“Se o jornalismo é um bem público, como é possível que as televisões privadas não tenham acordo de empresa?”

21 de outubro 2020 - 22:34

Na reunião do Bloco com sindicalistas e especialistas na área laboral, a presidente do Sindicato dos Jornalistas falou sobre o impacto da crise no setor e os desafios do teletrabalho.

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Sofia Branco, presidente do Sindicato dos Jornalistas. Foto Manuel de Almeida/Lusa

A questão foi lançada por Sofia Branco, dirigente do Sindicato dos Jornalistas e jornalista da Agência Lusa.  “Enquanto jornalista, o diagnóstico do jornalismo e da comunicação social é que a crise vem agravar a realidade que se sentia há muito no setor”. Desde março, “1um terço dos jornalistas precários ficaram sem trabalho”, revela. Um problema que o regime simplificado de lay-off agudizou, ao “financiar despedimentos”.

Por outro lado, o contexto pandémico revelou “uma relação complexa entre o jornalismo e o teletrabalho que necessita de atenção”. Nomeadamente pela “individualização dos trabalhadores” que agrava a capacidade de relação coletiva nas redações.

“Se é preciso fazer alguma coisa em concreto relacionada com o teletrabalho, é essencial garantir que os direitos não cessam em teletrabalho”, porque, apesar de ser à distância, “continua a ser trabalho”.

“Os jornalistas sabem que a profissão não tem horário certo”. Mas, diz Sofia Branco, assistiu-se “a uma invasão do espaço privado muito preocupante”.

“Fortalecer a contratação coletiva no jornalismo exige pensar além: se o jornalismo é um bem público, como é que é possível que as duas ou três televisões privadas em Portugal não tenham acordo de empresa?”, questiona.

A única estação com acordo de empresa é a RTP, de serviço público. Nem a TVI nem a SIC o celebraram. “Pensarmos no jornalismo como um bem público deve obrigar a contrapartidas concretas”, argumenta.

Os problemas abrangem a questão da transparência: “Porque razão é que só as empresas que estão cotadas em bolsa, que trabalham com um bem público, é que são obrigadas a dizer de mostrar de forma transparente as suas contas?”, questiona Sofia Branco, relembrando que o grupo Global Media não publica as suas contas porque não está cotada em bolsa, apesar de deter vários órgãos de informação.

E critica a Entidade Reguladora da Comunicação Social, que resulta de “um acordo entre o bloco central - PS/PSD -, que não funciona de todo” e cujo funcionamento tem de ser alterado pela Assembleia da República.

Por seu lado, a Autoridade para as Condições do Trabalho “é um problema”. Apesar da falta de meios, “a verdade é que não funciona”. Perante a crise que se avizinha, “se temos esta ACT é o mesmo que ter um regulador: não vai servir”.

Teletrabalho tem de garantir compensação para o trabalhador

Na sua intervenção neste encontro promovido pelo Bloco, o investigador Pedro Estevão defendeu que no teletrabalho “é necessário ter em conta o efeito da transferência de custos para os trabalhadores. Pensar numa regulação do trabalho sem ter em conta pensar em formas de compensação dos trabalhadores não é viável”.

Por isso, acrescentou, “colocar a tónica na ideia de compensação é interessante”, por um lado para “desincentivar o recurso excessivo ao teletrabalho”, sem esquecer “que temos de ser cuidadosos, porque o teletrabalho tanto pode intensificar a exploração dos trabalhadores”, como a fragmentação dos locais de trabalho pode dificultar a ação sindical, e pode também “ser um instrumento de algum peso na conciliação entre vida familiar e profissional”.

A falta de investimento na Educação é uma causa estrutural de atraso nas qualificações

Para o presidente do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, José Feliciano Costa, se a proposta de Orçamento do Estado para 2021 prevê um aumento de 467 milhões de euros para o orçamento da Educação - 6.549 milhões para 7.017 milhões de euros -, deste valor “553 milhões são provenientes de fundos europeus”. O que quer dizer que “afinal o aumento orçamental que foi anunciado não existe”, pois as transferências reais são reduzidas em 86 milhões de euros.

Isto, diz, “é uma tendência crescente no Orçamento do Estado no que diz respeito à Educação” agravado pelo facto de estas verbas terem destino específico, nomeadamente para a Escola Digital, remoção de amianto, obras de requalificação e formação contínua em projetos dirigidos por empresas.

E denuncia a “gritante falta de assistentes operacionais nas escolas”, bem como de professores. Durante a pandemia, o recurso de emergência ao teletrabalho ocorreu de diversas formas “com os meios disponíveis”, um processo que “deixou alunos para trás e que exigiria um enorme reforço de aprendizagens. Mais uma vez, os mais atingidos ao longo deste processo são os mais desfavorecidos, nomeadamente para os alunos com necessidades educativas especiais, sendo nalguns casos atrasos irreversíveis”, lamenta José Feliciano Costa.

Em percentagem do PIB, passámos em 2010 de 5,3% do PIB para 4,2% em 2020. São “3 mil milhões de euros que desapareceram e que deixam marcas”, nomeadamente no “atraso das qualificações” em Portugal, conclui o líder do SPGL.