Entrevista a Pedro Messias, do STEC

“Se o mercado é agressivo, a Caixa não tem de se transformar em mais um agressor”

11 de abril 2024 - 12:15

Em entrevista ao Esquerda.net, o presidente do STEC, Pedro Messias, afirma que a greve de 1 de março não alterou a postura intransigente da administração da Caixa Geral de Depósitos face às reivindicações dos trabalhadores quanto aos aumentos salariais e melhoria das condições de trabalho.

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Pedro Messias
Pedro Messias. Foto STEC.

A petição impulsionada pelo Sindicato de Trabalhadores das Empresas do grupo Caixa Geral de Depósitos (STEC) pede uma nova orientação na gestão da Caixa. Está dominada por uma lógica de banca privada?

Assim é. Principalmente a partir de 2016, e do processo de recapitalização da CGD acordado com Bruxelas, que temos vindo a assistir a uma absoluta mudança do padrão de atuação da CGD, cada vez mais de índole privada, encolhendo progressivamente o seu enraizamento no território nacional, com claro prejuízo da sua “missão pública” de coesão social e territorial.

Naturalmente que os governos não são inocentes na sua atuação. Ou, melhor, na sua não atuação. A partir do momento que é nomeada uma Administração com base em gestores cuja carreira profissional foi toda feita na banca privada, certamente que não se esperava destes uma “missão de serviço público”.

O processo de recapitalização e a sistemática “gestão de índole privada” reflete-se nos mais de 300 encerramentos de agências (locais de trabalho) e na saída de cerca de 2.200 trabalhadores. Um processo complexo, com repercussões terríveis também ao nível da qualidade de prestação de serviço aos seus clientes, passando a CGD a ocupar posições de destaque negativo nos índices de satisfação de clientes e ocupando as posições cimeiras dos Bancos com mais reclamações em Portugal.

Por isso, o STEC defende que a CGD, enquanto banco público, com o Estado como único acionista, deveria, por missão e obrigação, ser uma referência para o mercado, quer nas práticas comerciais, quer no ambiente laboral. Se o mercado é agressivo, a Caixa não tem de se transformar em mais um agressor. Não pode ser esse o papel da Caixa.

O Governo, enquanto representante do acionista único, não pode continuar com as desculpas “esfarrapadas” de que não se quer imiscuir na gestão da Caixa e fazer de conta que está tudo bem. O lucro não pode valer tudo.

Esta orientação agrava também as condições de trabalho no banco?

Em 2023, iniciámos uma campanha subordinada ao tema “Pela dignidade no trabalho”, precisamente pela gravidade da situação que se vive na Caixa, no que se refere às condições de trabalho. Elaborámos uma carta aberta à Administração da CGD, ao Primeiro-Ministro e ao Ministro das Finanças; editámos um livro com 50 testemunhos na primeira pessoa, de entre as centenas que recebemos, relatos duros, sentidos, sofridos, de muita ansiedade e também muita tristeza, que comprova estarmos perante uma gestão insensível e que pensa apenas nos lucros a qualquer preço.

Pretendeu-se que a Administração e o Governo “colocassem a mão na consciência” quanto ao estado a que chegaram as relações humanas na Caixa e a degradação profunda da qualidade do serviço prestado à população.

Até à data de hoje, constata-se uma aparente indiferença em resolver as situações publicadas, agravadas pela preocupação em as silenciar, pelo que só podemos concluir que a razão está do lado do STEC e dos trabalhadores da CGD.
 
E, apesar dos lucros históricos, a gestão da CGD insiste no congelamento das carreiras e na estagnação salarial.

Relativamente ao congelamento das carreiras, o que o STEC pretende mais não é que um tratamento justo e idêntico ao da Administração Pública, de recuperação integral do tempo de serviço congelado.

Os trabalhadores da CGD foram os únicos que viram congelada a progressão na carreira pela não contabilização dos anos de 2013 a 2016 (nenhum bancário teve este tipo de congelamento). Um tratamento absolutamente discriminatório.

Promovemos uma petição pública, que reuniu mais de 2500 assinaturas. PCP e Bloco de Esquerda apresentaram propostas para a contabilização do tempo de serviço perdido. No entanto, desde 2017, os trabalhadores da CGD têm vindo a ser sistematicamente esquecidos e injustamente discriminados, para além de que a aplicação desta medida de “descongelamento” não resultaria qualquer encargo para o Orçamento de Estado.

