Detém o recorde de longevidade junto a Donald Trump, conhecido por usar e abusar das suas equipas. O vice-chefe de gabinete da Casa Branca, Stephen Miller, já tinha sido conselheiro político durante o primeiro mandato do presidente plutocrata. Ideólogo chave do atual governo, o burocrata mais poderoso dos Estados Unidos, está nos comandos do novo macarthismo, que se desenvolve agora descaradamente a partir dos mais altos escalões da República.
O assassinato de Charlie Kirk foi apenas um acelerador. Stephen Miller já tinha revelado os seus planos em agosto. Passou os quatro anos do governo de Biden a preparar uma ofensiva metódica contra o Estado de Direito e a liberdade de expressão.
Charlie Kirk era aliás próximo de Stephen Miller, sobre quem declarou em janeiro de 2025 no New York Times: “Algumas pessoas da comitiva de Trump estão ali por conveniência política ou económica. Mas Stephen, por sua vez, acredita profundamente no programa do presidente.”
Na segunda-feira, 15 de setembro, à frente do podcast do seu amigo assassinado, gravado na Casa Branca, o vice-presidente J.D. Vance invocou a memória de Kirk para encorajar os americanos a “denunciarem” qualquer pessoa que celebrasse a morte do líder dos jovens MAGA (“Make America Great Again”). Stephen Miller, visivelmente emocionado, prometeu mobilizar toda a força do governo federal na repressão das “organizações de esquerda” acusadas de serem responsáveis pelo assassinato de Charlie Kirk.
Devemos ter em conta o que Miller, hoje em dia o homem mais poderoso da Casa Branca depois de Trump, e o seu principal conselheiro, diz: “A última mensagem que Charlie me enviou, na véspera de o termos perdido, dizia que precisávamos de implementar uma estratégia organizada para combater as organizações de esquerda que encorajam a violência neste país. [O que sinto agora] é uma imensa tristeza e uma imensa raiva [...]. Ora, a raiva dirigida, virtuosa, é um dos motores de mudança mais importantes da história da humanidade.”
Um percurso ultra-conservador
“Vamos canalizar toda esta raiva”, prometeu, “para erradicar e desmantelar estas redes terroristas. Trata-se de um vasto movimento terrorista nacional. E com Deus como testemunha, utilizaremos todos os recursos à nossa disposição no Departamento de Justiça, no Departamento de Segurança Interna e em todo o governo para identificar, perturbar, desmantelar e destruir estas redes”.
Estas redes? A esquerda em sentido amplo. Em agosto, na Fox News, numa diatribe furiosa – o homem não fala, vocifera – Stephen Miller definiu o Partido Democrata como “uma entidade dedicada exclusivamente a defender criminosos empedernidos, membros de gangues, imigrantes ilegais assassinos e terroristas. O Partido Democrata não é um partido político. É uma organização extremista nacional”.
Tal como Charlie Kirk, Stephen Miller ingressou na política no liceu, multiplicando provocações e ultrajes, atraindo desde cedo a atenção do ecossistema mediático de direita. Na Universidade de Duke, conviveu com o supremacista branco Richard Spencer num clube estudantil “conservador”.
Chegado a Washington após ter concluído os estudos, Stephen Miller trabalhou inicialmente para uma das musas do Tea Party, Michele Bachmann, antes de se juntar à equipa do senador mais reacionário e racista, Jeff Sessions (Alabama). Este foi o primeiro eleito a apoiar a candidatura de Trump em fevereiro de 2016 (e viria a ser o seu primeiro procurador-geral).
Stephen Miller juntou-se desde o início à campanha do outsider nova-iorquino no início das primárias que, em poucas semanas, varreria o establishment republicano. “Miller traduz os instintos de Trump num programa ideológico coerente”, explicava recentemente Christopher Rufo, um soldado das guerras culturais imbuído da retórica nacional-conservadora.
Em poucos anos, Stephen Miller tornou-se o “novo Roy Cohn” de Donald Trump, nome dado em homenagem ao advogado ultra de métodos duvidosos, o único mentor conhecido de Trump. Ironicamente, Cohn tinha começado a sua carreira com o senador Joseph McCarthy, a inspiração por detrás da caça às bruxas anti-comunista dos anos 50.
Uma guerra jurídica organizada
Stephen Miller tornou-se o ideólogo de um trumpismo mais coerente do que o de Trump e, sobretudo, mais metódico: passou os quatro anos do “interregno” (mandato de Joe Biden) a preparar o regresso do seu líder ao poder, a aprender as lições do primeiro mandato e a afiar as armas jurídicas destinadas a concretizar a sua visão distópica dos Estados Unidos.
