A crise financeira de 2008 levou a uma redução das emissões de gases com efeitos de estufa (GEE) nos países desenvolvidos. A nível mundial isso levou a uma redução para metade do ritmo de crescimento das emissões. Contudo, a seguir houve um rápido crescimento nas emissões, os sistemas produtivos e energéticos mantiveram-se inalterados e os lucros prosseguiram. Nada de novo para ver aqui. Mas não deixa de ser elucidativo que, no “business as usual”, a quebra abrupta de emissões se deva à perda de empregos e a um aumento drástico da desigualdade na sociedade. Esta não pode ser a resposta climática.
A crise climática leva a alteração nos ecossistemas, perdas de biodiversidade, fenómenos climáticos extremos mais frequentes, cheias, incêndios, subida do nível do mar, etc. Estes impactos atingem de forma mais intensa em países mais pobres que contribuíram menos para as emissões de GEE. E, dentro de cada país, igualmente de forma mais gravosa nas comunidades mais empobrecidas e nas comunidades indígenas. Há quem tenha perdido a sua casa e mesmo quem tenha que se deslocalizar. Há quem tenha menos acesso a comida e água potável.
Mas estes não são os únicos impactos da indústria dos combustíveis fósseis. Poluem linhas de água, oceanos e o ar (nomeadamente por partículas finas) com consequências para o ambiente e para a saúde pública. Novamente são as comunidades mais empobrecidas que mais os sofrem, assim como os trabalhadores dessas indústrias.
O reverso da medalha da elite que enriqueceu com a exploração de recursos naturais, com as guerras pelo controlo destes territórios e com a destruição do planeta é a criação de desigualdade, pobreza e exclusão. O caminho da resposta climática tem que inverter esta lógica: precisa salvar o planeta e contribuir para uma sociedade mais igualitária e justa. Justiça climática é a resposta. E a criação de emprego como meio de redistribuição de riqueza e de transformação da nossa vida coletiva é uma peça fundamental.
Só é possível uma resposta atempada e eficiente através de uma forte desativação da indústria fóssil e a sua substituição por fontes renováveis. Portanto há empregos que vão deixar de existir no futuro. A primeira prioridade é garantir que todas estas pessoas são requalificadas e que mantém o seu emprego, os respetivos direitos e que são reafetadas às renováveis ou à eficiência energética.
Em Portugal teremos o encerramento das centrais de produção elétrica a carvão do Pego e Sines em 2021 e 2023. Se algum emprego se perder, terá a desconfiança da população e terá falhado em contribuir para uma sociedade mais justa. A transição energética faz-se com e para as populações, saibamos dar o exemplo já no próximo ano.
A transição justa implica igualmente a vasta criação de emprego, nomeadamente na área da energia, dos transportes, da construção, da floresta e da agricultura, na preservação de ecossistemas sumidouros de carbono. A boa notícia é que o investimento em energias renováveis gera mais empregos que nas fósseis.
A transição justa implica igualmente a vasta criação de emprego, nomeadamente na área da energia, dos transportes, da construção, da floresta e da agricultura, na preservação de ecossistemas sumidouros de carbono. A boa notícia é que o investimento em energias renováveis gera mais empregos que nas fósseis.
É necessário que a sociedade defina regras à produção, nomeadamente para sair do conceito do descartável e da sobreembalagem. Que se reconvertam as indústrias pesadas (cimento, celulose, aço, etc). Que a produção energética seja com renováveis e tenha uma grande componente de produção comunitária local, permitindo ter edifícios neutros em carbono. Que a rede ferroviária seja ampliada e eletrificada. E que haja mais e melhores transportes públicos e neutros em carbono.
Há outra questão que precisa de resposta: o financiamento das políticas públicas e dos empregos para a resposta climática. A tentativa é colocar a classe trabalhadora novamente a pagar. Veja-se os protestos em França perante o anúncio de aumento dos impostos sobre os combustíveis fósseis. Foi um fenómeno complexo, mas o rastilho simples de identificar: mais um sobrecusto sobre a vida dos trabalhadores sem que tivessem alternativa às suas deslocações pendulares casa-trabalho de carro. Compare-se com a redução do preço dos passes em Portugal e, mais ainda, com os transportes públicos gratuitos em todo o Luxemburgo.
Novamente é necessário aplicar o critério da justiça climática e social. Chegou o momento da indústria que nos trouxe à crise climática contribuir para a resolução do problema, assim como a finança que se esconde em offshores finalmente pagar a sua parte.
Para além disso existe o custo de não fazer nada. Um custo drástico e irreversível para algumas populações. Portugal será o décimo país no mundo com maior perda económica face aos danos na natureza em resultado da crise climática, estimando-se uma perda de 1,95% no PIB em 2050.
A transição energética e ecológica justa não responde só à crise climática. Elimina fontes de poluição e causas de problemas na saúde pública. Cria emprego e soluções de igualdade, nomeadamente mais transportes públicos e erradicação da pobreza energética. E é essencial que seja mesmo isso: uma reposta não só ao planeta, mas também à vida das pessoas. Só assim resolvemos o problema, mas também só assim criamos um movimento amplo com a confiança e envolvimento das populações para uma alternativa ao atual sistema.
Artigo publicado na revista Esquerda em março de 2020.