EUA x China: para além da guerra comercial, há uma disputa pela hegemonia tecnológica

porLuís Leiria

Texto de Luis Leiria de apoio ao debate “EUA x China: para além da guerra comercial, há uma disputa pela hegemonia tecnológica”, que terá lugar no Fórum Socialismo 2019, no sábado, 31 de agosto, às 10 horas, no Porto.

30 de agosto 2019 - 15:53
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Um dos mais recentes episódios da guerra comercial entre China e Estados Unidos (dada a política ziguezagueante de Trump nesta disputa, há sempre um novo episódio) ocorreu nos meses de maio e junho de 2019 e teve como centro a Huawei, empresa chinesa de telecomunicações. Acusada por Washington de usar os seus equipamentos para espionar a favor do governo chinês, a Huawei foi inscrita pelo Departamento de Comércio dos EUA numa lista de entidades às quais as empresas norte-americanas só podem fornecer produtos com autorização especial.

A empresa negou veementemente a acusação, e Washington não forneceu qualquer prova que confirmasse a existência de “portas de traseiras” para facilitar atividades de espionagem nos equipamentos produzidos pela Huawei.

Apesar de a empresa chinesa ser a segunda maior vendedora de smartphones do mundo, atrás apenas da Samsung e à frente da Apple1, não é esse o motivo de preocupação dos Estados Unidos. O que provoca consternação na Casa Branca é o facto de a Huawei ser líder no que se refere à implantação das redes móveis de quinta geração, a 5G, sem que haja qualquer empresa dos EUA em condições de competir com ela.

“A ausência de uma alternativa dos EUA aos fornecedores de equipamento para redes 5G sublinha o crescente domínio da Huawei, que se tornou na maior fornecedora mundial de equipamentos de telecomunicações, provocando temores dentro da administração Trump de que uma rede 5G equipada com componentes sem-fios da Huawei possa pôr em perigo a segurança nacional. E põe em relevo a retirada, que dura anos, das empresas norte-americanas desse mercado”, escreveu recentemente o The Washington Post. 2

“A 5G não é a bomba atómica, a 5G é apenas uma ferramenta para transmitir informação”, afirmou o presidente da Huawei, Ren Zhengfei, numa recente entrevista.3 “O conteúdo transmitido nada tem a ver com a ferramenta de transmissão. É como um microfone – não se pode dizer que um microfone é uma ferramenta perigosa porque pode transmitir vozes.” Sobre o ataque sofrido por parte dos Estados Unidos, Zhengfei comparou a sua empresa a um avião-bombardeiro americano na Segunda Guerra Mundial que, apesar de muito atingido e esburacado pelo inimigo, conseguiu voltar à base e pousar em segurança: “Queremos consertar os buracos e ajustar a rota enquanto voamos. Sem dúvida que vamos conseguir sobreviver, e liderar em áreas como a tecnologia 5G”, assegurou.

E no entanto, há uma década, lembra Henny Sender, correspondente-chefe de finanças internacionais do Financial Times em Hong Kong, “a Huawei, maior fabricante chinesa de equipamentos de telecomunicações, era uma pouco conhecida fornecedora de serviços, principalmente no sudeste asiático e na Europa do leste e central, distante de rivalizar com os americanos em mercados mais desenvolvidos. Os seus resultados chegavam a cerca de 28 bilhões de dólares em 2009. No ano passado, foram 107 bilhões de dólares.”4

A Huawei é apenas um exemplo dos resultados do gigantesco salto tecnológico conseguido pela China nas três últimas décadas. Quando começou a implantar a sua indústria de informática, nos anos 80, a China parecia votada a repetir o que já estava a fazer noutras áreas: cópias baratas e de má qualidade dos produtos de países mais desenvolvidos. Mas a história foi outra: hoje, Pequim disputa a liderança em diversas áreas da tecnologia.

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Nesta apresentação, procuramos fazer um breve histórico da disputa comercial entre os EUA e a China, iniciada em 2018, mostrando como o resultado até agora está a ser o oposto do que Trump pretendia.

Dito isso, abordamos o aspecto central desta disputa: mais que uma guerra comercial, o que está em jogo é a disputa pela hegemonia tecnológica em diferentes áreas.

Mas como é possível que um país como a China, que começou a sua indústria informática nos anos 80 fazendo cópias baratas e usando software pirata, tenha chegado ao ponto de disputar a hegemonia tecnológica em áreas como a quinta geração de redes móveis de Internet, a Inteligência artificial, os supercomputadores ou os automóveis elétricos?

Finalmente, mostramos como a tecnologia pode trazer enormes melhorias a toda a humanidade, mas também pode ser usada para pôr em funcionamento sistemas monstruosos de vigilância em massa, produzindo distopias perto das quais a do famoso livro 1984 parece uma brincadeira.

1Slavov, Vlad, “Huawei’s phone sales are ballooning while Apple and Samsung’s slump”, The Verge, 1/5/2019. https://www.theverge.com/circuitbreaker/2019/5/1/18525034/huawei-apple-samsung-smartphone-market-share-idc-2019

2Fung, Brian, “How China’s Huawei took the lead over U.S. companies in 5G technology”, The Washington Post, 10/4/2019. https://www.washingtonpost.com/technology/2019/04/10/us-spat-with-huawei-explained/?utm_term=.10d358bb19ad

3“Huawei's Ren Zhengfei Interviewed by Bloomberg News: Excerpts”, Bloomberg News, 1/6/2019. https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-06-01/huawei-s-ren-zhengfei-interviewed-by-bloomberg-news-excerpts

4Sender, Henny, “US-China contest centres on race for 5G domination”, Financial Times, 18/6/2019. https://www.ft.com/content/d3072b76-90e9-11e9-aea1-2b1d33ac3271

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