A organização das “expulsões em massa” (deportações, segundo o termo inglês da plataforma do partido em 2024), a suspensão do habeas corpus (que garante que qualquer indivíduo pode contestar a sua prisão ou detenção perante um juiz se a considerar arbitrária), a utilização da Guarda Nacional no território dos Estados Unidos…: todos estes pontos são obsessões pessoais de Miller.
Em janeiro de 2021, enquanto outros se distanciavam de Trump após o ataque ao Capitólio, Stephen Miller fundou a America First Legal (AFL) para travar uma guerrilha jurídica contra o novo governo democrata. O grupo lançou mais de 100 processos a contestar decisões do governo de Biden e envolveu-se nas eleições intercalares de 2022 através de anúncios transfóbicos.
Criado para levar a batalha para o terreno jurídico, como espelho invertido da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), que defende os direitos civis, o seu modelo, o America First Legal, arrecadou, desde 2022, 44 milhões de dólares, com destaque para a obtenção de fundos de Elon Musk, para quem foi a sua primeira incursão na política. A mulher de Stephen Miller, Katie Miller, trabalhou para o “Doge” de Musk até à sua desavença com Trump – desde então, lançou um podcast "para mulheres conservadoras", cujo primeiro convidado foi… J.D. Vance. É um mundo pequeno.
O governo federal mobilizado contra a esquerda
Miller utilizou a AFL principalmente para estabelecer as bases jurídicas para a sua futura ofensiva anti-imigração, particularmente a violação deliberada do Estado de direito. Teve a ideia de usar a Lei dos Inimigos Estrangeiros de 1798 para organizar deportações em massa fora de qualquer processo legal. Já tinha detalhado tudo em 2023, incluindo a iminente luta contra a liberdade de expressão, numa entrevista ao New York Times.
Trump concorda obviamente, ele que em outubro de 2024 se dizia mais preocupado com a “esquerda radical”, “os comunistas e fascistas” do que com a China e a Rússia, e sugeria que provavelmente seria necessário usar “a Guarda Nacional ou os militares” contra este “inimigo interno”. Este é o mesmo discurso, transposto para a Europa, que Vance proferiu em Munique, em fevereiro de 2025.
Esta retórica, e a crescente onda de denúncias e demissões nos Estados Unidos contra os meios de comunicação social, os jornalistas e centenas de cidadãos comuns, são um eco direto da cruzada do senador Joe McCarthy contra os “comunistas” no início da década de 1950, utilizando o braço armado do FBI de Edgar Hoover e as audiências do Comité de Assuntos Anti-americanos do Congresso.
Milhares de pessoas perderam o emprego, centenas foram presas, muitas abandonaram o país por já não poderem trabalhar – o mais famoso foi Charlie Chaplin. Esta onda de repressão política só foi travada quando McCarthy atacou o exército, tendo sido necessária a intervenção do próprio presidente, o general Eisenhower.
Hoje, o ocupante da Casa Branca é também o primeiro a designar os seus adversários políticos como inimigos. Uma das suas conselheiras mais próximas, a influenciadora Laura Loomer, que já tinha instigado as purgas no Conselho de Segurança Nacional (NSC) em abril, descreveu o seu objetivo político da seguinte forma: “Tornar McCarthy Grande Novamente”…
Desde o assassinato de Charlie Kirk, vinte e dois congressistas republicanos instaram o presidente da Câmara a estabelecer um comité especial para investigar “o dinheiro, o poder e a influência por detrás do ataque da esquerda radical à América e ao Estado de direito”, ligando a sua morte a “um padrão de ataques coordenados por ONG, doadores, meios de comunicação social e autoridades”. Uma formulação que faz lembrar o Comité de Atividades Anti-americanas da Câmara, a ponta de lança do macarthismo na década de 1950.
A ofensiva já começou: centenas de pessoas foram despedidas por publicações nas redes sociais, o Departamento de Estado negou centenas de vistos. O Washington Post despediu a sua primeira colunista negra, Karen Attiah, sem apresentar qualquer justificação: a sua única publicação sobre Kirk é uma citação dele.
Stephen Miller via as eleições de 2024 como o ponto de viragem para a civilização ocidental. Hoje, está à frente de um novo macarthismo, implantado com toda a força do governo federal, em nome da liberdade de expressão, contra a esquerda, designada como inimiga interna.
Maya Kandel é investigadora na Universidade de Paris 3 Sorbonne Nouvelle, especialista na política dos EUA.
Texto publicado originalmente no Mediapart.