Despejos voltam a aumentar, movimentos preparam resposta nas ruas

O número de despejos em 2022 voltou a atingir os níveis pré-pandemia, com Lisboa a ultrapassá-los. Manifestações "Casa para Viver" saem à rua no dia 1 de abril.

03 de março 2023 - 15:34
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Cartaz da manifestação de 1 de abril em Lisboa e Porto.

No último ano, o número de despejos em Portugal voltou a crescer, depois de dois anos em que a pandemia levou à aprovação de medidas para contrariar a perda de habitação, como a proibição da cessação de contratos de arrendamento. Segundo o jornal Público, em 2022 o número de despejos finalizados ficou muito próximo do registado em 2019 e no caso de Lisboa ultrapassou mesmo esse número.

Em 2022 deram entrada no Balcão Nacional de Arrendamento 2.329 pedidos de procedimento especial de despejo (dos quais 918 em Lisboa), um aumento de 34% face a 2021, ainda abaixo dos 3.229 pedidos entregues em 2019. Mas no que diz respeito aos despejos efetivamente realizados através da emissão do título oficial de desocupação, a diferença em relação a 2019 já é pouca: foram emitidos 1.170 títulos de desocupação em 2022 face aos 1.244 em 2019.

Se os número total de títulos ficou abaixo do último ano antes da pandemia, em 11 distritos do país ficou acima dessa fasquia. É o caso de Lisboa, com 501 títulos emitidos, face aos 444 de 2019, ou também de Setúbal, com 195 títulos de desocupação emitidos, mais doze do que em 2019. Também o distrito de Coimbra viu aumentar os despejos efetivamente concretizados, com 37 no ano passado, mais doze que em 2019. Em Faro foram concluídos 81 processos face aos 74 de 2019. Estes números dizem apenas respeito aos processos iniciados através do Balcão Nacional de Arrendamento e não contabilizam os que foram iniciados diretamente em tribunal.

Diogo Faro: "É inenarrável o estado a que chegámos"

Num contexto de escalada de preços, aumento dos despejos e da retirada das proteções dos inquilinos tornadas lei durante a pandemia, são cada vez mais pessoas a mostrarem disponibilidade para levar para a rua a sua indignação. “Ou são idosos que estão a ser despejados, ou são jovens que não conseguem sair da casa dos pais, ou são estudantes que entram na faculdade em determinadas cidades e depois desistem porque não conseguem ter dinheiro para pagar um quarto, ou pessoas de quase 40 anos que têm de voltar para casa dos pais”, diz Diogo Faro, o humorista que criou o movimento "Casa é um Direito", à agência Lusa, após ter recebido centenas de testemunhos, queixas e denúncias sobre a crise habitacional no país.

As queixas vêm de todo o país, mas “Lisboa, Porto e Algarve são as zonas mais problemáticas”. E “quando falamos de Lisboa, já nem estamos a falar de as pessoas quererem uma casa para viver no Príncipe Real, estamos a falar das pessoas já a sair de Lisboa, [em zonas] como Benfica, preços exorbitantes em Odivelas, Loures, Vila Franca [de Xira] e Alverca”, explica, acrescentando ter recebido também relatos de “casos absurdos, por exemplo em Aveiro, Setúbal e São Miguel”, nos Açores.

Considerando "inenarrável o estado a que chegámos", Diogo Faro diz que conhece “pessoas que nunca na vida pensaram” em ir a uma manifestação e vão fazê-lo no próximo dia 1 de abril. "As pessoas não são burras, as pessoas veem os preços a aumentar, a sua vida a ficar cada vez mais difícil, mas veem as grandes empresas a apresentar lucros cada vez maiores, ano após ano. (…) O dinheiro que está a ser tirado de uns está a acumular-se noutros. Tem que haver uma intervenção do Governo”.

Também Rita Silva, da associação Habita, conta à Lusa os sinais que tem recebido sobre o aumento da adesão a estas manifestações "Casa para Viver", no dia 1 de abril e Lisboa e no Porto. “Há coletivos a aderir em Lisboa, há coletivos que estão a aderir no Porto, talvez Coimbra também se venha a juntar. Nos Açores, Ponta Delgada já disse que também se quer juntar”. Para esta ativista pelo direito à habitação, as pessoas “só devem parar de protestar, de se mobilizar e de se manifestar quando sentirem realmente uma melhoria concreta nas suas próprias vidas”.

“O problema da habitação está a agravar-se no mundo inteiro. Vivemos num sistema em que as pessoas com dinheiro ou a finança estão a aplicar os seus excedentes financeiros em habitação, para obter rendimentos cada vez mais altos, o que gera um processo inflacionário”, explica Rita Silva, lamentando que a habitação se tenha transformado num ativo financeiro. Critica as medidas anunciadas pelo Governo e a reação da direita como um “jogo político que se alimenta mutuamente” e defende que “é preciso acabar com os incentivos que o Estado dá à especulação imobiliária” e regular os preços das rendas, “a par do desenvolvimento de habitação pública, social e cooperativa, o que vai demorar bastante tempo” Em vez disso, aponta Rita Silva, o Governo insiste em propor como novidade medidas que já existem e não resultaram ou que são pura "propaganda política", como a do arrendamento forçado, cuja aplicação prevê que nunca irá existir na prática.

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