O anúncio de Pedro Sánchez foi feito esta segunda-feira em Sevilha, na véspera da reunião do executivo espanhol. Na agenda do Conselho de Ministros está um relatório da ministra da Habitação e Agenda Urbana a propor acabar com os vistos gold concedidos em troca de investimento imobiliário superior a meio milhão de euros. "Iremos tomar as medidas necessárias para garantir que a habitação seja um direito e não um mero negócio especulativo", prometeu Sánchez.
A medida vigora desde 2013 e foi introduzida pelo governo da direita liderado por Mariano Rajoy em moldes semelhantes à que entrara pouco antes em vigor em Portugal. E tal como no nosso país, indica o El Diario, a esmagadora maioria (94%) dos vistos gold espanhóis foram concedidos através da modalidade do investimento imobiliário, sendo residual a percentagem dos vistos atribuídos a empresários com projetos que criem emprego ou a investidores que aplicassem mais de dois milhões de euros em dívida pública espanhola ou mais de um milhão em depósitos bancários ou ações de empresas deste país. Sánchez não esclareceu se estas modalidades irão também acabar.
Entre 2013 e 2022 houve mais de seis mil vistos gold concedidos em Espanha, dos quais 45% a cidadãos chineses e 20% a russos, que desde a invasão da Ucrânia ficaram excluídos do regime. A maioria dos vistos foi atribuída em troca de compra de casas em cidades como Barcelona, Madrid, Málaga, Alicante, Palma e Valência. Mas este número não inclui o de vistos semelhantes atribuídos a cidadãos estrangeiros que já residiam legalmente em Espanha. Os dados do investimento entre 2018 e 2022 dão conta de mais de cinco mil milhões de euros investidos em imobiliário através dos vistos gold, com quedas acentuadas no ano da pandemia e após a invasão russa da Ucrânia. Em termos absolutos, a maior fatia (1.574 milhões) foi gasta por 113 requerentes com origem nos Estados Unidos, seguindo-se 768 milhões por 1.302 cidadãos chineses, 648 milhões por 67 mexicanos, 501 milhões por apenas três japoneses e 438 milhões por 521 russos. Entre os beneficiários de vistos gold houve alguns mega-investidores: quatro compraram imobiliário avaliado em mais de 500 milhões de euros. Dois são norte-americanos que investiram mais de 700 milhões cada um, e os restantes são um cidadão mexicano e outro japonês.
Em Portugal, a direita ameaça ressuscitar os vistos gold
Em Portugal, os vistos gold foram introduzidos pelo governo de Passos Coelho no final de 2012 e representaram uma fonte de negócio para os grandes escritórios de advogados como o da atual ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice. No ano seguinte, quando rebentava a revolta nas ruas de Kiev, aterrava em Moscovo uma delegação composta pelo atual ministro da Economia e então líder do AICEP, Pedro Reis, acompanhado dos então governantes do CDS Paulo Portas, Pires de Lima e Adolfo Mesquita Nunes para atraírem investimento russo também ao abrigo do regime das autorizações de residência. A anexação russa da Crimeia meses depois não impediu o Governo PSD/CDS, através do Turismo de Portugal presidido pelo ex-líder e atual candidato da Iniciativa Liberal às eleições europeias, João Cotrim de Figueiredo, de reforçar os meios para atrair investimento dos oligarcas russos em Portugal.
Pedro Reis, atual ministro da Economia, integrou a delegação a Moscovo para atrair investimento dos oligarcas russos em Portugal.
Ao longo dos anos, este mecanismo de atração de investimento imobiliário tem sido criticado pela forma como permite situações de branqueamento de capitais, mas também por contribuir para o aumento do preço das casas ao atrair a inesgotável procura estrangeira. Essa foi também a conclusão de um recente artigo científico publicado pelo Institute of Labor Economics, na Alemanha, e divulgado pelo Observatório Fiscal Europeu. Ele aponta um aumento de 60% de imóveis vendidos acima da fasquia do meio milhão de euros após a entrada em vigor dos vistos gold em Portugal. Entre 2012 e o início de 2023, foram concedidos 10.668 vistos gold em troca de investimento imobiliário que ultrapassou os seis mil milhões de euros. Apenas 22 vistos gold foram concedidos ao abrigo do regime que obriga à criação de postos de trabalho em Portugal.
O fim dos vistos gold foi durante muitos anos uma exigência da esquerda e uma recomendação de Bruxelas no âmbito da prevenção e luta contra a corrupção. Mas o lóbi imobiliário e dos advogados de negócios que se desenvolveram na última década à boleia dos vistos gold levaram sempre a melhor junto do governo PS. Só quando a crise da habitação começou a ser contestada nas ruas com milhares de pessoas nas manifestações "Casa para Viver" é que António Costa admitiu que o regime dos vistos gold "provavelmente já cumpriu a função que tinha a cumprir e que neste momento não se justifica mais manter".
Mas mesmo essa promessa sofreu recuos na formulação final da lei, em que se mantêm estas autorizações de residência para quem invista em fundos de capital de risco, nada impedindo que estes fundos se dediquem ao imobiliário e assim continuem a contribuir para aumentar o preço das casas.
Com o novo governo da direita e um Parlamento onde os partidos que votaram contra o fim dos vistos gold estão em maioria, é provável que eles regressem com este ou outro nome. Em campanha eleitoral, o atual ministro da Presidência António Leitão Amaro admitia "melhorar mecanismos" dos vistos gold. E já depois das eleições o presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários manifestava a sua esperança no relançamento do mecanismo.
Tanto Leitão Amaro como os representantes dos investidores imobiliários sugerem que o relançamento dos vistos gold com um nome "menos tóxico" possa surgir com uma nova aparência, por exemplo associando a imagem desse investimento à compra de casas destinadas ao mercado de arrendamento.