da esquerda verde, Katrín Jakobsdóttir, e que inclui o maior partido do país, o conservador Partido da Independência, e os agrários. Contudo, o governo parece em perda de popularidade.

A igualmente próspera Suíça reservou uma boa surpresa nas eleições legislativas de outubro. O Partido Popular Suíço (SVP/UDC), da extrema-direita populista, com mais de 25% dos votos, continua a ser o maior do país, mas perdeu força, tal como as pequenas formações dessa área política. O mesmo sucedeu com os outros três maiores partidos: socialistas, liberais e democrata-cristãos. As duas principais forças ecologistas foram as grandes vencedoras, quase duplicando a sua votação: os Verdes (GPS/PES), da esquerda moderada, com mais de 13%, ultrapassaram os democrata-cristãos, enquanto os Verdes Liberais (GLP/PVL), centristas, ficaram perto dos 8%. Contudo, pouco mudou. Para além de as principais decisões serem tomadas através de referendos populares trimestrais e estamos em presença de uma federação, onde os executivos cantonais dispõem de bastante autonomia, o principal fator de imobilismo é o acordo entre os quatro grandes partidos tradicionais, conhecido por “fórmula mágica”, que repartem entre si, proporcionalmente, os lugares no governo federal. Entretanto, em maio, haverá um referendo com o intuito de restringir a livre circulação de imigrantes provenientes da UE, o que implicaria a saída do país dos acordos de Schengen. Para já, as sondagens são desfavoráveis à proposta, mas... nunca se sabe!

Por fim, o pequeno principado do Liechtenstein beneficia do seu estatuto de “paraíso fiscal”. É governado por uma coligação de centro-direita entre os dois maiores partidos: o nacional-conservador Partido Progressista dos Cidadãos (FBP) e o liberal-conservador União Patriótica (VU). Nas últimas eleições, ambos perderam votos para a plataforma Os Independentes (DU), da direita populista, e para a Lista Livre (FL), da esquerda verde.

Pequenos estados: prosperidade com base no estatuto de “paraísos fiscais” e no turismo

Para além do Luxemburgo e do Liechtenstein, que integram a UE e a EFTA, respetivamente, há, na Europa, outros microestados. São “estados fósseis”, resquícios de um tempo anterior à emergência do Estado-nação, quando o continente se encontrava dividido, politicamente, em principados, ducados, pequenas repúblicas e cidades-Estados. Dada a sua pequenez, apenas sobrevivem graças ao seu estatuto de “paraísos fiscais”, que os transforma, em maior ou menor grau, em “lavandarias”. O turismo constitui, igualmente, uma importante fonte de receita. Todos têm o euro como moeda.

Situado nos Pirenéus, entre Espanha e França, o principado de Andorra tem como chefes de Estado o bispo de Seo d’Urgell (situado na província catalã de Lleida) e o presidente francês (que substituiu o conde de Foix, após a Revolução Francesa). A língua oficial é o catalão. Desde 1993, tem uma Constituição democrática. Nas eleições de abril, o liberal-conservador Democratas por Andorra (DA) perdeu a maioria absoluta, acabando de formar uma coligação com o Partido Liberal de Andorra (PLA) e um pequeno grupo de cidadãos. Os social-democratas (PS) subiram, mas continuam na oposição.

No principado do Mónaco, o príncipe continua a ter um papel político importante: detém o poder executivo, nomeando um ministro de Estado (chefe de governo) de sua confiança; o poder de iniciativa legislativa (o Parlamento apenas aprova ou não as leis propostas pelo monarca) e o poder judicial é exercido em seu nome pelos tribunais. Os partidos políticos existentes são todos liberais e conservadores. Nas últimas eleições, o liberal Primo! Prioridade Mónaco, uma cisão no liberal-conservador Horizonte Mónaco, derrotou, por larga margem, a formação original, obtendo uma maioria absoluta no Parlamento. O seu papel como residência de milionários e “lavandaria”, especialmente através do casino, é sobejamente conhecido.

