Europa Central e de Leste: Sob o signo dos populismos e do autoritarismo
É a região mais instável da Europa, onde os estados nacionais se consolidaram tardiamente. Sem tradições democráticas, as novas democracias liberais surgiram nos anos 90, na sequência do colapso do “império soviético” e dos regimes “comunistas”. A transição para o capitalismo teve enormes custos sociais e marcou o aparecimento de numerosos oligarcas, uns oportunistas novos-ricos, outros antigos “apparatchiks”, que aproveitaram a ocasião para enriquecer rapidamente à custa da pobreza de muitos. Daí que, em alguns desses países, a corrupção tenha aumentado bastante e se tenha tornado endémica ou quase. A adesão à UE permitiu-lhes um razoável crescimento económico, mas este tem sido distribuído, quase sempre, de forma desigual. Num quadro político onde a esquerda é, em geral, irrelevante, o descontentamento é aproveitado por populistas com diferentes roupagens, mas quase sempre reacionários a vários níveis.
Começando pelos estados bálticos, vemos que estes conhecem um elevado crescimento económico. Contudo, o descontentamento com as desigualdades sociais e a corrupção leva a que os governos não durem mais de um mandato. Para além de tudo, a maior agressividade da Rússia na cena internacional e a ambiguidade nas relações entre Trump e Putin preocupa os bálticos, que começam a duvidar que a NATO seja o garante absoluto das suas independências, como suponham aquando da sua adesão à organização.
Na Estónia, a mais estável e com um sistema partidário mais consolidado, os liberais do Partido da Reforma (RE) foram os mais votados, mas não conseguiram formar governo. Assim, o primeiro-ministro Jüri Ratas, do centrista-populista Partido do Centro (KESK) acabou por permanecer no poder, apesar do ligeiro recuo do seu partido, formando uma coligação governamental com os conservadores do Isamaa (I) e também com o Partido Popular Conservador (EKRE), da extrema-direita populista, apesar de, na campanha eleitoral, ter descartado essa possibilidade. Este último foi o que mais subiu, tendo obtido quase 18% dos votos. Por seu turno, os social-democratas (SDE), antigos parceiros de governo de Ratas, sofreram perdas severas e passaram à oposição. Ou seja, como tínhamos admitido em 2019, verificou-se um realinhamento partidário em função dos resultados eleitorais.
Já na Letónia, mais pobre e com maior percentagem de população russófona, as eleições de 2018 produziram um verdadeiro “terramoto eleitoral”, que “varreu” tanto os partidos da coligação governamental como a maior parte da oposição e viu três novos partidos (um populista, um conservador e um liberal) obter representação parlamentar. Apesar de os social-democratas russófonos terem sido os mais votados, as restantes formações estabeleceram um “cordão sanitário” à sua volta, acabando por acordar num governo pentapartidário, liderado pelo liberal-conservador Krišjānis Kariņš. Este inclui o seu partido, a Unidade (V), as três forças políticas emergentes e a Aliança Nacional (NA), da extrema-direita.
Na Lituânia, haverá eleições legislativas em outubro. Num quadro parlamentar bastante fragmentado, a coligação governamental entre agrários e social-democratas, liderada por Saulius Skvernelis, com a escassa maioria de um lugar, deverá cumprir toda a legislatura. Contudo, está em perda nas sondagens, o que parece indicar que o elevado crescimento económico do país não tem beneficiado o conjunto da sociedade.
Na Europa Central, o famigerado “grupo de Visegrado” mantém a suUma viagem pelo mundo em 2020 (3): a Europa do sula política de linha dura face à imigração e aos refugiados, não falando já na discriminação que sofrem as minorias ciganas. No fundo, com diferentes roupagens, os quatro países que o integram são dirigidos por líderes populistas.
Na Polónia, o PiS, partido social-conservador e nacionalista, muito ligado à reacionária Igreja Católica local, aumentou a sua votação nas legislativas de outubro, beneficiando de uma situação económica relativamente favorável e das suas políticas de cariz assistencialista. Porém, viu reduzir-se a maioria absoluta no Sejm, a câmara baixa do Parlamento, devido ao regresso dos social-democratas (SLD) à representação parlamentar, que haviam perdido em 2015. Mas, num revés inesperado, acabou por perdê-la no Senado, o que pode dificultar a passagem de alguma legislação. A coligação liberal-conservadora (KO), formada em torno da PlataformUma viagem pelo mundo em 2020 (3): a Europa do sula Cívica (PO), o principal partido da oposição, recuou no Sejm, mas progrediu no Senado, graças ao “voto útil” do eleitorado oposicionista, enquanto a aliança entre o agrário PSL e o populista Kukiz15 sofreu uma quebra significativa. Entretanto, a extrema-direita, agrupada na Confederação (KWiN), liderada pelo misógino Korwin-Mitte, conseguiu entrar no Parlamento. As intenções explícitas do governo de controlar o poder judicial têm tido a oposição do Parlamento Europeu, levando a ameaças de sanções por parte de Bruxelas, embora seja difícil que estas se venham a concretizar.
