O município de Amesterdão apresentou esta semana o documento "Abordagem à Habitação Pública de Amesterdão", elaborado pela autarquia com o contributo de munícipes e associações, e que estará em discussão pública até ao fim de março.
A crise na habitação é uma realidade nesta cidade que atrai muita população - mais de nove mil por ano numa população urbana de 921 mil -, mas além da falta de casas e do aumento dos preços da construção, o município quer também responder à insuficiência da qualidade dos fogos na cidade. O plano aponta objetivos até 2040, mas concentra boa parte das medidas nos primeiros cinco anos, para que no final de 2027 possa ser avaliado e revisto.
As prioridades passam pela resposta à população em situação mais vulnerável, aos agregados com baixo e médio rendimento e dentro destes, aos idosos e famílias. E a autarquia deixa claro que fora das prioridades estão os grupos com rendimentos elevados, nacionais ou estrangeiros, e os estudantes internacionais.
Além da nova construção, com o objetivo de 7.500 novos fogos por ano, o município quer declarar guerra às casas devolutas, segundas habitações e aos arrendamentos ilegais a turistas, além de aumentar o stock do arrendamento social, com mais limites à venda das casas neste regime detidas por privados e ao número de casas no regime liberalizado na nova construção. E promete facilitar a conversão de hotéis e escritórios em fogos de habitação, dificultando a situação inversa. Além da revisão das quotas existentes de alojamento local por bairro, os proprietários são incentivados a arrendarem quartos nas suas casas a quem precisa de habitação, em vez de turistas. E o arrendamento coletivo também será incentivado, com a definição de uma renda máxima conjunta por fogo.
Para responder ao aumento da população em situação de sem-abrigo, propõe-se a revisão dos critérios de prioridade urgente, mas também dos acordos com outras regiões do país para aí alojar esta população. E para a população idosa e com necessidades especiais serão reservados fogos em bairros dotados de infraestruturas de apoio 24 horas por dia.
Cidade atrai jovens sozinhos e expulsa famílias
Um dos problemas identificados no fluxo de habitantes é que a cidade atrai jovens e agregados de uma ou duas pessoas para ali estudar ou trabalhar, mas "expulsa" famílias com crianças para outras regiões. E as novas casas têm cada vez menos espaço. O mercado de habitação divide-se em dois extremos: as casas abrangidas pelo regime de arrendamento social, cada vez menos disponíveis face à elevada procura, e as casas do mercado liberalizado ou de habitação própria, com preços proibitivos. Apenas a fatia destas últimas no mercado total está a aumentar (quase duplicou de 21,4% em 2015 para 39% em 2021), com as rendas a preços controlados a caírem de 61,3% para 48,5% no mesmo período.
A renda máxima no setor de arrendamento social é este ano de 808,06 euros, mas nos últimos anos muitos proprietários individuais ou coletivos venderam estas casas ou colocaram-nas no mercado liberalizado quando o inquilino sai da casa. Podem candidatatar-se a estas casas os agregados com rendimentos até 44 mil euros, o que corresponde a metade do total de agregados na cidade. A procura é muito superior à oferta, que foi entre seis e sete mil fogos nos últimos anos, com mais de 60 mil candidaturas. O resultado é uma lista de espera que demora em média treze anos, com esses agregados a continuarem a viver em casas demasiado pequenas à medida que a família vai aumentando. No mercado liberalizado, a situação é a inversa, com uma oferta a preços altos que é muito superior à procura e rendas médias acima de 1.300 euros, apesar de a maior parte destas casas terem dimensões reduzidas. E quase um terço destes inquilinos tem rendimentos abaixo do que seria uma taxa de esforço normal para os preços praticados.
Agregados com rendimentos médios vão ter rendas reguladas
No que diz respeito à habitação própria, representa quase 30% do total de fogos da cidade, com o preço médio de venda a duplicar nos últimos seis anos para quase 650 mil euros em 2022. Ou seja, apenas acessíveis a quem tenha rendimentos elevados. Este mercado dual entre habitação e rendas muito caras e um arrendamento social "estrangulado" com pouca oferta para tanta procura teve como consequência a saída da cidade por parte das pessoas com rendimentos médios, que agora representam apenas 17% da população de Amesterdão. Para contrariar esta tendência, o município vai aproveitar a oportunidade da legislação anunciada no parlamento nacional para passar a regular também as rendas deste setor, fixando a partir de janeiro de 2024 o teto de 1.100 euros às rendas das casas com uma pontuação máxima de 187 pontos. As casas no arrendamento social têm até um máximo de 141 pontos neste sistema que pontua a qualidade do imóvel no que respeita à área, localização, estado de conservação, entre outros critérios de avaliação. Com a nova lei, uma parte das casas do mercado liberalizado regressará ao mercado regulado para quem tem rendimentos médios, embora essa transição só aconteça na altura que os atuais contratos de arrendamento terminem. A expetativa do município é que esta fatia da população da cidade passe dos atuais 17,5% para os 53% daqui a alguns anos, enquanto desafia o Parlamento a ir mais longe e aprovar o teto de 1.250 euros para as casas classificadas até 232 pontos.
O envelhecimento da população é outro dos desafios, com as previsões a apontarem um crescimento dos maiores de 65 anos dos atuais 116 mil para 175 mil em 2040 e a duplicação do número de maiores de 85 anos. Muitas dessas pessoas vivem hoje em prédios sem condições de mobilidade e em casas com mais espaço do que realmente necessitam, sendo impedidas de mudar devido à falta de oferta de casas mais pequenas no regime social e os preços altos do mercado liberalizado. Por outro lado, até agora eram penalizados na pensão ou prestações sociais caso partilhassem a casa arrendada onde vivem. Boa parte da população de Amesterdão vive sozinha e para libertar esse espaço de habitação, além do incentivo à partilha da casa, estará também a construção e adaptação de imóveis em residências partilhadas com acesso a cuidados de saúde nos bairros onde atualmente vivem.
Para desincentivar a compra de casas para arrendamento liberalizado, uma das fontes de especulação, a autarquia avança ainda com a proposta de proibição de arrendamento nos primeiros quatro anos após a compra de imóveis até 533 mil euros.