Taxar as multinacionais: Plano do G20 e OCDE é um “cheque em branco”

11 de outubro 2021 - 12:38

OCDE anunciou acordo sobre a proposta do G20 para taxar multinacionais. Economistas da comissão criada por países em desenvolvimento dizem que a taxa de 15% fica aquém do necessário e que apenas os países ricos saem a ganhar com a proposta.

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Joseph Stiglitz é um dos economistas da comissão independente para a reforma da fiscalidade internacional das empresas (ICRICT) criada no âmbito do G24. Foto UNIDO/Flickr

A OCDE anunciou na sexta-feira o acordo de 136 países para estabelecer a partir de 2023 uma taxa mínima de IRC de 15% às multinacionais com receitas superiores a 750 milhões de euros. As empresas com volume de vendas mundiais acima dos 20 mil milhões de euros e rendibilidade acima dos 10% verão relocalizados para jurisdições dos mercados 25% dos lucros acima do limite de 10%, o que nas contas da OCDE corresponde a 108 mil milhões de euros que passarão a ser taxados onde as empresas fazem esses lucros.

O objetivo anunciado é travar as práticas de planeamento fiscal que se traduzem na fuga aos impostos por parte destas empresas, ao transferirem os seus lucros para paraísos fiscais em vez de serem taxadas nos países onde têm atividade. A taxa aplicar-se-á a cerca de uma centena de empresas, mas os 15% são um valor muito abaixo do inicialmente proposto.

O conteúdo desta reforma deverá ser finalizado esta semana no Conselho de Ministros das Finanças do G20 em Washington e fechado em novembro na cimeira do G20 em Roma. Mas foi muito criticado na passada quinta-feira numa conferência de imprensa da Comissão independente para a reforma da fiscalidade internacional das empresas (ICRICT) criada no âmbito do G24, o grupo de países emergentes e em desenvolvimento da Ásia, América Latina, Caribe e África.

“Taxa mínima de 15% arrisca tornar-se a taxa máxima”

Joseph Stiglitz é um dos economistas que integra esta comissão e criticou a falta de elementos sobre o efeito da reforma preconizada pelo G20. “Não sabemos ao certo quem vai ganhar e quem vai perder, quem vai pagar mais e quem vai pagar menos”, diz o Nobel da Economia citado pelo Mediapart. Para Stiglitz, “estão a pedir aos países que assinem um cheque em branco”, pelo que não acredita que esta reforma se vá traduzir numa grande mudança. Uma coisa é certa, acrescentou o professor da Universidade de Columbia: “ela não é favorável aos países em desenvolvimento e aos mercados emergentes”.

A comissão contesta em primeiro lugar a taxa de 15% acordada pelo G20, que prevê a cobrança de cerca de 130 mil milhões de euros em impostos, quando a proposta que defendem - de uma taxa de 25% - permitiria arrecadar pelo menos mil milhões de euros, essenciais para financiar o combate às alterações climáticas e os défices públicos acumulados no combate à pandemia.

Mas o grande ponto de discórdia é a repartição das receitas fiscais, que beneficia os países ricos em detrimento dos restantes, ao dar prioridade aos Estados onde são feitas as vendas dos produtos destas multinacionais, em vez de ter em conta os empregos e os ativos das multinacionais, como as matérias primas vindas de países em desenvolvimento. “Há um problema de proporcionalidade”, diz o ministro da economia argentino Martin Guzmán, também presente na conferência de imprensa.

Para o ex-ministro das Finanças colombiano José Antonio Ocampo, ainda há tempo para chegar a um acordo que preveja uma nova ronda negocial, a fazer-se no âmbito da ONU, onde os países em desenvolvimento têm mais peso, em detrimento da OCDE, maioritariamente constituída pelos países ricos.

O economista indiano e professor na Universidade do Massachussets, Jayati Gosh, prevê por seu lado que “a taxa mínima de 15% se arrisca, a prazo, tornar-se a taxa máxima”, o que prejudicará os contribuintes de todos os países. Gosh deixou ainda a certeza que “Joe Biden e os outros dirigentes nada farão sem a pressão da opinião pública” e que é preciso uma “mobilização popular para fazê-los mexer”.