As eleições senatoriais e regionais realizadas no passado domingo na República Checa saldaram-se numa grande derrota para os social-democratas e comunistas e uma grande subida dos “piratas”. O partido do primeiro-ministro, Andrej Babiš, melhorou, ligeiramente, as suas posições, mas foi a oposição de centro-direita que mais ganhos registou.
As legislativas de 2017 foram ganhas pelo ANO 2011 (Ação dos Cidadãos Insatisfeitos), formação populista de centro, liderada pelo atual chefe do governo, um dos homens mais ricos do país, proprietário de um grande grupo económico e de comunicação social, conhecido como o “Berlusconi checo”. Acabou por fazer uma coligação com o Partido Social Democrata Checo (ČSSD), apoiada no Parlamento pelo Partido Comunista da Boémia e Morávia (KSČM).
Como é frequente suceder, foram as formações políticas menores da maioria governamental as mais penalizadas pelo desgaste do governo.
As eleições senatoriais
A República Checa possui um Parlamento bicameral:
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a Câmara dos Deputados, constituída por 200 membros, eleitos por sufrágio universal, direto e secreto, através de um sistema de representação proporcional, para um mandato de quatro anos;
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o Senado, composto por 81 senadores, eleitos em círculos uninominais, no sistema maioritário a duas voltas, para um mandato de seis anos, sendo a cada dois renovado 1/3.
O essencial do poder reside na primeira, a única que pode aprovar o programa do governo, moções de confiança e de censura ao executivo e o orçamento de Estado.
A segunda tem relativamente poucos poderes e muitos questionam a sua utilidade, já que apenas pode atrasar a entrada em vigor da legislação, pois um eventual veto do Senado pode ser revertido por maioria absoluta da Câmara dos Deputados. Contudo, alterações à Constituição, às leis eleitorais e a ratificação de tratados internacionais necessitam de ser aprovadas pelas duas câmaras.
Este domingo ocorreu a primeira volta das eleições senatoriais. Dos 27 lugares em jogo, 10 pertenciam ao ČSSD. Contudo, desses, sete estão já perdidos, pois os candidatos social-democratas foram eliminados, enquanto em outras duas circunscrições partem em desvantagem para a 2ª volta. Em contrapartida, apenas têm uma hipótese remota de conquistar um lugar e, mesmo aí, integrados numa lista de uma formação regional.
Já o partido do chefe do governo, o ANO 2011, que tinha apenas dois lugares a escrutínio, só perdeu um, enquanto parte em vantagem para manter o outro. Por outro lado, estará presente, no 2º turno, noutras cinco circunscrições, partindo à frente em duas.
A direita, no seu conjunto, melhorou, no geral, a sua votação e beneficia de algumas coligações entre algumas das suas principais forças em algumas circunscrições.
Neste campo, apenas os democrata-cristãos da União Democrata-Cristã – Partido Popular Checo (KDU-ČSL) recuaram ligeiramente. Dos cinco lugares que tinham a defender, perderam já dois e um terceiro está praticamente perdido, dada a distância para o candidato que ficou em primeiro lugar. Contudo, parte à frente nos outros dois e disputa outros quatro, dois deles em primeiro lugar.
Por seu turno, o partido “Mayors” e Independentes (STAN), uma formação de centro-direita, defensora da descentralização regional e municipal e pró-UE, irá reforçar as suas posições. Dos seus três lugares que estavam em disputa, um foi ganho à 1ª volta (o único dos 27) e está bem colocado para manter os dois restantes. Simultaneamente, mantém-se na corrida em mais sete círculos, partindo em primeiro lugar em cinco, pelo que tudo indica que aumentará a sua representação.
Outro vencedor é o liberal-conservador e eurocético Partido Democrático Cívico (ODS), que apenas tinha em jogo dois lugares. Desses, parte para a 2ª volta à frente num e atrás noutro. Porém, ainda se encontra na liça em oito circunscrições, estando em primeiro em três delas.
Ainda à direita, o partido Tradição, Responsabilidade e Prosperidade (TOP 09), conservador e pró-UE, sem nenhum lugar em disputa, mantém a possibilidade de conquistar três, em especial os dois em que segue em primeiro lugar para o 2º turno.
De outras formações, o Partido Verde (Zelení) confirmou a sua decadência, após ter entrado num governo com a direita e se ter aliado preferencialmente, nas últimas senatoriais e regionais, aos democrata-cristãos. Assim, perdeu os seus dois lugares que estavam agora em jogo e só muito remotamente poderá conquistar outro, numa circunscrição em que parte em segundo lugar..
Já o Partido Pirata Checo (Piráti), que beneficiou da queda dos Verdes, ocupando, de certa forma, o seu lugar, subiu bastante a sua votação, embora o sistema maioritário não o favoreça. Não tendo o seu único senador a votos, vai disputar dois lugares: num sai à frente, enquanto no outro parte bastante atrás.
