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O que é que tem dado gás aos preços da energia?

Se o preço continua a subir bastante num contexto em que os impostos não se alteram, é preciso olhar para outras variáveis. Artigo publicado por Vicente Ferreira no blogue Ladrões de Bicicletas.
Foto de Paulete Matos

Nos últimos dias, os preços dos combustíveis e da energia voltaram ao centro do debate público. Depois do aumento significativo registado ao longo do ano passado, os preços dos combustíveis voltaram a subir substancialmente, à semelhança do que aconteceu com o gás natural e a eletricidade.

A invasão russa da Ucrânia e as sanções económicas aplicadas pelos EUA e a União Europeia estão a ter um impacto significativo. Embora a UE ainda não se tenha comprometido a cortar as importações de combustíveis fósseis da Rússia, que representam uma parte substancial do comércio entre os dois blocos, a incerteza em torno destas medidas já tem contribuído para fazer aumentar os preços. Esta segunda-feira, o preço do barril de petróleo (Brent), que serve de referência ao mercado europeu, chegou aos 139,13 dólares, o valor mais alto desde 2008, representando um aumento de 18% face à semana passada.

É preciso olhar para o que determina a evolução dos preços dos combustíveis. O preço da gasolina e do gasóleo nos postos de abastecimento costuma ser atualizado semanalmente e varia de acordo com vários fatores: as cotações internacionais do combustível (denominadas em dólares), a cotação do euro face ao dólar (que determina alterações no poder de compra dos países europeus), a incorporação de biocombustíveis, os custos de logística (transporte, armazenamento, distribuição e comercialização) e os impostos.

A direita encontrou nos impostos o principal motivo para os preços elevados que se praticam neste setor. Além do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP), que é fixo, paga-se também IVA, que é proporcional (representa 23% do preço global, ou seja, aumenta quando o preço de base aumenta) e ainda uma taxa sobre o carbono, cujo objetivo seria desincentivar o consumo. A redução dos impostos sobre a gasolina e o gasóleo foi uma das bandeiras da IL e do CDS durante a campanha eleitoral e foi o tema escolhido por Luís Montenegro para lançar a sua candidatura à liderança do PSD.

Mas a verdade é que o Governo já tinha aprovado uma redução extraordinária do ISP em outubro de 2021 e os preços continuaram a subir. Se o preço continua a subir bastante num contexto em que os impostos não se alteram, é preciso olhar para outras variáveis. No ano passado, a ENSE – Entidade Nacional para o Setor da Energia – publicou um estudo exaustivo sobre a evolução dos preços dos combustíveis em Portugal e chegou a outra conclusão: o principal fator responsável pela subida acentuada dos preços nos últimos meses tem sido a margem de comercialização das empresas do setor.

Embora os impostos tenham um peso relevante no preço final da gasolina e do gasóleo em Portugal, este não se afasta substancialmente da média da UE. Representam cerca de 60% do preço da gasolina e 55% do gasóleo, face à média europeia de 57% e 52%, respetivamente. Se olharmos para o preço médio de venda de ambos os produtos antes de impostos, Portugal continua a ter um dos mais altos da Europa. E isso está relacionado com as margens das empresas. A ENSE diz que “a margem média anual [em 2020 e 2021] foi superior à média registada em 2019, período anterior à pandemia”. Há todos os indícios da existência de um cartel bastante proveitoso para os seus intervenientes, sobretudo tendo em conta que as quatro maiores empresas detêm uma quota de mercado superior a 80%. A cartelização do setor ficou ainda mais evidente esta semana, quando as três maiores gasolineiras – Galp, Repsol e BP – recusaram explicar porque é que aumentaram os preços dos produtos acima do que estava previsto.

É uma tendência que também se tem verificado a nível global: as sete maiores empresas de energia registaram lucros extraordinários no ano passado. Em vez de os reinvestir na produção ou em aumentos salariais, as empresas têm planos para a recompra das próprias ações em valores recorde, com o objetivo de remunerar os acionistas. Estes resultados reavivaram um debate sobre a possibilidade de se aplicar um imposto sobre lucros extraordinários, que permitisse que uma parte dos ganhos das empresas revertesse para o Estado e pudesse ser utilizada para financiar políticas públicas redistributivas.

O governo português já anunciou medidas de redução da fiscalidade sobre os combustíveis para mitigar os recentes aumentos. No entanto, sem fixar margens máximas de comercialização para as empresas do setor, não há garantia de que a redução de impostos faça baixar os preços. Essa é a medida mais adequada no curto prazo. A médio/longo prazo, torna-se ainda mais clara a necessidade de uma estratégia de investimentos públicos nos transportes coletivos, nas energias renováveis e na eficiência energética dos edifícios, permitindo reduzir o consumo de combustíveis maioritariamente importados e, com isso, melhorar o saldo da balança de pagamentos do país. É difícil descortinar o benefício das privatizações de empresas como a Galp ou a EDP, que deixaram de poder fazer parte de uma estratégia pública de descarbonização e que hoje registam lucros e distribuem dividendos avultados aos acionistas, enquanto propõem pequeníssimos aumentos salariais aos trabalhadores. Depois de termos deixado o setor entregue ao mercado, recuperar o planeamento do Estado é decisivo para a transição energética.

Artigo publicado por Vicente Ferreira no blogue Ladrões de Bicicletas.

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Economista
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