Na República Checa, o primeiro-ministro Andrej Babiš, populista do centro, é um empresário conhecido como o “Berlusconi checo”, acusado de fraudes com fundos da UE quando era ministro daUma viagem pelo mundo em 2020 (4): a Europa ocidental e do nortes Finanças. Governa com em coligação com os social-democratas e o apoio dos comunistas no Parlamento, com forte oposição de outras forças políticas. Nas sondagens, o seu partido, o ANO 2011, mantém-se estável (em redor dos 30%). Já os seus parceiros da maioria parlamentar parecem recuperar, após terem sofrido perdas significativas nas últimas europeias. A oposição de direita encontra-se bastante fragmentada e os Piratas, uma formação de centro-esquerda, social-libertária e pró-UE, surgem na segunda posição em vários inquéritos. Já o partido Liberdade e Democracia Direta (SPD), da extrema-direita, parece estar a perder apoio.
Mais complicada é a situação na Eslováquia, onde se verifica uma grande fragmentação do quadro partidário. Robert Fico, um populista, cujo partido, o Smer-SD, se afirma social-democrata e faz parte da “família” socialista europeia, demitiu-se da chefia do executivo após o assassinato de um jornalista que investigava a corrupção no seu governo, tendo sido substituído por Peter Pellegrini. Porém, continua a liderar o partido. Este encontra-se coligado, na governação, com o Partido Nacional Eslovaco (SNS), da direita nacionalista, e a Ponte (Most-Híd), formação liberal-conservadora que representa os setores mais moderados da minoria húngara (mais de 10% da população). No final de fevereiro, haverá eleições legislativas e as sondagens mostram uma fragmentação ainda maior. O Smer-SD deverá perder quase metade da sua votação e, embora ainda apareça na frente, está abaixo dos 20%. Também os seus parceiros de coligação se encontram em perda, correndo o risco de não atingiram os 5% da cláusula-barreira. Mas o mais alarmante é ver a coligação liderada pela nazi-fascista L’SNS, de Marian Kotleba, em segundo lugar nas sondagens, com uma previsão de cerca de 12% dos votos. Há, ainda, outra força da extrema-direita populista, o Somos Família (Sme Rodina), na casa dos 7%. À volta dos 10% estão duas novas formações: o liberal-conservador Pelo Povo (ZL), formado pelo ex-presidente Andrej Kiska e o social-liberal Eslováquia Positiva (PS), da atual presidente Zuzana Čaputová. Duas forças políticas conservadoras (a aliança liderada pelo OL’aNO, pró-UE, e o SaS, eurocético) deverão perder votos, enquanto o democrata-cristão KDH poderá recuperar a representação parlamentar, de onde foi afastado nas últimas legislativas.
Na Hungria, Orbán e o respetivo partido continuam o seu reinado autoritário, com o poder judicial controlado e a comunicação social amordaçada. Apesar disso, o Fidesz continua a ser membro do Partido Popular Europeu (a que pertencem PSD e CDS), sem que este tenha a vontade política de expulsá-lo. Os protestos contra as reformas laborais regressivas do governo (o aumento do trabalho extraordinário não pago, conhecido como “lei da escravatura”), que levaram às ruas milhares de manifestantes em dezembro de 2018, deram nova alma à oposição, até aqui bastante dividida. Esta uniu-se nas eleições regionais e autárquicas de outubro e o seu candidato ganhou o município de Budapeste, naquele que foi o primeiro grande revés eleitoral do primeiro-ministro e do seu partido desde 2010. No entanto, o Fidesz venceu facilmente as europeias e continua a rondar os 50% nas sondagens, enquanto duas forças social-democratas (MSZP e DK), o centrista MM e o o Jobbik, partido originariamente da extrema-direita radical, mas que moderou o seu discurso e as suas posições para tentar federar os descontentes, aparecem com intenções de voto pouco acima dos 10%. Tal como no caso polaco, a política menos liberal da direita húngara e o seu nacionalismo permitiram-lhe consolidar o apoio de grande parte da população.
Também nos países membros situados no Sudeste do continente, a hostilidade aos refugiados, a homofobia e as tentações autoritárias estão ao virar da esquina.