E a atualização salarial para 2024?

Quanto à negociação da tabela salarial para 2024, registe-se o posicionamento da Administração da CGD, que decidiu avançar unilateralmente com um adiantamento salarial irrisório de 3,25% (valor médio), violando o direito à negociação coletiva e subvertendo por completo o processo negocial em curso.

Após a greve de 1 de março, com o anúncio dos extraordinários resultados de 2023, no valor de 1.291 milhões de euros, e a vontade expressa por um dos administradores no dia da greve de ir ao encontro dos anseios e expetativas dos trabalhadores, esperava-se um reconhecimento na atualização da tabela salarial que viesse ao encontro da última proposta do STEC. Mas tal não aconteceu!

Na primeira reunião após a greve, a intransigência persistiu, com a CGD a insistir nos mesmos argumentos falaciosos de sempre, nomeadamente o risco de insustentabilidade financeira, e a intenção de substituir aumentos salariais justos e dignos por prémios de desempenho. Estes prémios são de natureza puramente casuística, não são universais nem garantidos para futuro, e estão envoltos em critérios opacos, arbitrários e discriminatórios. É isto que a Administração da CGD pensa sobre a “valorização dos seus trabalhadores”.

Além do estrangulamento de carreiras e salários, denunciam também a precariedade e o trabalho excessivo e não pago. Quais são os principais problemas laborais no banco?

O trabalho extraordinário é um flagelo que parece não ter fim. O STEC tem denunciando sistematicamente junto da Autoridade para as Condições do Trabalho a existência de trabalho extraordinário não registado e por isso não pago.

O grande problema resulta do quadro de pessoal deficitário, deficientes aplicações que não respondem às necessidades do quotidiano e um sistema informático com recorrentes constrangimentos. Tudo se reflete, depois, no serviço prestado (ou que não é prestado) ao cliente. Necessariamente, o dia de trabalho tem de ter mais horas para conseguir dar resposta às exigências de trabalho e muito deste trabalho não é pago.

O STEC manteve ativa uma greve às horas extraordinárias no período de dezembro de 2021 a maio de 2022, pelo cumprimento do horário máximo de trabalho e de 1 hora de descanso para almoço, exigindo da Administração o controlo de horário de trabalho em todos os locais de trabalho (Serviços Centrais e Agências) por meios eletrónicos, garantindo o reconhecimento inequívoco do trabalho prestado e o seu devido pagamento. E também pelo fim das práticas de pressão e de assédio que levam a um clima de medo que se está a viver.

O STEC suspendeu a greve quando a Administração, finalmente, implementou o registo de ponto eletrónico na rede comercial. Porém, fê-lo de uma forma tão habilidosa que desvirtua por completo o registo efetivo do tempo de trabalho, forçando o STEC a formular queixa junto da ACT, cujo resultado ainda se aguarda.

O sindicato avançou também com uma ação judicial para garantir a integração de mais de uma centena de trabalhadores nos serviços sociais do banco. O que está em causa?

Com efeito, assim foi. Mais uma vez, confirmou-se a intransigência da Administração em aceitar o óbvio. Em janeiro de 2024, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu, por unanimidade, um acórdão que reconheceu o direito de uma sócia do STEC, de um empresa do Grupo CGD, a CLF – Caixa Leasing e Factoring, à inscrição nos Serviços Sociais da CGD. Decisão que, quanto ao STEC, deveria desde logo ter sido estendida a todos os trabalhadores provenientes daquela empresa, bem como a todos os pré-reformados que à data da incorporação na CGD se encontravam nessa condição. Com alguma estranheza, a Administração veio a negar esse alargamento, ignorando por completo os fundamentos em que assenta a decisão do Tribunal. Decidiu, mais uma vez, insistir numa posição que promove a discriminação interna na empresa, violando os estatutos dos Serviços Sociais da CGD, o Acordo de Empresa e o Código do Trabalho, prosseguindo no aprofundamento da gestão à base da redução cega de custos com os trabalhadores.

Face àquela postura, o STEC teve de intentar mais uma ação judicial em representação dos seus associados, trabalhadores da ex-CLF, contra a Caixa Geral de Depósitos S.A., com a finalidade de obrigar a Administração a inscrever esses trabalhadores nos Serviços Sociais da CGD e a indemnizá-los pelos prejuízos causados.