Consumido por uma violência nunca antes vista no país, por obra e graça do tráfico de droga, o Equador está a seguir as pisadas autocráticas de El Salvador de Nayib Bukele, após a “confortável vitória eleitoral” de Daniel Noboa, o jovem presidente de extrema-direita, nascido em Miami, que militarizou o país sob o pretexto de travar uma “guerra interna” contra o crime organizado. A candidata progressista Luisa González, que partia com expetativas de vitória para a segunda volta das eleições presidenciais, denunciou a fraude e exigiu uma recontagem dos votos.
Liderando a Ação Democrática Nacional (ADN), de direita, Noboa, 37 anos, obteve 56% dos votos contra 44% da candidata da Revolução Cidadã, de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), com 95% dos votos contados. Na primeira volta das eleições, realizada em fevereiro, Noboa e González ficaram empatados com 44% dos votos. Embora a taxa de participação tenha aumentado três pontos na segunda volta, é surpreendente que a oposição tenha obtido o mesmo resultado, apesar do acordo alcançado no final de março com o movimento indígena, que na primeira volta obteve 5% dos votos. A partir do seu exílio na Bélgica, o antigo presidente Rafael Correa (2007-2017), fundador da Revolución Ciudadana, juntou a sua voz às alegações de fraude eleitoral.
Noboa venceu a primeira volta por apenas 16.000 votos de diferença em relação a González. O terceiro classificado foi Leónidas Iza, do Movimento Pachakutik, com 5,25%. Iza, um dirigente historicamente oposto ao Correísmo, deixou claro desde o início que os seus votos não poderiam, em circunstância alguma, ser utilizados para apoiar o governo de ultra-direita de Noboa. No final de março, foi alcançado um acordo programático de 25 pontos entre a Revolución Ciudadana, o Pachakutik e a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie). Enquanto González assinava o Acordo pela Vida com o movimento indígena, Noboa mostrava-se em Miami com Donald Trump. Preocupado com o rumo das sondagens na reta final da campanha eleitoral, o presidente lançou uma vasta campanha mediática para tentar desacreditar González, acusando-a de estar disposta a desdolarizar a economia equatoriana.
A família mais rica do Equador
Daniel Noboa ganhou as eleições há dois anos com uma vitória esmagadora. Filho do homem mais rico do país, o magnata Álvaro Noboa, o jovem deputado não estava entre os principais candidatos à presidência. Foi um acontecimento trágico, o assassinato do jornalista e candidato presidencial Fernando Villavicencio, presumivelmente às mãos de narcotraficantes, que distorceu uma campanha eleitoral marcada pela violência. Contra todos os prognósticos, Noboa passou à segunda volta e, com o apoio de todo o campo conservador e do grande patronato, derrotou Luisa González e tornou-se presidente, completando assim o mandato de outro líder de direita, Guillermo Lasso, que se demitiu prematuramente, acossado por graves acusações de corrupção. Neste ano e meio, Noboa não conseguiu travar a violência que assola o país desde que os cartéis mexicanos e colombianos desembarcaram no Equador, devido à sua localização geográfica privilegiada e à falta de controlo dos governos neoliberais pós-correístas (Lenín Moreno e Lasso) sobre a lavagem de dinheiro.
Na reta final da campanha, o presidente tirou da manga um acordo com a Blackwater, um grupo de mercenários denunciado internacionalmente pelos seus abusos e contratado por Noboa para ganhar a sua “guerra interna” contra o narcotráfico no âmbito do chamado Plano Fénix, a estratégia de segurança aprovada pelo seu governo. O líder deste bando de corsários, Erik Prince, fez campanha através dos meios de comunicação institucionais (algo proibido no Equador) pedindo o voto para Noboa e avisando que nas eleições do Equador estava em jogo tornar o país uma nova Venezuela ou apostar na luta contra o tráfico de droga.
Neste contexto de militarização, Noboa deparou-se com um “cisne negro” inesperado, o caso dos “Quatro das Malvinas”. Quatro jovens afro-equatorianos do bairro Las Malvinas, em Guayaquil, foram assassinados em dezembro. Tinham ido jogar uma partida de futebol e foram intercetados pelas forças de segurança. Os seus corpos foram encontrados mais tarde perto de um campo militar, crivados de balas e com sinais de tortura. Embora o governo tenha atribuído o crime a bandos de traficantes de droga, as provas apontam para as forças de segurança do Estado. O caso chocou uma sociedade que há muito tem medo de sair à rua, tanto devido à violência dos bandos como à violência da polícia e do exército. Uma alteração constitucional aprovada por uma larga maioria num referendo durante o mandato de Noboa confere às forças armadas o poder de apoiar a polícia nas tarefas de segurança interna. O Equador é o país mais violento da América Latina, com 39 homicídios por 100.000 habitantes em 2024.
Militarização e corrupção
A corrupção governamental juntou-se à militarização do país. A família Noboa terá beneficiado de contratos públicos lucrativos, segundo a imprensa independente equatoriana. E uma das empresas do clã, a empresa de bananas Noboa Trading, surge mesmo ligada a um caso de tráfico de cocaína. O jornalista que denunciou esta ligação, Andrés Durán, foi obrigado a exilar-se na Colômbia depois de ter sido ameaçado. “Este é o primeiro caso documentado na história do Equador em que se diz que uma família presidencial está envolvida no tráfico de cocaína”, disse Durán à revista Raya.
Outro escândalo que abalou a reta final da campanha foi a revelação feita por Verónica Sarauz, viúva de Fernando Villavicencio, o candidato presidencial assassinado há dois anos em plena campanha. Sarauz acusou a Procuradora-Geral, Diana Salazar, de a ter pressionado, na altura, a acusar o correísmo de estar por detrás do atentado, garantindo-lhe que tinha o depoimento de uma testemunha protegida. Essa acusação foi decisiva para que Noboa derrotasse Luisa González na segunda volta: “Quero dizer com toda a clareza que por detrás do assassinato de Fernando não está apenas a política, mas também o narcotráfico, altas patentes da Polícia Nacional e poderes financeiros que lavam dinheiro sujo no Equador”. A viúva de Villavicencio denunciou uma cumplicidade “perversa” entre Noboa e o procurador-geral do Estado para encobrir os assassinos do seu marido.
Após a reeleição de Noboa, abre-se um horizonte de incerteza no Equador. O correísmo e o movimento indígena têm mais um lugar no Congresso do que o partido no poder. Mas Noboa já demonstrou a sua falta de respeito pela institucionalidade do poder legislativo. A impunidade da família presidencial e o regime de repressão imposto pelo presidente são sinais inequívocos de que o país está a caminhar para uma espécie de autocracia semelhante à de El Salvador, onde Bukele espezinhou os direitos humanos de milhares de cidadãos sob o pretexto da luta contra o tráfico de droga. Nesta transição antidemocrática, El Salvador e o Equador conseguiram instalar a armadilha da segurança a qualquer custo e tornaram-se os dois principais polos autocráticos da América Latina.
Publicado originalmente em Huella del Sur.