A república de São Marino é a mais antiga da Europa. É. Igualmente, a única diarquia do mundo atual: possui dois chefes de Estado (os capitães-regentes), eleitos a cada seis meses pelo Parlamento, uma tradição que remonta aos dois cônsules da Roma antiga, que lideravam a república pré-imperial. Para garantir um maior equilíbrio do poder, são, em geral, escolhidos entre políticos oposicionistas. As recentes legislativas, realizadas em dezembro, traduziram-se numa viragem à direita: os democrata-cristãos (PDCS) aumentaram a sua votação, enquanto as coligações de centro-esquerda Livre e de centro Nós pela República perderam votos. Porém, a coligação de esquerda verde Futuro em Ação (DA), onde pontifica o Movimento RETE subiu. O novo governo é liderado pelo PDCS e integra membros das coligações DA e Nós pela República.

Por fim, o Vaticano é um Estado teocrático, dirigido pelo Papa. Este, o chefe espiritual da Igreja Católica, é, do ponto de vista político, um monarca eleito pelos cardeais de todo o mundo, reunidos em Conclave. Em 2013, após a invulgar renúncia ao pontificado de Joseph Ratzinger (o Papa Bento XVI), foi eleito o cardeal o argentino Jorge Bergoglio, o primeiro latino-americano a ascender ao papado, como Papa Francisco. Tem procurado modernizar a Igreja, assumindo posições mais abertas e o combate à pedofilia (que se encontrava entranhada no seio da instituição em grande número de países) e aos escândalos financeiros ligados ao Banco do Vaticano. Contudo, enfrenta fortes resistências dos setores mais conservadores da Cúria. A última polémica ocorreu quando Francisco mostrou abertura para a existência de padres casados em algumas comunidades católicas da América Latina, algo que valeu uma reação indignada de um grupo conservador, com o apoio do Papa emérito Bento XVI.

Balcãs: Tensões políticas e sociais sempre presentes, apesar de alguma acalmia

Nos Balcãs, a situação mantém-se relativamente tranquila, mas as tensões políticas e sociais continuam de pé. Numa região habitualmente conturbada, onde há vinte anos ocorreram terríveis guerras fratricidas, a situação é, agora, de alguma acalmia. Porém, a pobreza de grande parte da população, a par com a corrupção endémica, são causa de profundos descontentamentos populares. Os nacionalismos e ódios étnicos, tantas vezes fomentados pelas elites corruptas, servem para desviar as atenções dos povos do essencial: a luta contra aquelas “chagas” sociais e as desigualdades, de que são, simultaneamente, causa e consequência.

Na Bósnia e Herzegovina, nada de novo. Apesar de os líderes mais radicais dos diferentes campos étnicos não terem vencido nas eleições de 2018, a divisão por linhas étnicas mantém-se. A verdade é que o país não é verdadeiramente um Estado, mas uma espécie de confederação de duas entidades: a República Sérvia e a Federação da BiH (constituída por muçulmanos bosníacos e croatas). Nesta última, os cantões croatas agem com grande autonomia face ao governo federal. Apesar de as instituições centrais (presidência coletiva e Parlamento) irem funcionando, o certo é que apenas os bosníacos se reconhecem no estado bósnio e no executivo de Serajevo. Ao invés, os sérvios continuam a olhar para Belgrado e os croatas para Zagreb. Aliás, as tensões étnicas são um meio fácil de as elites dos três campos mascararem a sua incapacidade para fazer face aos graves problemas económicos e sociais do país, um dos mais pobres da Europa, e de conseguirem, com o seu fomento, os apoios necessários para conservarem o poder.

