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Uma primavera argelina contra Bouteflika

No passado fim de semana as manifestações na Argélia voltaram a ser massivas. O presidente argelino oficializou a sua recandidatura mas diz agora que sairá ao fim de um ano querendo controlar a transição. Entretanto, vários candidatos da oposição desistiram. E a contestação não abranda.

Dezenas de milhares de pessoas voltaram às ruas da Argélia para se manifestar contra a recandidatura do atual Presidente da República às eleições de 18 de abril. Abdelaziz Bouteflika, que foi vítima de um AVC e não fala em público há seis anos, é candidato a um quinto mandato consecutivo mas é contestado nas ruas por se temer que as eleições sejam uma farsa sem condições democráticas mínimas. Bouteflika é considerado incapaz e os manifestantes perguntam-se quem manda realmente no país.

O presidente argelino está internado numa clínica na Suíça. No sábado, o diretor de campanha Abdelmalek Sellal foi substituído. No dia seguinte foi Abdelghani Zalene quem passou a assumir esse papel. Foi ele quem leu uma carta alegadamente da autoria de Bouteflika onde se lia: “ouvi e percebi o grito no coração dos manifestantes e em especial dos milhares de jovens que perguntam pelo futuro da nossa pátria”. O presidente consideraria a sua “inquietude compreensível”. Por isso, diz que responderá “às suas exigências fundamentais de mudança do sistema” e que está “empenhado na organização de uma eleição presidencial antecipada”. Anunciou-se, portanto, que Bouteflika é

candidato a ser presidente por um ano, entretanto realizará uma “conferência nacional” que discutirá, para além da data para as eleições, “reformas políticas, institucionais, económicas e sociais”.

Este anúncio não apaziguou os ânimos e as manifestações continuaram no domingo ao fim da tarde e esta segunda-feira.

Oposição política entre o boicote, a farsa e o esperar para ver

Com o fim da data de apresentação de candidaturas, sabe-se que há mais seis candidaturas entregues e ainda não validadas. Só que mais expressivo do que o número de candidatos é o número de partidos e candidatos que participaram em eleições anteriores e agora optaram pelo boicote. Ali Benflis, ex-primeiro-ministro entre 2000 e 2003 e segundo candidato presidencial mais votado em 2004 e 2014, considerado o candidato mais forte na oposição, desistiu da sua candidatura em cima do ato de entrega, alegando, também ele, que ouviu a mensagem do povo e que a “competição eleitoral” está “enviesada e falsificada”. Benflis veio do partido do sistema, a Frente de Libertação Nacional, mas cortou com Bouteflika tornando-se seu rival. Defende agora que o sistema está construído através do “clientelismo, da predação das riquezas e da prevalência de interesses categoriais sórdidos.”

Abderazak Makri, do Movimento da Sociedade pela Paz, partido islamita próximo da Irmandade Muçulmana, que fez parte do campo presidencial até 2013, seguiu-lhe o caminho. A Frente das Forças Socialistas, partido da Internacional Socialista, imersa numa crise interna grave, já tinha anunciado que não participaria no ato eleitoral, considerando ilegítimo. O mesmo fez Abdallah Djaballah do FJD.

E também o Partido dos Trabalhadores de Louisa Hanoune, da esquerda revolucionária, partido com vários parlamentares eleitos e que em nome do “anti-imperialismo” tem dado “apoio crítico” a Bouteflik está a agora as manifestações, anunciando que não se candidatará.

Também no campo da esquerda revolucionária, o PST apela ao boicote e se coloca ao lado das mobilizações populares contra “o poder autoritário de Bouteflika”. Opõe à proposta de uma conferência não eleita com a qual o poder instituído pretende “ganhar tempo”, manter o poder e impor “uma nova constituição e reformas económicas, forçosamente ultra-liberais” a eleição de uma “assembleia constituinte”. Levanta ainda a possibilidade de uma greve geral.

Restam alguns candidatos na corrida. Abdelaziz Belaïd, também ele vindo do antigo partido único, será o mais famoso. Concorre pela Frente Al-Moustakbel. Em 2014 obteve 3% dos votos. Ali Zeghdoud do pequeno partido Rassemblent Algérien (RA) e Abdelkrim Hamadi, independente, também tentam ser candidatos. Talvez lhes aconteça o mesmo que nas eleições anteriores em que não conseguiram o número mínimo de assinaturas para serrem validados. Já Ali Ghediri, um general na reforma, é um candidato com mais possibilidades de singrar a curto prazo. Promete uma “nova aurora” e uma “IIª República” mas a sua candidatura é olhada com desconfiança por parte do campo político apostado na mudança.

E depois há o empresário Rachid Nekkaz. Muito popular nas redes sociais pelo seu discurso anti-corrupção, não preencheria à partida as condições necessárias para a candidatura porque teve dupla nacionalidade e não tem residência há dez anos consecutivos no país o que é proibido segundo a lei eleitoral.

Nekkaz até depositou um processo na comissão eleitoral. Só que afinal foi outro. Face ao chumbo mais que certo da sua candidatura, o empresário preferiu o golpe mediático. Foi entregue um processo e anunciada uma conferência de imprensa. Mas quem surgiu foi um estranho que alega ser primo deste e que tem o mesmo nome. Rachid Nekkaz, o "próprio", explicou mais tarde que escolheu este caminho para poder ser presidente: o primo será eleito, criará o cargo de vice-presidente que ele ocupará e depois demitir-se-á deixando-o no cargo…

Só que o quadro político tenso e a repressão das manifestações reprimidas mostram que as forças governamentais não estão para brincadeiras.

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