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Reportagem: IN-Mouraria

Reportagem sobre o funcionamento do IN-Mouraria, um centro para pessoas que usam ou usaram drogas, e os benefícios que traria a criação de salas de consumo assistido, não só para as pessoas que usam drogas, mas também para a própria comunidade.
IN-Mouraria é um centro para pessoas que usam ou usaram drogas.
IN-Mouraria é um centro para pessoas que usam ou usaram drogas.

Reportagem incluída no último Mais Esquerda, que pode ser visto aqui e incluiu ainda uma reportagem sobre os projetos piloto de vida independente para pessoas com deficiência (que pode ser vista aqui) e sobre a celebração do Dia Internacional Contra a Discriminação Racial na Faculdade de Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (aqui).

O GAT - Grupo de Ativistas em Tratamentos é uma organização não-governamental sem fins lucrativos fundada em 2001 e focada na cooperação entre pessoas diferentes e de diversas organizações, afetadas pelo VIH/ SIDA. O IN-Mouraria é um dos seus projetos, é um centro para pessoas que usam ou usaram drogas, onde se oferecem respostas integradas de apoios sociais e de saúde para reduzir os riscos associados ao seu consumo. Mas acaba por fazer muito mais do que isso.

Renato Pinto, mediador de pares, explica ao esquerda.net: "temos um centro de rastreio onde fazemos rastreios à comunidade em geral. Temos também um serviço social e um serviço de enfermagem. A maior parte dos nossos utentes são pessoas que vivem na rua, são pessoas que são discriminadas, estigmatizadas pela sociedade. O trabalho do IN-Mouraria é um trabalho de ativismo a nível social e da comunidade para que essas pessoas sejam aceites".

O trabalho do IN-Mouraria é um trabalho de ativismo a nível social e da comunidade para que essas pessoas sejam aceites

Adriana Curado, que faz investigação e trata da comunicação do IN-Mouraria, descreve: "um dos aspetos importantes do nosso trabalho no IN-Mouraria, que foi também desde o início uma preocupação do GAT, foi aumentar a participação das pessoas que usam drogas nas decisões que lhes dizem respeito. Durante muito tempo as pessoas não tinham a oportunidade de participar em questões políticas, de debate, na implementação das próprias respostas e o IN-Mouraria é  um espaço onde são criadas condições de participação política". O IN-Mouraria organiza debates temáticos e promove ativamente a participação dos seus utentes na mobilização social, por exemplo, na Marcha Global da Marijuana.

A aceitação no bairro foi crescendo com o tempo. "O bairro e a população em geral olha atualmente para este projeto com outros olhos. No início havia preconceito, mas agora toda a gente sabe que este projeto é um projeto que ajuda as pessoas", afirma Renato.

O centro define-se contra todo o tipo de intolerância, discriminação e estigma. A sua atuação cresceu e, com 700 utentes inscritos, tornou-se mais abrangente. Atualmente, as pessoas podem usar a morada do centro para registos oficiais, têm acesso a telefone, internet e complemento de alimentação. Os assistentes sociais e enfermeiros fazem a referenciação para serviços de saúde e sociais. Na sua atuação, o trabalho de mediadores de pares, como o Renato, é fundamental. Para Renato, que começou por participar no centro como utente, "o meu trabalho, basicamente, é referenciar casos de necessidade social e de saúde e comunicá-los aqui. Faço a ligação dos técnicos com as pessoas que utilizam drogas, ou não, e com a comunidade".

Nós damos às pessoas o material de consumo, mas depois temos de as convidar a ir consumir num beco, numas escadas ou numa casa de banho pública, isso para nós não faz qualquer sentido. Um centro de consumo assistido é uma resposta natural, que tem benefícios óbvios

O IN-Mouraria recebe em média 60 utentes por dia num espaço que é muito pequeno, além de ter dificuldades financeiras. No entanto, o principal problema no seu funcionamento é o facto de as salas de consumo assistido, uma exigência antiga do GAT, continuarem a não existir. "Nós estamos com a pessoa em todo o processo e damos-lhe o material de consumo, mas depois temos de convidar a pessoa a ir consumir ali num beco, numas escadas ou numa casa de banho pública, isso para nós não faz qualquer sentido. Um centro de consumo assistido é uma resposta natural, pode ser integrada noutros serviços e, do ponto de vista da saúde das pessoas que usam drogas tem benefícios óbvios", afirma Adriana 

As salas de consumo assistido são "uma resposta muito eficaz para prevenir overdoses e overdoses fatais, e é também uma resposta eficaz para prevenir o VIH e as hepatites e outras infeções relacionadas com o uso de drogas. É também eficaz para a comunidade, que reduz substancialmente o consumo no espaço público. É uma resposta que tem benefícios para todos", prossegue Adriana. "As salas de consumo deveriam já ter sido implementadas em Portugal, estão a radicalizar demais a sua ideia", sublinha Renato.

O GAT defende ainda uma alteração da lei portuguesa em relação às drogas, cujo modelo atual considera insuficiente. O modelo atual "ainda é penalizador para as pessoas que usam drogas. Por isso temos defendido a regulação de todas as drogas, não apenas da canábis. A proibição não resultou, nem aqui nem noutros sítios do mundo e seria bom que pudéssemos dar um passo no sentido da regulação das drogas", resume Adriana.

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