Todas as pessoas têm o direito a deixar o seu país à procura de melhores condições de vida. E os imigrantes enriquecem Portugal do ponto de vista cultural, humano, social, e contribuem de forma significativa para o crescimento económico. Ainda assim, continuam a ser tratados como criminosos, e a ser alvo de perseguição, discriminação, exploração, intimidação e abandono.
Os constrangimentos começam logo à chegada a Portugal. Os imigrantes tem um objetivo bem definido: começar rapidamente a trabalhar para iniciar o processo de regularização no país. Mas muitos patrões preocupam-se apenas com o lucro rápido, em detrimento dos direitos laborais e humanos destas pessoas. Nos setores de base, como a agricultura, restauração, construção, ainda prolifera a economia informal. Os abusos laborais e a precariedade afetam em particular os imigrantes, mais desprotegidos. São comuns situações de salários por pagar, ausência de descontos para a Segurança Social, ritmos de trabalho insustentáveis. E, inclusive, persistem situações de pura escravatura, como é o caso dos imigrantes em Beja que, nas mãos de engajadores que fornecem mão-de-obra para as grandes explorações agrícolas, são alvo de todo o tipo de abusos. Ou dos trabalhadores das estufas da Sudoberry.
A habitação é outro desafio. As rendas são demasiado elevadas e as políticas públicas de habitação do país atiram os imigrantes e as pessoas racializadas para verdadeiros guetos onde escasseiam infraestruturas e onde não entra a palavra inclusão. Quem tenta arrendar uma casa ou um quarto depara-se com discriminação racista explicita.
Os obstáculos não páram por aqui. Aceder a serviços essenciais, como a Saúde, revela-se um desafio. E as teias burocráticas infindáveis a que são condenados impedem, no dia a dia, o exercício de direitos fundamentais.
O Estado é o primeiro a incumprir a lei. A esmagadora maioria dos imigrantes tenta regularizar a sua situação em Portugal mediante a entrega de uma Manifestação de Interesse ao abrigo do Artigo 88.º. A lei portuguesa estipula que o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias. Já o pedido de renovação de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 60 dias. O diploma legal prevê, inclusive, que, na falta de decisão no prazo previsto, o pedido é deferido e é emitido de imediato o título de residência. A realidade é bem diferente. O tempo de espera e as burocracias infindáveis são transversais. Neste momento, os imigrantes esperam uma média de 14 meses para conseguir o cartão de residência. Por vezes, os prazos dilata-se por dois, três ou mais anos. Durante todo este período, não podem voltar aos seus países de origem para ver a sua família e amigos.
Acresce que muitos “angariadores”, ou advogados sem escrúpulos, exigem aos imigrantes valores exorbitantes para tratarem das suas Manifestações de Interesse, algo que os trabalhadores poderiam fazer por si só, se lhes fosse prestada a devida informação. Acresce que alguns angariadores ficam com os dados de acesso do imigrante, capturando a sua Manifestação de Interesse. Desta forma, os imigrantes não podem aceder aos seus processos e, muitas vezes, nem recebem as convocatórias e outras informações do SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Os imigrantes continuam a ser tratados como criminosos, a ser sujeitos a políticas securitárias e à discricionariedade de uma justiça que ainda tem dois pesos e duas medidas para os mais ricos e os mais pobres, para a população branca e a população racializada.
Apesar de todas estas provações, os imigrantes lutam diariamente por uma vida digna. E conquistam importante vitórias legislativas e laborais com a sua mobilização e a sua luta. A “revolta” dos trabalhadores das estufas da Sudoberry, em Odemira, é um exemplo que não podemos ignorar e que nos deve inspirar a todas e todos.
Tal como os emigrantes portugueses, que rumaram aos quatro cantos do mundo à procura de uma vida melhor, os imigrantes em Portugal só têm uma exigência: que lhes sejam reconhecidos os seus direitos.
Neste dossier, desconstruímos alguns mitos sobre a imigração, explicamos como a lei que combate o trabalho escravo nunca teve condenações em Portugal, denunciamos a escravatura moderna a que estão sujeitos os trabalhadores imigrantes agrícolas de Beja e invocamos a luta extraordinária dos trabalhadores da Sudoberry, em Odemira, que, no dia 11 de fevereiro, promoveram uma protesto inédito junto às instalações da empresa. Contamos ainda com contributos de Timóteo Macedo, Beatriz Gomes Dias, Alberto Matos, Elsa Sertório, Anabela Rodrigues, Carlos Vieira e João Rodrigues. E damos eco às vozes de imigrantes da Guiné-Bissau, Ucrânia, Brasil, Índia, Nepal, Marrocos que hoje vivem em Odemira, Beja, Lisboa ou Viseu.