Direitos Humanos

Relatório da Amnistia Internacional: do “efeito Trump” aos problemas de habitação em Portugal

01 de maio 2025 - 16:26

No relatório anual da organização de defesa dos direitos humanos destaca-se o aumento do autoritarismo, das regressões e desigualdades. Mas também há espaço para mostrar como em Portugal não se garante o direito à habitação e se mantêm maus-tratos nas prisões.

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Amnistia Internacional
Amnistia Internacional. Foto da organização.

A Amnistia Internacional divulgou esta terça-feira o seu relatório 2024/2025 intitulado Crise global dos direitos humanos acelera com “efeito Trump”. O documento destaca o aumento de práticas autoritárias e a repressão “cruel” da dissidência em todo o mundo, considera que “os primeiros 100 dias do Presidente Trump intensificam as regressões globais e as tendências profundamente enraizadas de 2024” e que “as falhas globais na abordagem das desigualdades, o colapso climático e as transformações tecnológicas colocam em risco as gerações futuras”.

Para a organização, “as tendências nocivas” já existiam mas foram intensificadas, “esvaziando as proteções internacionais dos direitos humanos e pondo em perigo milhares de milhões de pessoas em todo o planeta”.

Este “efeito Trump” identificado ajudou a corroer “décadas de trabalho meticuloso para construir e fazer avançar os direitos humanos universais para todos e acelerando o mergulho da humanidade numa nova era de brutalidade caracterizada pela mistura de práticas autoritárias e ganância corporativa”.

Agnès Callamard, Secretária-Geral da Amnistia Internacional, sublinha que os acontecimentos dos últimos doze meses, “sobretudo o genocídio dos palestinianos em Gaza”, “puseram a nu como o mundo pode ser infernal para tantas pessoas quando os Estados mais poderosos rejeitam o direito internacional e ignoram as instituições multilaterais”.

Entre as pessoas identificadas como alvos estão migrantes, refugiados, mulheres, raparigas e pessoas LGBTI cujos direitos foram vulnerabilizados e enfrentam uma “crescente reação negativa a nível mundial”.

Regista-se ainda “uma escalada catastrófica dos conflitos armados” e “esforços inadequados para fazer face ao colapso climático”, a que se soma uma “proliferação de leis, políticas e práticas autoritárias que visam a liberdade de expressão, associação e reunião pacífica” com a proibição de meios de comunicação social, a dissolução ou suspensão de ONG e partidos políticos, a prisão de críticos “sob acusações infundadas de “terrorismo” ou “extremismo” e criminalizando defensores dos direitos humanos, ativistas do clima, manifestantes solidários de Gaza e outros dissidentes”.

Para além de vários países em que as forças de segurança recorreram a “detenções arbitrárias em massa, a desaparecimentos forçados e, frequentemente, a uma força excessiva – por vezes letal – para reprimir a desobediência civil”.

A ONG destaca o genocídio na Palestina, os ataques russos contra civis ucranianos e o seu recurso à tortura e desaparecimentos forçados, para além da situação no Sudão e Myanmar, por exemplo.

Sobre as gerações futuras diz existirem “provas irrefutáveis” de que o mundo as está a condenar “a uma existência cada vez mais dura, graças ao fracasso coletivo em enfrentar a crise climática, inverter as desigualdades cada vez mais profundas e restringir o poder das empresas”. Estas serão ainda prejudicadas por os governos não regularem “adequadamente” as novas tecnologias, abusarem das ferramentas de vigilância e reforçarem a discriminação e as desigualdades através de uma maior utilização da inteligência artificial. As grandes empresas de tecnologia, afirma-se, “há muito que facilitam práticas discriminatórias e autoritárias” mas com Trump, estas foram encorajadas a reverter proteções e “duplicar um modelo de negócio que permite a disseminação de conteúdos odiosos e violentos”.

Portugal, dos maus-tratos nas prisões à habitação inacessível

No capítulo sobre Portugal, salientam-se “relatos credíveis de tortura e maus-tratos nas prisões”, afirma-se que “a liberdade de reunião foi prejudicada pelo uso indevido de legislação com décadas de existência”, que o acesso ao aborto “não está totalmente garantido” e que o acesso à habitação a preços acessíveis “continua a ser insuficiente”.

Sobre o primeiro destes temas, cita-se o Mecanismo Nacional de Prevenção do Gabinete do Provedor de Justiça que na sequência de visitas a 17 prisões em 2023 detetou maus-tratos a pessoas detidas “em quase metade das prisões visitadas”, tendo manifestado preocupação por as autoridades “não investigarem e não partilharem com os procuradores relatórios credíveis de maus-tratos”, indicando-se que este “também registou as condições degradantes vividas por dezenas de migrantes enquanto estiveram detidos no Aeroporto de Lisboa”.

O segundo tema parte da constatação de que “as autoridades continuaram a restringir a organização de manifestações pacíficas”, tendo-se baseado em legislação com décadas de existência para impor encargos e responsabilidades aos organizadores de reuniões pacíficas, bem como em disposições vagas que criminalizam atos considerados como perturbadores da “ordem e tranquilidade públicas”. Exemplifica-se com o caso em janeiro de revistas “abusivas” a duas ativistas pelo clima e com a manutenção de “todos os ativistas detidos algemados durante mais de dez horas”; em fevereiro, uma contra-manifestação pacífica a uma manifestação de extrema-direita “foi, alegadamente, dispersada sem aviso e com recurso a força excessiva”; e em julho, “oito ativistas do clima, que interromperam o trânsito, durante um curto espaço de tempo, num protesto pacífico, receberam penas de prisão suspensas de 18 meses”.

A Amnistia Internacional salienta ainda os elevados números de violência baseada no género e o facto de as autoridades “não terem regulamentado adequadamente as recusas por objeção de consciência de pessoal médico para realizar IVG” o que impossibilitou o acesso à interrupção voluntária da gravidez em todo o país.

Merece ainda atenção o plano da discriminação, onde se inclui a informação de que relativamente a a 895 crimes de ódio cometidos entre 2020 e o primeiro semestre de 2024, apenas 17 levaram a ações penais, acabando 761 arquivados. E também a visita do Comité contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa a Portugal onde se alertou para a necessidade de melhorar as condições de habitação da população de etnia cigana e de reforçar as medidas de combate aos crimes de ódio.

A última parte do relatório da organização de defesa dos direitos humanos relativa a Portugal versa sobre a questão do direito à habitação. Nela se pode ler que “em maio e setembro, o Governo revogou as medidas introduzidas pelo programa “Mais Habitação” para fazer face à escassez de habitação a preços acessíveis, assinalando-se preocupações “quanto ao facto de a eliminação de disposições como o congelamento das rendas e a regulamentação do arrendamento de curta duração poderem agravar a escassez de habitação a preços acessíveis”.

A Amnistia Internacional recorre ainda aos dados oficiais que estimam que 13% de toda a população vive em habitações sobrelotadas, que entre as pessoas em risco de pobreza, 27,7% vivem em condições de sobrelotação, e que 60% dos inquilinos não têm contrato de arrendamento registado ou vigente.