Combate à corrupção

“Tolerância zero” aos offshores e auditorias aos negócios da Defesa e vistos gold

06 de maio 2024 - 18:46

No primeiro dia das jornadas parlamentares bloquistas na Madeira, o partido apresentou três projetos de lei e dois projetos de resolução com medidas para prevenir e combater a corrupção dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

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Fabian Figueiredo
Fabian Figueiredo na conferência de imprensa no Funchal. Foto de Ana Mendes.

Depois de uma manhã passada junto à Praia Formosa, a zona do Funchal onde se prepara um atentado urbanístico e ambiental envolto no esquema de corrupção sob suspeita na Madeira, a tarde do grupo parlamentar bloquista foi dedicada à discussão e apresentação de um pacote legislativo de combate à corrupção.

“Boa parte da direita que tem um discurso de combate à corrupção na prática não quer mudar nada de substancial. Como se sabe, os sucessivos casos de escândalos nacionais ou internacionais é através dos ‘offshores’ que boa parte das redes de branqueamento de capitais ou das redes criminosas gere e distribui o seu dinheiro”, afirmou Fabian Figueiredo aos jornalistas, desafiando “todos os partidos que queiram efetivamente combater a corrupção” a aprovar este projeto de lei.

Por essa razão, um dos projetos de lei agora apresentados propõe que passem a ser proibidas as transações para países, territórios e regiões com regime fiscal claramente mais favorável e que passem a ser excluídos dos apoios e contratos públicos todas as entidades que estejam sediadas naquelas jurisdições ou que com estas tenham alguma relação direta ou indireta. A proposta prevê ainda que as empresas e entidades coletivas inspecionadas pelo fisco através da Unidade dos Grandes Contribuintes sejam obrigadas a publicitar o seu organograma completo e detalhado, incluindo a estrutura acionista e todas as participações detidas, além de qualquer relação direta ou indireta com entidades offshore.

Apertar o cerco às “portas giratórias” e ao não cumprimento das obrigações declarativas

O segundo projeto de lei altera o regime penal aplicável a titulares de cargos públicos, alargando aos membros dos gabinetes ministeriais a obrigação declarativa que já é aplicável aos membros do Governo relativa à divulgação de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos. Fabian Figueiredo justifica este alargamento por serem “várias as histórias de pessoas que, ocupando lugares relevantes nos gabinetes ministeriais, têm influência na ação executiva”.

Este projeto de lei determina ainda a recuperação da totalidade do enriquecimento injustificado nos casos em que é provado o incumprimento do atual regime penal, além da inibição por um prazo de oito anos para o exercício de cargos políticos e altos cargos públicos, prazo aplicável também nos casos de não entrega das declarações quando é notificado para o fazer. “Nós achamos que, por um titular de cargo público incidir uma obrigação maior porque é ele que gere o património de toda a gente, […] deve-se, de uma vez por todas, garantir que todo o enriquecimento injustificado, feito de forma não legal, é taxado a 100%”, argumentou o líder parlamentar do Bloco. O projeto alarga também a lista de impedimentos às parcerias público-privadas e às candidaturas a fundos europeus ou contratos públicos por parte do titular do cargo ou dos respetivos cônjuges ou a pessoa com quem vivam em união de facto.

Outras mexidas propostas à lei atual passam pelo regime aplicável ao período após a cessação de funções. Aqui o regime aplicável aos cargos políticos executivos é alargado aos membros de entidades reguladoras e o prazo de proibição de exercício de atividades ligadas ao exercício dos mandatos é alargado para seis e três anos, respetivamente. No caso dos governantes, o Bloco considera que “o prazo de três anos estipulado atualmente não só não tem qualquer efeito prático, como não tem qualquer efeito dissuasor”. Além disso, propõe a criação de de uma nova obrigação declarativa relativamente às atividades exercidas nos três anos seguintes ao final do mandato, como forma de assegurar a transparência, detetar incumprimentos e impedir o fenómeno das “portas giratórias” entre política e negócios.

Mais controlo das declarações e auditorias aos negócios da Defesa e aos vistos gold

Com vista a aumentar a fiscalização efetiva dos rendimentos dos políticos e altos cargos públicos, o Bloco propõe num terceiro projeto de lei que a Entidade da Transparência proceda à recolha das declarações não apenas no início de funções no cargo, como hoje sucede, mas de forma periódica e aleatória através de um algoritmo e sem interferência humana. “A periodicidade da realização destes controlos deve ser, pelo menos, anual e correspondente a não menos de 5% do número total de declarações entregues”, refere a proposta. Desta forma o partido pretende dissuadir os casos de titulares de cargos públicos que não atualizam as suas declarações ao longo dos mandatos, podendo assim esconder da Entidade para a Transparência alterações que configurem impedimentos ou conflitos de interesses.

Além destes três projetos de lei, o Bloco apresenta mais dois projetos de resolução. O primeiro recomenda ao Governo a realização de uma auditoria ao Ministério da Defesa, que “tem sido, desde há largos anos, terreno fértil para todo o tipo de negócios obscuros, mal explicados e muitos deles ruinosos para os cofres do Estado e para o interesse público”. O âmbito proposto para esta auditoria seria o dos contratos celebrados para aquisição de bens e serviços externos pelo menos desde 2015. “O Ministério da Defesa gere contratos no valor de milhões de euros, as portuguesas e os portugueses têm de ter a certeza que toda despesa pública feita pelo Ministério da Defesa em bens, em serviços e material militar obedeceu a critérios de interesse público e que não favoreceu nem amigos nem redes clientelares”, defendeu Fabian Figueiredo.

O segundo projeto de resolução recomenda também uma auditoria, desta vez à atribuição dos vistos gold, que permita a identificação e tipificação dos seus beneficiários, a sua origem e atividade, e os indícios de branqueamento de capitais, fraude fiscal e fuga a sanções económicas por parte de quem beneficiou deste regime que vigorou ao longo de mais de uma década em Portugal. Fabian Figueiredo recordou que os mais de 1.600 vistos gold foram atribuídos de “forma pouco transparente” e alguns acabaram por estar no “centro de várias polémicas”
 

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