Na Eslovénia, num quadro parlamentar muito fracionado, a coligação pentapartidária de centro-esquerda, sob a liderança de Marjan Šarec, com o apoio do parlamentar dos dois representantes das minorias nacionais (um italiano e um húngaro) e do partido de esquerda Levica, vai-se mantendo no poder. Nas últimas europeias, a maior força política do país, o nacional-conservador e populista SDS, de Janez Janša, aliado ao pequeno partido agrário (SLS) foi o mais votado, mas as principais formações da coligação, os social-democratas (SD) registaram fortes ganhos e os social-liberais da LMŠ, do primeiro-ministro, estrearam-se com um bom resultado. Já a Levica desiludiu, pois a sua cabeça de lista e “spitzkandidate” da esquerda europeia não conseguiu ser eleita. Para já, as sondagens são simpáticas para o governo, mas o executivo é frágil e, num país onde a política é bastante personalizada (vários partidos têm o nome dos seus líderes), a crise pode estar “ao virar da esquina”.
Entretanto, na vizinha Croácia, o quadro é mais claro, com a coligação da direita, liderada pelo conservador HDZ, no poder, com o apoio de pequenos partidos de centro-direita e das minorias nacionais (incluindo a sérvia), e a da esquerda, onde pontificam os social-democratas do SDP, na oposição. A situação económica não é a melhor e a popularidade do governo de Andrej Plenković está em queda. Essa circunstância foi decisiva para o resultado das recentes presidenciais, onde a direita apareceu dividida, entre a presidente Kolinda Grabar-Kitarović, ligada ao HDZ, e Miroslav Škoro, um independente apoiado por várias formações da direita radical. A incumbente passou com dificuldade à 2ª volta, onde foi derrotada pelo ex-primeiro-ministro social-democrata, Zoran Milanović. Em dezembro, haverá legislativas e a vitória do seu candidato catapultou o SDP para o topo das sondagens, mas a sua vantagem face ao HDZ é pequena. Entretanto, o populista Živi zid (Parede Humana), formação inspirada no M5S italiano, que parecia estar em acentuado crescimento, rapidamente perdeu apoio, após o abandono do seu líder e fundador, Ivan Pernar.
Por seu turno, na Roménia, o bom ritmo do seu crescimento económico não beneficia a maioria da população e anda a par com uma corrupção quase endémica, que suscita protestos populares e trucida governos. Os social-democratas do PSD, que se encontravam no poder desde 2012, viram-se a braços com um número interminável de casos de corrupção. Após vencerem as eleições de 2016, coligaram-se com os conservadores-liberais da ALDE. Essa maioria ensaiou uma via autoritária, procurando aprovar legislação que permitisse controlar o poder judicial e governamentalizar a informação, como forma de garantir impunidade aos dirigentes do partido neles envolvidos e de abafar os vários escândalos ao nível dos “media”, algo que só não aconteceu devido ao veto presidencial. Conheceu quatro primeiros-ministros (um deles interino), até colapsar em agosto passado. Em outubro, foi empossado um novo executivo, liderado por Ludovic Orban, do liberal-conservador PNL, que formou um governo minoritário, com o apoio parlamentar do centrista-populista USR e de outros partidos do centro-direita, onde se inclui a União Democrática dos Magiares da Roménia (UDMR), representante da minoria húngara (6% da população). No mês seguinte, o presidente Klaus Iohannis, do PNL, derrotou facilmente a ex-primeira-ministra Viorica Dăncilă, do PSD, nas presidenciais. Haverá eleições legislativas em final do ano e as atuais sondagens mostram a possibilidade de o PNL obter uma maioria absoluta, embora isso se deva, para já, ao “estado de graça” do novo governo.
Por fim, na Bulgária, o país mais pobre da UE, a corrupção é endémica. As “máfias” polulam e os escândalos de desvio de fundos estruturais, tanto a nível nacional como local, são frequentes. Tal como todos os anteriores, o governo de coligação entre os conservadores do GERB e a aliança Patriotas Unidos (OP), da direita nacionalista e da extrema-direita mostra-se incapaz de controlar a situação. Em contrapartida, mostra-se eficaz na perseguição aos refugiados. Nas europeias, o GERB foi o mais votado, à frente dos socialistas do BSP, o maior partido oposicionista, e do centrista DPS, principal representante da minoria turca (12% da população). Da OP, só o nacional-conservador VMRO conseguiu representação, ao contrário da NFSB, da direita reacionária, e do Ataka, da extrema-direita. Também o Vontade (Volya), da extrema-direita populista, não elegeu qualquer eurodeputado. As sondagens mostram um aumento da bipolarização, com o GERB e o BSP a subir, a OP a descer, o DPS estável e o Volya abaixo da cláusula-barreira de 4%.
No próximo texto, a viagem segue para os países europeus não membros da União Europeia.
Artigo de Jorge Martins