Finalmente, o KSČM e o partido populista da extrema-direita Liberdade e Democracia Direta (SPD) não possuem qualquer lugar no Senado e assim continuarão. O sistema maioritário a duas voltas é pouco amigo das forças políticas situadas nos extremos do espectro político, que têm pouca capacidade para encontrar parceiros, exceto se possuírem bastiões eleitorais, o que não sucede nestes dois casos.
Os restantes três senadores que foram a votos pertencem a pequenas forças políticas, uma delas de cariz regional. Todas elas deverão conservar os respetivos lugares, podendo, ainda, ir buscar mais um ou dois.
Face ao quadro resultante da primeira volta, é certo que a oposição reforçará a sua esmagadora maioria no Senado, onde os partidos do governo apenas possuíam 19 lugares (13 do ČSSD e 6 do ANO 2011), enquanto a oposição de centro-direita tinha 46 (15 o ODS, 13 a KDU- ČSL, 10 o STAN, 3 o TOP 09 e 5 pequenos partidos) e os também oposicionistas Verdes e Piratas, três e um, respetivamente. Os restantes 12 estavam na posse de formações regionais e independentes.
Ora, desses 19, oito estão perdidos e quatro em risco. Se, teoricamente, poderiam ir buscar mais cinco, apenas em um o candidato do ANO 2011 parte na frente, pelo que a representação dos partidos da coligação governamental ficará ainda mais reduzida. Logo, será impossível Babiš levar a efeito algumas reforças constitucionais que gostaria de fazer, como a instituição do sistema maioritário para a eleição da Câmara dos Deputados.
As eleições regionais
No mesmo dia, realizaram-se, igualmente, as eleições para as 13 regiões administrativas (kraje) em que se divide o país. De fora, ficou Praga, que tem o estatuto de cidade-capital, exercendo, em simultâneo, as funções de região e município. Daí que a sua assembleia seja escolhida nas eleições municipais.
As assembleias regionais são eleitas por sufrágio universal, direto e secreto para um mandato de quatro anos, através de um sistema de representação proporcional. Tal como sucede nas eleições para a Câmara dos Deputados, existe uma cláusula-barreira de 5%.
Dada a existência de várias coligações, torna-se difícil apresentar os resultados de algumas forças políticas. Nesses casos, optei por somar, às percentagens que esses partidos obtiveram isoladamente, aquelas que conseguiram quando concorreram aliados a pequenos partidos e movimentos regionais e apresentar à parte os das coligações entre as maiores formações.
Mais até que na eleição senatorial, neste ato eleitoral foram percetíveis as tendências que referi no início deste texto.
Assim, o ANO 2011 foi a força política mais votada, com 21,8% dos votos, contra os 21,0% de 2016. O partido ficou à frente em dez regiões, contra nove há quatro anos: recuperou duas ao ČSSD e uma ao KDU-ČSL, mas perdeu uma para o STAN e outra para uma coligação entre este, o ODS e uma pequena formação regional. Em percentagem de votos, subiu em 10 (na sua maioria, muito ligeiramente) e desceu em três.
Por seu turno, os Piráti foram os grandes vencedores, obtendo 12,0%. Em Olomouc, uma coligação com o STAN valeu 1,3% do voto nacional. Ganhou representação nos 13 parlamentos regionais, depois de, nas municipais, ter conquistado o município de Praga. Nas últimas eleições, o partido não tinha ido além dos 3,5%, tendo apenas ficado representado em três regiões, sendo que, em duas delas, graças a uma coligação com os Verdes.
Considerando as alianças com pequenas formações, o STAN foi a terceira força política, com 9,5% dos votos. Em coligação, para além dos 1,3% acima referidos, registou 1,5% de uma aliança com o ODS e um pequeno partido, em Hradec Králové, e mais 0,4% com o TOP 09, em Karlovy Vary. Conseguiu representação em 12 regiões, embora em quatro delas através de movimentos regionais de “mayors”. Foi o mais votado na Boémia Central (a região que rodeia Praga) e, no quadro da referida coligação, em Hradec Králové. Em quase todas, a sua votação teve uma subida significativa face às últimas regionais, onde obtivera 7,5%, considerando as alianças com pequenas forças políticas, mais 0,9% em conjunto com o TOP 09, o que lhe permitiu ter representação em 11 assembleias (uma delas através de forças políticas regionais).
O ODS confirmou a sua subida, obtendo 9,4% dos sufrágios, incluindo alianças com pequenos partidos. Além disso, há a acrescentar os 3,8% de várias coligações com o TOP 09, mais 1,5% da coligação acima mencionada e 0,2% com a KDU-ČSL, mantendo.se representado nas 13 regiões. A sua coligação com o STAN e uma formação local foi a mais votada em Karlovy Vary. Em 2016, concorrera sozinho a todas elas e obtivera 9,5%. Desta vez, apenas se apresentou isoladamente em seis e subiu bastante em todas elas, sendo também muito positivos os resultados das coligações em que se apresentou.
Por seu turno, o ČSSD confirmou o desastre já referido nas eleições senatoriais, não indo além de 6,7% dos votos, mesmo em coligação com movimentos locais em três regiões, e deixou de estar representado em cinco das 13 assembleias regionais. Nas últimas eleições, os social-democratas concorreram isoladamente a todas elas e foram o segundo partido mais votado, com 15,2%. Conseguiram, então, representação em todas as regiões, tendo sido os mais votados em duas delas.
