A campanha para as eleições autárquicas no Brasil entra na sua reta final com a votação a acontecer já no próximo domingo.
Como em qualquer disputa eleitoral deste género, aos fenómenos locais misturam-se as tendências nacionais com muitos dos olhos nela postos a tentar perceber o que indicam sobre as relações de força políticas atuais e o que indiciam sobre o que se vai passar daqui a dois anos nas eleições nacionais. Isto apesar da implantação nacional dos partidos brasileiros ser bem mais desigual do que a dos portugueses, o que dificulta tal leitura genérica.
A importância dos fatores da política local revela-se imediatamente nas sondagens que preveem um número alto de reeleições de atuais prefeitos.
Este e os complexos jogos de alianças locais são elementos que fazem com que o chamado “centrão” e a direita tradicional surjam como favoritos em várias das últimas projeções que têm sido divulgadas. Há que salientar que em cidades como São Paulo, Porto Alegre e Salvador a direita surge aliada com a extrema-direita do Partido Liberal do ex-presidente Jair Bolsonaro. Noutras, o centrão conta com o apoio do PT, que abdicou assim de candidaturas em algumas cidades importantes, como o Rio de Janeiro, a favor de Eduardo Paes, do PSD, ou Salvador, a favor de Geraldo Júnior, do MDB.
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Apresentadores de programas “policialescos” e influencers ao assalto das autárquicas
Porém, a tendência é também para o crescimento da extrema-direita que se apresenta como forte em cidades como Natal, Maceió, Florianópolis, Curitiba, Manaus, Belém, Belo Horizonte e Fortaleza por exemplo.
À esquerda, há a possibilidade de PT ou PSOL alcançarem a segunda volta das eleições em cidades como São Paulo, Fortaleza, Porto Alegre, Teresina e Natal. No caso do PSOL, as atenções estão concentradas em São Paulo mas também em Belém, onde o seu atual prefeito, Edmilson Rodrigues, luta pela difícil reeleição, e no Rio de Janeiro, onde a candidatura de Tarcísio Motta se encontra em terceiro lugar.
Em São Paulo, Boulos traz programa de esperança contra a bolsonarização da política
Para além da contabilidade eleitoral final, que só será possível depois das segundas voltas a 27 de outubro, que por lei só podem acontecer nas maiores cidades, grande parte das lições nacionais do processo serão retiradas a partir do que suceder na maior cidade do país, São Paulo.
Aí, a esquerda é representada pelo deputado federal Guilherme Boulos, do PSOL. E enfrenta o empresário e atual prefeito Ricardo Nunes, do MDB e também apoiado por Bolsonaro, e Pablo Marçal, um conhecido “coach” e “influencer” de extrema-direita que de outsider à partida passou a um dos principais candidatos.
O candidato da esquerda vai à luta com um programa com o objetivo de combater as desigualdades sociais. Uma das suas propostas mais emblemáticas é a construção de 50.000 novas habitações populares em quatro anos. Na plano da habitação propõe ainda o arrendamento de prédios públicos a preços sociais e um programa de melhoria da qualidade de vida nas favelas. Na saúde, propõe a construção de 16 policlínicas e centos de diagnóstico, um programa de contratação de médicos especialistas, um programa de saúde digital, um reforço da atenção à saúde mental. Na educação, pretende construir 22 “centros educacionais unificados”, dar acesso alunos de todas as escolas a atividades culturais, desportivas e de lazer, transformando a escola num “espaço de convivência, cooperação e pertença à comunidade”, e abrir as escolas à comunidade nos fins de semana.
Polarização, sim ou não?
Muitas das análises sobre estas eleições têm repetido que elas ficam marcadas por uma ausência da polarização que tem sido traço da política brasileira nos últimos anos. Por exemplo, Lauriberto Pompeu, no jornal Globo, salienta que apenas numa capital estadual estará prevista uma segunda volta entre o PT e PL e que nas 26 principais cidades do país, “em apenas oito há candidatos dos dois partidos no mesmo pleito”.
Josué Medeiros, na Carta Capital, opõe-se a esta leitura. Para isso, apoia-se em algumas sondagens que mostram um crescimento da extrema-direita “em diversas cidades, independentemente das particularidades locais”. Depois da derrota eleitoral de Bolsonaro nas presidenciais em 2022 e dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 que visavam impedir a tomada de posse de Lula, a extrema-direita parecia estar na defensiva. Mas “as eleições de 2024 demonstram que esse campo segue capaz de polarizar a sociedade brasileira com o seu projeto autoritário”, afirma o professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Janeiro.
Apesar de reconhecer a predominância habitual em muitas das grandes cidades da direita tradicional, com base no monitoramento do Observatório Político e Eleitoral defende que tem surgido um movimento de “procurar os polos”. Isto acontecerá no Rio de Janeiro, onde o atual prefeito parecia ter a vitória assegurada mas agora vê o candidato de Bolsonaro, Alexandre Ramagem, colocar-se em situação de disputar a segunda volta mas também em cidades como Goiânia, Belo Horizonte e Fortaleza.
Do lado contrário, salienta crescimentos inesperados à esquerda em Florianópolis e Natal, por exemplo.
Assim, “boa parte das capitais” acaba por recair de uma ou outra forma num dos lados da polarização com uma parte dos candidatos apoiado por Lula e outra por Bolsonaro, exemplificando com Salvador, Recife, São Luiz, Teresina, Vitória, Porto Alegre, Fortaleza, Goiânia.
Para ele, São Paulo é o exemplo paradigmático desta polarização. A grande coligação de apoio à candidatura de Ricardo Nunes só contou com apoio de Bolsonaro “a contragosto”. Mas um candidato da extrema-direita acabou por singrar a partir do apoio do eleitorado polarizado que se reviu em Pablo Marçal. A candidatura deste obrigou mesmo a “um processo de bolsonarização da figura de Nunes”, adotando o discurso mais radical na tentativa de travar a ascensão daquele que se arrisca a ir à segunda volta.
Violência política duplica
Um sinal diferente da intensificação da disputa política no Brasil é a continuidade do crescimento da violência política. De acordo com a investigação “Violência Política e Eleitoral no Brasil”, da responsabilidade das organizações sociais Terra de Direitos e Justiça Global, em quatro anos a violência política duplicou no país.
Isto quer dizer que em cada dia e meio de 2024 se registou um caso. Foram, desde o início do ano até 15 de agosto, quando começou a propaganda eleitoral, pelo menos 145 ocorrências, 14 das quais assassinatos. Em comparação, em 2000, ano das últimas eleições municipais, tinha havido entre o início do ano e 26 de setembro 64 casos.
O número de casos de violência até meados de agosto já supera todo o ano passado. Os investigadores ressalvam que os números não corresponderão a toda a realidade, pois haverá uma subnotificação.
Glaucia Marinho, diretora-executiva da Justiça Global, diz que há casos a atingirem representantes de “partidos de todas as linhas ideológicas” mas que “os partidos de esquerda foram os alvos mais frequentes”.