Onde se criava um espaço de convívio antes e depois de cada espectáculo, à porta do Teatro da Politécnica, há agora uma grande carrinha de mudanças. É utilizada por várias pessoas que freneticamente transportam bancos, mesas, placas de madeira, metal e vidro, antigos cartazes, e outras mobílias para ir desabitando o enorme espaço que os Artistas Unidos ocupavam. Algumas carrinhas vão para uma ponta de Lisboa, outras seguem para o lado oposto, separadas em armazéns e espaços de arrumações temporários.
As paredes interiores já estão despidas de enfeites e decoração, sinalizando de alguma forma que o Teatro da Politécnica já não recebe público. Lá dentro há mais pessoas que vão desmontando o que resta da entrada e da bilheteira, e as portas para a sala de espectáculo e para a marquise traseira estão completamente abertas.
Não é a primeira vez que os Artistas Unidos têm de embalar a mobília e mudar de casa. Antes do Teatro da Politécnica, tinham enchido igualmente várias carrinhas para se despedirem do edifício d’A Capital, no Bairro Alto. A diferença desta vez é mais amarga: não têm lugar para onde ir.
Desde 2022 que a companhia fundada por Jorge Silva Melo sabia que ia ter de sair do Teatro da Politécnica. Alugava o espaço à Universidade de Lisboa desde 2010 com contratos de dois anos, uma solução que tinha funcionado para que a companhia pudesse finalmente ter um espaço permanente de encenação. Quando a Câmara Municipal de Lisboa mediou uma solução que lhes permitia prolongar a sua estadia até 2024, fizeram-no com a condição de que a própria Câmara arranjasse uma solução alternativa.
“Passaram-se 27 meses e nada foi encontrado. E a situação que temos agora é esta”, diz João Meireles, diretor da estrutura. Em 15 dias, os Artistas Unidos têm de entregar as chaves, e por isso, esta terça-feira, convidaram a comunidade de Lisboa a ir ajudá-los a desmontar o teatro em conjunto.
Dentro da antiga sala de espetáculos, agora sem cortinas nem sistema de luz e som, João lamenta a saída, que coloca em causa até a sustentabilidade da estrutura artística. “Temos contratos públicos, quer com o Estado português quer com a Câmara Municipal de Lisboa”, mas a falta de um espaço de trabalho, ensaio e apresentação coloca muitas dúvidas sobre o futuro da companhia e sobre a apresentação dos espetáculos no futuro. “Sem um espaço próprio de apresentação e trabalho, estamos só a deitar dinheiro público à rua”.
Sem soluções à vista, a incerteza
Com programação projetada até ao final do ano, os Artistas Unidos estão à procura de abrigos temporários para conseguir colocar em palco o que têm planeado. “Búfalos”, a peça que encerra a trilogia de Pau Miró, deve estrear a 19 de setembro, mas terá de ser com outro palco e outra plateia, ainda por definir.
“Estamos a estudar a possibilidade da programação mais próxima poder ser acolhida noutros espaços que têm mostrado alguma disponibilidade. Mas ainda são negociações que estão um bocadinho a ser feitas”, admite Andreia Bento, membro da estrutura. Mas para 2025, o cenário é uma “incógnita total”, uma vez que esta ideia de saltar de sala de espetáculos em sala de espetáculos é demasiado precária e demasiado desgastante. “As próprias condições de trabalho não são as mesmas de quando temos sala de ensaios”.
Apesar da “boa vontade” da Câmara Municipal de Lisboa, não há à vista nenhuma solução concreta para albergar os Artistas Unidos num espaço onde possam trabalhar como têm trabalhado até agora. E esta saída deixa uma tristeza profunda em quem trabalhou no espaço durante mais de dez anos.
“Foi a primeira vez que tivemos tantos anos no mesmo espaço. Em que pudemos realmente aproximar-nos de perceber o que é realmente programar um espaço, existir no espaço e criar público no espaço”, de modo que este adeus é feito em tristeza e frustração.
Esse sentimento é partilhado pelo público. Pedro Deus veio com um grupo de amigos para ajudar a desmontar o teatro. Costumava vir ver os espetáculos e foi aluno de Pedro Carraca, outro dos membros da direção artística da companhia, e ainda está a processar esta saída. “As pessoas vinham aqui com uma energia, estavam entusiasmadas. Agora chego aqui e a energia é completamente outra”, diz.
Na azáfama da saída, entre os espetáculos que estão sem palco em setembro e a ansiedade de ter lugar para guardar todos os materiais que estavam naquele espaço, João Meireles não consegue ainda processar essa mudança. “As coisas práticas que é preciso resolver têm sido tantas que realmente não temos muito tempo para estarmos atentos aos sentimentos”.
Mas ao ver a sala de espetáculos a ser desmontada pouco a pouco, deixa escapar alguma coisa. “Há um sentimento nostálgico, obviamente. Há um sentimento de perda” pelo espaço que ajudou também a formar o que são os Artistas Unidos, que deixa naquelas salas marcas profundas. “As sessões públicas que aqui fizemos de leituras, exposições de artes plásticas, recitais, peças de teatro, acho que sim, fica uma marca na história do edifício”.
Entre o número maior de pessoas que se vai juntando para ajudar a desmontar o teatro, vão-se lembrando as histórias dos Artistas Unidos, as peças, ou as experiências daquele espaço. De uma dessas conversas, solta-se a frase: “vivemos num mundo em que cada vez há mais hotéis e menos teatros”, e sente-se de forma geral a tristeza de uma cidade que vai promovendo os hotéis e o alojamento local, e não arranja espaço para as leituras, as exposições de artes plásticas, os recitais e as peças de teatro.