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Lei que combate o trabalho escravo nunca teve condenações em Portugal

Lei existe desde 2007 e prevê penas pesadas, porém, os donos de terras e explorações agrícolas nunca são condenados. Bloco apresentou proposta para responsabilizar toda a cadeia de abuso laboral, mas que foi chumbada por PS aliado a toda a direita.
Trabalhador imigrante em estufa no sudoeste alentejano. Foto de Paulete Matos

No final de dezembro, o “Jornal de Notícias” noticiou que a lei que pune o trabalho escravo nunca teve condenações, pois os donos das terras, assim como as explorações agrícolas, que contratam trabalhadores migrantes não legalizados a intermediários, nunca são responsabilizados criminalmente e sofrem apenas contraordenações. A lei de 2007, alterada em 2012, prevê penas de prisão pelo crime de "utilização da atividade de cidadão estrangeiro em situação ilegal", mas nunca alguém foi condenado. Na prática, apenas as empresas de trabalho temporário têm sido perseguidas, mas muitas vezes os seus sócios são absolvidos ou desaparecem.

A alteração de 2012 acrescentou uma penalização grave do "empregador ou utilizador do trabalho ou serviços de cidadão estrangeiro em situação ilegal, com o conhecimento de ser esta vítima de infrações penais ligadas ao tráfico de pessoas". O conceito de “empregador ou utilizador do trabalho”, segundo o jornal, seria aplicável tanto às empresas de trabalho temporário, como aos donos, gestores ou firmas detentoras das terras onde o migrante trabalha. Mas a realidade é que os donos e as explorações escapam sempre.

Alberto Matos, diretor em Beja da Associação Solim - Solidariedade Imigrante e coordenador distrital do Bloco de Esquerda, afirmou que "sem uma responsabilização direta de toda a cadeia contratante, a escravização e exploração da mão de obra vai continuar".

O Bloco de Esquerda apresentou em maio de 2021 um projeto de lei que responsabiliza todos os responsáveis do trabalho escravo, “toda a cadeia de subcontratação e as empresas utilizadoras, bem como gerentes, administradores e diretores”.

Projeto Lei do Bloco: Reforça os mecanismos de combate ao trabalho forçado e a outras formas de exploração laboral, responsabilizando diretamente toda a cadeia de subcontratação e as empresas utilizadoras, bem como gerentes, administradores e diretores

O projeto lei bloquista foi chumbado na Assembleia da República na votação em novembro, pelo voto conjunto contrário do PS aliado a toda a direita - PSD, CDS-PP, Chega e Iniciativa Liberal.

Em declarações à TSF, o deputado bloquista José Soeiro lembrou esta reprovação e sublinhou que "em último caso, é o dono da exploração agrícola que beneficia dessa cascata de subcontratações, através da qual ele se desresponsabiliza, mas é ele quem beneficia desse trabalho que é prestado na sua exploração".

José Soeiro defendeu que a lei seja mais exigente na constituição de empresas de trabalho temporário. "Isto tem acontecido porque há empresas que, às vezes, nem sequer têm alvará de empresa de trabalho temporário, são empresas prestadoras de serviços que são criadas por via do esquema da 'empresa na hora' e quando se vai tentar responsabilizar, o responsável desta empresa já abandonou e já foi criada uma outra empresa para contratar esses trabalhadores", afirmou o deputado, referindo que "há aqui uma questão que tem a ver com o licenciamento das empresas e com a permissividade que existe a este nível".

José Soeiro frisou ainda que "é preciso também apertar ou mesmo acabar com esta possibilidade de um esquema de subcontratações de empresas prestadoras de serviços que, na verdade, são empresas que fornecem mão de obra, mas que escapam a todas as exigências de licenciamento".

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Neste dossier:

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