Pluridiscriminações de género. A luta pela igualdade, retrocessos e caminhos

Texto de Sandra Cunha e Cyntia de Paula de apoio ao debate “Pluridiscriminações de género. A luta pela igualdade, retrocessos e caminhos”, que terá lugar no Fórum Socialismo 2019, no domingo, 1 de setembro, às 10 horas, no Porto.

30 de agosto 2019 - 15:42
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Fotografia de Paulete Matos
Fotografia de Paulete Matos

A luta das mulheres está repleta de conquistas que foram absolutamente determinantes no caminho para a igualdade: o direito ao voto, à autodeterminação, ao aborto ou à representação política. Mas não se caia na ilusão de pensar que o mais difícil está feito.

A realidade mostra-nos que as desigualdades persistem. A desigualdade salarial que se acentua com a reforma, a segregação profissional, a desigual repartição das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos, a subrepresentação das mulheres nos cargos de direção e nos órgãos políticos são apenas alguns exemplos. Mas a desigualdade que apesar de 20 anos de planos de igualdade, de formação especializada, de campanhas de sensibilização e informação, de leis e convenções internacionais, persiste enraizada e constante na sociedade é, sem dúvida, a violência contra as mulheres, nomeadamente a violência doméstica.

Apesar dos esforços, mulheres e crianças continuam a sofrer as consequências de vidas inteiras de violência e continuam a morrer às mãos de quem se assume seu dono, senhor e carrasco.

A naturalização e a desvalorização da violência são, seguramente, uma parte importante do problema. Afinal, apenas 16% das queixas de violência doméstica chegam ao fim nos Tribunais. Dos processos concluídos 90% acabam em pena suspensa. Esta cultura judicial legitima os agressores e desprotege as vítimas.

A violência sobre as mulheres, a violência nas relações de intimidade, a violação ou os femicídios são das manifestações mais extremas da dominação das mulheres. O Bloco de Esquerda esteve desde o início neste combate, mas temos de fazer mais e melhor.

Afirmar o combate às desigualdades de género em todas as suas dimensões e não deixando nenhuma mulher para trás – imigrantes, as mulheres negras, ciganas, lésbicas, bissexuais e transgénero, precárias, desempregadas, portadoras de deficiência – exige a consciência da diversidade e pluralidade de identidades e invoca necessariamente uma estratégia interseccional. Implica também a consciência política de que a luta pela igualdade de género é peça fundamental para a transformação social e de que se alcança por via do combate ao patriarcado e pela alteração da estrutura das relações de poder na sociedade. Alvo de múltiplas discriminações, são precisamente as mulheres imigrantes.

Ser mulher é por si só condição para diversas opressões por parte de um sistema machista e patriarcal. No processo de integração num novo país as opressões somam-se e multiplicam-se ao associarem-se ao género e à condição de imigrante As discriminações e a desigualdade de oportunidades acumulam-se de acordo com a classe social, nacionalidade, estatuto migratório, origem étnico-racial e género.

As discriminações baseadas no género, fenómeno social mundial que atinge preferencialmente as mulheres, colocadas numa posição de menor acesso ao poder, à liberdade de escolha e ao usufruto de um sentido de igualdade nas várias esferas da vida social e privada, não deixam de refletir nos processos de integração e de autonomização também da mulher imigrante.

Não é possível olharmos para as mulheres imigrantes que contabilizam mais de 50% da população imigrante em Portugal, em situação regularizada, e não identificarmos inúmeras situações de opressões por serem mulheres oriundas de outras geografias.

No caso das mulheres oriundas do Brasil, há um imaginário presente na sociedade que as inferioriza por meio do estereótipo da hipersexualidade. Frequentemente, imigrantes brasileiras são tidas como sexualmente disponíveis, com uma sexualidade exótica, exagerada e muitas vezes associadas ao trabalho sexual. O processo de erotização e exotização soma-se às desigualdades de género e legitima a violência contra as mulheres, seja ela física, sexual ou simbólica.

O assédio sexual é disso exemplo. Assédio exercido pelo agressor na certeza de que são corpos disponíveis, fáceis, hipersexualizados e que merecem menos respeito. Como afirmam alguns autores “corpos coloniais”.

Também as dificuldades no acesso a direitos fundamentais como a habitação ou a saúde radicam em estereótipos e preconceitos.

As situações de opressões vividas por mulheres imigrantes impedem o exercício pleno da cidadania, o igual acesso à igualdade de oportunidades, diminuem o sentimento de pertença, afetam o bem-estar e muitas vezes potenciam o sentimento de fracasso e o isolamento.

Portugal é um país multicultural e o percurso de mulheres de outras nacionalidades que aqui escolheram viver, trabalhar, estudar precisa ser valorizado e os seus direitos assegurados, nas suas mais diversas características. Nenhuma desigualdade de oportunidades pode ser baseada na nacionalidade, no sotaque, na cor da pele, na etnia/raça, no género ou no estatuto migratório.

A participação de mulheres imigrantes nas diversas esferas da sociedade, política e social, deve ser fomentada e valorizada para que possam, cada vez mais, serem parte do processo de transformação social e agentes de decisão.

As políticas públicas que procuram garantir a igualdade para as mulheres e as políticas de imigração, precisam de se articular e de adotar uma perspetiva interseccional. Precisam igualmente conhecer de perto as trajetórias das mulheres imigrantes em Portugal. É preciso refletir de que forma a nacionalidade afeta o acesso à igualdade de direitos dessas mulheres e atuar para garantir proteção, justiça e igualdade para todas as mulheres.

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