Seguiu-se o SPD, partido da extrema-direita, que melhorou ligeiramente a sua votação e as suas posições, obtendo 6,1% dos sufrágios e representação em nove regiões, tendo, nas restantes quatro, ficado muito próximo da cláusula-barreira de 5%. Nas últimas regionais, obtivera 5,7% e conseguira ficar representado em 10 assembleias, mas em coligação com o social-conservador Partido dos Direitos Cívicos (SPO), do presidente Miloš Zeman, que, agora, não se apresentou a sufrágio.
Entretanto, a KDU-ČSL foi a única das maiores forças políticas do centro-direita a sofrer um recuo, mesmo que ligeiro, neste ato eleitoral. Assim, isoladamente e em coligação com movimentos locais, os democrata-cristãos conseguiram 5,6% dos votos. A esses, há a juntar as várias coligações em que participou: 1,2% com o TOP 09 e os Verdes, 0,9% só com o primeiro e 0,2% com o ODS. Ficará representado em sete das oito regiões a que concorreu. Em 2016, quando se apresentou apenas em seis (numa delas coligado com uma formação local) obteve 6,8% dos votos, sendo a força política mais votada na de Zlín, no extremo leste, e obtido representação em todas elas.
Já o KSČM teve um resultado desastroso, quedando-se nuns modestos 4,8% dos sufrágios. Perdeu mais de metade dos votos em todas as regiões, pelo que ficou representado apenas em quatro assembleias regionais. Em 2016, os comunistas tinham chegado aos 10,5% e obtido representação nas 13 regiões, tendo sido, então, o segundo partido mais votado na de Ústi nad Labem.
Por sua vez, o TOP 09 apresentou-se em nove regiões, mas sempre em coligações, o que torna difícil analisar a evolução da sua votação. As quatro alianças que efetuou com pequenas formações ou movimentos locais obtiveram 2,5% dos votos, mas as coligações com o ODS atingiram 3,8%, com a KDU-ČSL 0,9% e com o STAN 0,4%. No final, conseguiu ficar representado em oito assembleias regionais, falhando a nona por centésimas. Em 2016, concorrera a 10 regiões, oito das quais isoladamente, e obtivera 4,3% dos votos, mais 0,6% em aliança com o STAN, mas só conseguira representação em cinco.
Por fim, o novel Movimento Cívico Tricolor (Trikolóra), formação nacional-conservadora e eurocética, formada por Vaclav Klaus Jr., filho do primeiro chefe de governo do país, após a separação da Eslováquia, e fundador do ODS, ficou-se pelos 3,2% e só conseguiu representação em Zlín, graças a uma coligação com o conservador Partido dos Proprietários da República Checa (SsČR) e um grupo de independentes.
Como é habitual nestas eleições no país, a participação eleitoral foi baixa, quedando-se nos 38,0%. Apesar de tudo, melhorou, já que, há quatro anos, fora apenas de 34,5%. Em comparação, nas legislativas de 2017 foi de 60,8%.
Que quadro político até às legislativas?
Com as próximas eleições para a Câmara dos Deputados marcadas para outubro do próximo ano, resta saber qual a atitude das várias forças políticas.
Face aos péssimos resultados obtidos nestes atos eleitorais, social-democratas e comunistas poderão ser tentados a deixar o governo (os primeiros) ou a retirar-lhe o apoio parlamentar (os segundos), abrindo uma crise política. Porém, “abandonar o barco” um ano antes das legislativas não seria, muito provavelmente, suficiente para fazer esquecer o seu papel na governação. E, caso Babiš decidisse avançar para eleições antecipadas, seriam, certamente, bastante penalizados.
Contudo, não parece que, nessa eventualidade, o primeiro-ministro optasse por ir a votos, pois, embora o seu partido se tenha aguentado relativamente bem, ao contrário dos seus parceiros de coligação, não teve um resultado que lhe assegure o reforço da sua representação parlamentar. Sendo, essencialmente, um político pragmático, sem grande consistência ideológica, seria, provavelmente, tentado a coligar-se com o SPD, juntando aos 78 deputados do ANO 2011 os 22 da extrema-direita, ficando com metade dos lugares da câmara baixa do Parlamento. Para garantir a maioria, poderia recorrer ao apoio parlamentar da Trikolóra, representada por três deputados dissidentes do ODS. Uma solução que seria, muito provavelmente, aplaudida pelo presidente Zeman.
Daí que seja provável o ČSSD e o KSČM continuarem a apoiar Babiš, permitindo a sobrevivência do executivo, que, através de medidas populistas, tentará recuperar algum apoio. E há sempre o fator CoViD-19: se, num primeiro tempo, o país foi elogiado pela forma como conteve a pandemia, nos últimos tempos viu os casos aumentarem com alguma intensidade. Da forma como as coisas correrem nesse campo pode depender o futuro do governo e o resultado das legislativas.