Na Sérvia, o presidente Vučić foi sucedido, na chefia do governo, por Ana Brnabić, lésbica assumida, algo de relevante num país onde a homofobia, alimentada pela Igreja Ortodoxa, tem raízes profundas e onde, até há pouco, as marchas LGBTQI eram atacadas. Contudo, a primeira-ministra pertence ao nacional-conservador Partido Progressista Sérvio (SNS), o mesmo do presidente, que, aliada a pequenas formações direitistas, possui maioria absoluta no Parlamento. Apesar disso, coligou-se com o Partido Socialista Sérvio (SPS), da esquerda nacionalista, que foi liderado pelo antigo presidente Slobodan Milosević, e com a principal formação da minoria húngara da Vojvodina, região autónoma do norte do país. O governo tem enveredado por uma via cada vez mais autoritária, com pressões crescentes e atuações censórias sobre a comunicação social, e parte da oposição ameaça boicotar as próximas eleições legislativas, previstas para o início de maio. Contudo, as sondagens são amplamente favoráveis ao SNS, que continua com intenções de voto próximas ou, mesmo, acima dos 50%.

Apesar de ter conseguido integrar o grupo de países candidatos à adesão à UE, não tem conseguido progressos na questão do Kosovo, cuja independência parece cada vez mais irreversível. As eleições legislativas realizadas no território, em outubro, saldaram-se num triunfo da oposição, que afastou do poder o ultranacionalista Partido Democrático do Kosovo (PDK) e seus aliados. O novo governo integra o social-democrata e progressista Autodeterminação (VV), a liberal-conservadora Liga Democrática do Kosovo (LDK) e representantes das minorias turca, bósnia e cigana. Apesar de igualmente nacionalistas, são mais moderados que os seus antecessores.

No vizinho Montenegro, o Partido Democrático dos Socialistas (DPS) continua a ser dominante e o seu líder, Milo Đukanović, “pai” da independência montenegrina, é o atual presidente da República. A oposição, fraca e bastante fragmentada, ensaiou um boicote às sessões parlamentares. No início do ano, registaram-se protestos populares contra a corrupção, após a implicação de altos funcionários do governo num escândalo de financiamentos ilegais ao DPS. Em outubro, haverá eleições legislativas, sendo possível que este perca a maioria absoluta, embora continue a ser, de largo, a maior força política do país.

Por sua vez, a Macedónia do Norte viu, no início de 2019, o Parlamento grego aprovar o acordo de Prespa, que estipula a nova designação do país. A ratificação parlamentar macedónia ocorrera mês e meio antes. As presidenciais de abril saldaram-se pelo triunfo de Stevo Pendarovski, da governamental União Social-Democrata da Macedónia (SDSM), de centro-esquerda. Esta governa com o apoio parlamentar dos vários partidos representantes da minoria albanesa (cerca de 25% da população). Em outubro, devido à oposição francesa, o Conselho Europeu não indicou uma data para o início da adesão do país à UE, o que levou o primeiro-ministro, Zoran Zaev, a decidir antecipar as eleições legislativas para abril, onde conta ter fechada a integração do país na NATO. A principal formação opositora, o Partido Democrático para a Unidade Nacional Macedónia (VMRO-DPMNE), da direita nacionalista, opôs-se à mudança do nome do país e, se vencer, promete reverte-la, mas tudo indica que tal promessa será mais para consumo interno que para ser efetivamente aplicada.

Entretanto, a vizinha Albânia continua a braços com a corrupção endémica, independentemente de o governo ser dirigido pelos socialistas (atualmente no poder, com maioria absoluta) ou pelos conservadores. O país continua a ser um dos mais pobres da Europa e o principal aliado dos EUA na região. O país é candidato à UE, mas, tal como os seus vizinhos norte-macedónios, viu também o Conselho Europeu doNos Balcãs, a situação mantém-se relativamente tranquila, mas as tensões políticas e passado mês de outubro recusar-lhe uma data para o início das negociações de adesão, por oposição do presidente francês.

Artigo de Jorge Martins

Jorge Martins
Sobre o/a autor(a)

Jorge Martins

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra