Reino Unido

Starmer fez uma purga nos trabalhistas, depois caiu-lhe um país no colo

02 de julho 2024 - 20:37

Esta quinta-feira, o Reino Unido vai a votos e o Labour tem ampla vantagem nas sondagens. Depois de um período à esquerda, Starmer tratou de trazer o blairismo de volta, descartando as promessas com as quais tinha vencido as eleições internas.

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Keir Starmer em campanha.
Keir Starmer em campanha. Foto do seu perfil no Flickr.

Na próxima quinta-feira, o Reino Unido vai a votos para eleger deputados para a Câmara dos Comuns. As últimas sondagens indicam uma vantagem segura dos trabalhistas de 20% sobre os conservadores. Agora com 40.7%, registam porém uma queda de quase quatro pontos percentuais desde o momento em que foram anunciadas as eleições.

Esta descida não beneficiou de todo os conservadores, agora no poder, que também eles baixaram 2,3%, de 23% para 20,7%. Quem mais tem vindo a crescer, apesar das revelações sobre declarações dos seus candidatos nas redes sociais, é a extrema-direita que passou de 11,1% para 15,9%. Os liberais democratas também aumentaram as intenções de voto de 9,7% para 11,3%. E os verdes, com 5,8%, desceram 0,5%.

Espera-se assim uma vitória esmagadora dos trabalhistas dado o sistema eleitoral vigente, o escrutínio uninominal maioritário a uma só volta. Isto significa que, em cada círculo, o candidato mais votado, independentemente do número de votos e da diferença para os restantes candidatos, é eleito deputado.

Depois de uma sucessão de primeiros-ministros conservadores nos últimos cinco anos - Theresa May Boris Johnson, Liz Truss e finalmente Rishi Sunak, Keir Starmer tornar-se-á provavelmente o próximo chefe do executivo britânico.

Aos 61 anos, o advogado e ex-dirigente do Ministério Público que se tornou deputado há cerca de dez anos e líder do partido há cinco, vê o poder cair-lhe nas mãos depois do descalabro conservador no governo e de ter virado o seu próprio partido à direita, purgando os apoiantes do seu antecessor Jeremy Corbyn, que concorre agora como candidato independente no círculo eleitoral que o elege há décadas.

Apoiante do rival de Corbyn nas eleições que o viram chegar à liderança, Starmer foi depois seu Ministro de Estado “sombra” para a Imigração, na tradição britânica de o principal partido da oposição distribuir pastas que espelham o executivo nacional e acompanham as suas políticas. Saiu em 2016, em protesto contra Corbyn, tendo regressado ainda nesse ano como Secretário de Estado de Sombra para o Brexit.

Em abril de 2020, na sequência da derrota eleitoral de Corbyn, torna-se líder dos trabalhistas. Inicia de imediato um processo de perseguição interna dos seus adversários políticos sob o pretexto de eliminar o antissemitismo no partido. Este suposto antissemitismo de parte da esquerda do partido, nomeadamente dado o apoio à causa palestiniana, foi uma peça fundamental da sabotagem política que a partir de altos funcionários dos trabalhistas se moveu contra a direção de Corbyn. A partir de centenas de documentos, mensagens e e-mails, nos Labour Files, a Al Jazeera demonstrou como estes “começaram a silenciar, excluir e expulsar os seus próprios membros numa campanha implacável para destruir as hipóteses de Jeremy Corbyn se tornar primeiro-ministro da Grã-Bretanha”.

A sua direção e governo-sombra rapidamente recuperaram o blairismo e deixaram para trás as promessas mais à esquerda, como nacionalizações ou fim das propinas, com que ganhou a corrida interna. Mantém apenas a renacionalização da rede ferroviária e a criação de uma empresa pública energética para competir com as privadas.

O seu manifesto eleitoral diz-se ao mesmo tempo “pró-negócio” e “pró-trabalhadores” e chocou as organizações não governamentais ao apoiar o limite de acesso a benefícios sociais a dois filhos introduzido pelos conservadores em 2017 e que os ativistas e a antiga direção do partido denunciaram como lançando milhares de crianças na pobreza.

Dividiu o partido com o apoio a Israel, alegando o seu “direito a defender-se” e a recusa em exigir um cessar-fogo em Gaza, cedendo depois por causa da rebelião interna que a posição gerou. Entretanto, suspendeu mais deputados por “antissemitismo” ao apoiarem a Palestina ou ao classificarem o que se passa em Gaza como genocídio.

Para além disso, a sua posição sobre Israel está a custar-lhe o apoio de muitos setores muçulmanos e comunidades imigrantes no país. Onde não cedeu foi sobre a NATO. Na sequência de uma carta promovida pela Stop the War Coalition, assinada por onze dos seus deputados, onde se criticava a agressividade da organização transatlântica e se defendia que esta não se devia expandir para leste, obrigou, sob ameaça de expulsão do partido, os deputados a retirarem a subscrição. Na mesma altura, foi suspensa a conta de Twitter da juventude trabalhista também por causa da posição sobre a Nato, da qual é veemente adepto, prometendo ainda aumentar bastante o orçamento para o setor da Defesa.

Do menu das promessas eleitorais consta ainda a anulação da “lei Ruanda”, ou seja do envio automático de requerentes de asilo para este país, e tratar “como terroristas” os traficantes de pessoas. Diz ainda que não vai subir impostos, incluindo os das empresas, com exceções como impor IVA às propinas das escolas privadas e aumentar o imposto sobre lucros excessivos do petróleo e gás.

No setor da saúde, Starmer abandonou a ideia de acabar com o outsourcing no Sistema Nacional de Saúde britânico e o seu ministro-sombra para o setor, Wes Streeting, defende claramente que a redução de tempos de espera para consultas se deve fazer com recurso aos privados. Este é criticado por aceitar donativos do especulador John Armitage, que tem interesses na UnitedHealth, a maior seguradora da área da saúde nos EUA, e de Peter Hearn, o sócio maioritário de uma empresa de recrutamento que trabalha também no setor da saúde.

No plano ecológico, a promessa é “energia verde até 2030” mas também aqui caiu a promessa de investir 28 mil milhões por ano no setor.

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