Poucos apostarão hoje em dia num sucesso eleitoral dos Conservadores nas próximas eleições legislativas de 4 de julho. E as probabilidades ficam ainda mais difíceis depois de se ter conhecido que alguns lucraram com apostas sobre a data do escrutínio.
Com o Partido Conservador britânico em muitos maus lençóis nas sondagens e acossado pela extrema-direita e pelos liberais-democratas, aos vários lapsos acumulados pelo primeiro-ministro Rishi Sunak ao longo dos últimos tempos, soma-se agora um escândalo: dirigentes dos Tories próximos de si apostaram na data das eleições poucas horas antes desta ser anunciada.
Para além de pelo menos quatro dirigentes políticos também um responsável pela segurança do primeiro-ministro está a ser investigado. É o único detido até ao momento. Sunak, por seu lado, só agravou ainda mais questão ao dizer que os acusados poderiam continuar a ser candidatos enquanto cada vez mais vozes se levantam no seu partido para que estes renunciem. Depois, tentou corrigir o tiro. Diz que está “incrivelmente zangado” com isto e que quem quer que tenha infringido leis “deve não só enfrentar todas as consequências legais mas também ser expulso do partido Conservador”. Mas apenas anunciou uma investigação interna do partido.
Da convocatória-meme ao jogo online
Estas eleições foram convocadas a 22 de maio, apanhando grande parte do mundo político e mediático de surpresa. À chuva, à porta do número 10 de Downing Street, encharcado por não ter chapéu de chuva para o proteger, acompanhado pela banda sonora “things can only get better”, o conhecido hino de campanha dos trabalhistas que os levou à vitória em 1997, colocada por um ativista político que diz defender um sistema político proporcional, Sunak ditada a data das eleições e a imagem tornava-se um meme de sucesso.
As eleições eram esperadas mas o primeiro-ministro tinha dito que seriam no segundo semestre e quase ninguém contava que pudessem ser no Verão, apontando-se geralmente para o outono. Só que no dia anterior ao anúncio, a principal casa de apostas online do país registou um aumento inesperado de apostas com milhares de libras investidas. As probabilidades de haver eleições na data que acabou por ser escolhida eram de cinco para um e os lucros apetecíveis. Por exemplo o assistente parlamentar de Sunak e deputado, Craig William, apostou cem libras e ganhou 500. O diretor de campanha dos Conservadores, Tonny Lee, e a sua mulher, Laura Sanders, também candidatos a deputados, assim como Nick Mason, que gere a base de dados do partido, são outros dos investigados mas não se sabe os detalhes de quanto “investiram”. Soube-se no fim de semana que este último distribuiu as suas apostas em várias tranches de 100 libras, o que resultou diz o Sunday Times em “ganhos acumulados de milhares de libras”. A oposição exige conhecer detalhes de todos os envolvidos no “círculo das apostas”.
Também no domínio do caricato, o escândalo contrastava com uma publicação de campanha do partido que tinha sido colocado no X e foi entretanto retirada. Aí se mostrava uma roleta em que a bola acabava por cair em “mais impostos” e passava a mensagem: “se apostas nos trabalhistas nunca poderás ganhar”. A aposta de alguns Conservadores, afinal, era outra.
Uma campanha desastrosa a coroar os problemas conservadores
À partida, várias sondagens davam a possibilidade da pior derrota do partido num século. Desde então, a imagem de Rishi Sunak tem vindo a ser desgastada por uma soma de pequenos casos. Esta sexta-feira decidiu discutir com uma eleitora num sessão de perguntas e respostas na BBC. Defendeur que iria retirar o Reino Unido do Tribunal Europeu para os Direitos Humanos, que descreveu como um “tribunal estrangeiro”, tendo acabado por ser vaiado pelo público que dizia “vergonha”.
A 6 de junho, abandonou antes do fim as comemorações do dia D, a operação de desembarque na Normandia essencial na IIª Guerra Mundial. Nela estavam presentes veteranos e líderes políticos dos principais países aliados, com exceção da Rússia. As críticas de falta de respeito aos veteranos explodiram e acabou por pedir desculpa. Fê-lo para dar uma entrevista à estação de televisão ITV na qual, questionado sobre se tinha sofrido privações em criança, respondeu que lhe tinham faltado “muitas coisas” como uma parabólica com acesso à Sky, o que agravou a imagem de alguém que não compreende as dificuldades dos cidadãos. Sunak é milionário por causa da imensa fortuna da mulher e dos rendimentos obtidos nos anos de trabalho na Goldman Sachs e outros fundos de investimentos. A notícia recente de que é mais rico do que o rei também não ajudou.
Ampla rejeição também suscitaram a proposta de introdução de serviço militar (ou social) obrigatório aos 18 anos e da de enviar requerente de asilo para o Ruanda, uma proposta em que insiste contra tudo e contra todos e que parece nem sequer convencer os mais ardentes opositores da entrada de imigrantes.
Claro que os problemas dos Tories não começaram no dia em que Sunak decidiu apanhar uma molha. Para além dos impasses económicos estruturais e da persistente crise do custo de vida, vêm da gestão do Brexit e da pandemia por Boris Johnson, sendo o seu momento mais baixo as festas dos altos quadros conservadores, algumas na residência oficial do primeiro-ministro, enquanto o resto do país estava confinado por causa da Covid-19. E também da sua sucessora, Liz Truss, que, com o seu choque liberal catastrófico, apenas durou 45 dias.
Empresário e gestor de sucesso, Sunak entrou então em cena como se fosse um salvador do seu campo político. Pior que estes dois parecia ser impossível.