Um dos mais recentes episódios da guerra comercial entre China e Estados Unidos (dada a política ziguezagueante de Trump nesta disputa, há sempre um novo episódio) ocorreu nos meses de maio e junho de 2019 e teve como centro a Huawei, empresa chinesa de telecomunicações. Acusada por Washington de usar os seus equipamentos para espionar a favor do governo chinês, a Huawei foi inscrita pelo Departamento de Comércio dos EUA numa lista de entidades às quais as empresas norte-americanas só podem fornecer produtos com autorização especial.
A empresa negou veementemente a acusação, e Washington não forneceu qualquer prova que confirmasse a existência de “portas de traseiras” para facilitar atividades de espionagem nos equipamentos produzidos pela Huawei.
Apesar de a empresa chinesa ser a segunda maior vendedora de smartphones do mundo, atrás apenas da Samsung e à frente da Apple1, não é esse o motivo de preocupação dos Estados Unidos. O que provoca consternação na Casa Branca é o facto de a Huawei ser líder no que se refere à implantação das redes móveis de quinta geração, a 5G, sem que haja qualquer empresa dos EUA em condições de competir com ela.
“A ausência de uma alternativa dos EUA aos fornecedores de equipamento para redes 5G sublinha o crescente domínio da Huawei, que se tornou na maior fornecedora mundial de equipamentos de telecomunicações, provocando temores dentro da administração Trump de que uma rede 5G equipada com componentes sem-fios da Huawei possa pôr em perigo a segurança nacional. E põe em relevo a retirada, que dura anos, das empresas norte-americanas desse mercado”, escreveu recentemente o The Washington Post. 2
“A 5G não é a bomba atómica, a 5G é apenas uma ferramenta para transmitir informação”, afirmou o presidente da Huawei, Ren Zhengfei, numa recente entrevista.3 “O conteúdo transmitido nada tem a ver com a ferramenta de transmissão. É como um microfone – não se pode dizer que um microfone é uma ferramenta perigosa porque pode transmitir vozes.” Sobre o ataque sofrido por parte dos Estados Unidos, Zhengfei comparou a sua empresa a um avião-bombardeiro americano na Segunda Guerra Mundial que, apesar de muito atingido e esburacado pelo inimigo, conseguiu voltar à base e pousar em segurança: “Queremos consertar os buracos e ajustar a rota enquanto voamos. Sem dúvida que vamos conseguir sobreviver, e liderar em áreas como a tecnologia 5G”, assegurou.
E no entanto, há uma década, lembra Henny Sender, correspondente-chefe de finanças internacionais do Financial Times em Hong Kong, “a Huawei, maior fabricante chinesa de equipamentos de telecomunicações, era uma pouco conhecida fornecedora de serviços, principalmente no sudeste asiático e na Europa do leste e central, distante de rivalizar com os americanos em mercados mais desenvolvidos. Os seus resultados chegavam a cerca de 28 bilhões de dólares em 2009. No ano passado, foram 107 bilhões de dólares.”4
A Huawei é apenas um exemplo dos resultados do gigantesco salto tecnológico conseguido pela China nas três últimas décadas. Quando começou a implantar a sua indústria de informática, nos anos 80, a China parecia votada a repetir o que já estava a fazer noutras áreas: cópias baratas e de má qualidade dos produtos de países mais desenvolvidos. Mas a história foi outra: hoje, Pequim disputa a liderança em diversas áreas da tecnologia.
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Nesta apresentação, procuramos fazer um breve histórico da disputa comercial entre os EUA e a China, iniciada em 2018, mostrando como o resultado até agora está a ser o oposto do que Trump pretendia.
Dito isso, abordamos o aspecto central desta disputa: mais que uma guerra comercial, o que está em jogo é a disputa pela hegemonia tecnológica em diferentes áreas.
Mas como é possível que um país como a China, que começou a sua indústria informática nos anos 80 fazendo cópias baratas e usando software pirata, tenha chegado ao ponto de disputar a hegemonia tecnológica em áreas como a quinta geração de redes móveis de Internet, a Inteligência artificial, os supercomputadores ou os automóveis elétricos?
Finalmente, mostramos como a tecnologia pode trazer enormes melhorias a toda a humanidade, mas também pode ser usada para pôr em funcionamento sistemas monstruosos de vigilância em massa, produzindo distopias perto das quais a do famoso livro 1984 parece uma brincadeira.
1Slavov, Vlad, “Huawei’s phone sales are ballooning while Apple and Samsung’s slump”, The Verge, 1/5/2019. https://www.theverge.com/circuitbreaker/2019/5/1/18525034/huawei-apple-samsung-smartphone-market-share-idc-2019
2Fung, Brian, “How China’s Huawei took the lead over U.S. companies in 5G technology”, The Washington Post, 10/4/2019. https://www.washingtonpost.com/technology/2019/04/10/us-spat-with-huawei-explained/?utm_term=.10d358bb19ad
3“Huawei's Ren Zhengfei Interviewed by Bloomberg News: Excerpts”, Bloomberg News, 1/6/2019. https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-06-01/huawei-s-ren-zhengfei-interviewed-by-bloomberg-news-excerpts
4Sender, Henny, “US-China contest centres on race for 5G domination”, Financial Times, 18/6/2019. https://www.ft.com/content/d3072b76-90e9-11e9-aea1-2b1d33ac3271
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