O braço de ferro entre o Ministério da Agricultura e a Associação de Beneficiários do Mira e de Corte Brique (ABM) - responsável por gerir a água existente na barragem de Santa Clara, no concelho de Odemira, de forma eficiente e equitativa para os seus beneficiários - subiu de tom nas últimas semanas, com a Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural a rejeitar todas as cinco versões do Plano de Contingência para Situações de Seca propostas pela associação. Esta queixa-se que a vontade do Governo é de "garantir o fornecimento de água aos produtores de pequenos frutos, com a justificação do volume económico destes produtos nas exportações", beneficiando assim os grandes produtores da agricultura intensiva em relação aos restantes beneficiários. E ao fim do quinto chumbo acabou por perder o braço de ferro, com a ministra a substituir a direção eleita por uma comissão administrativa que integra nomes que se opuseram à política seguida pela ABM.
Numa pergunta entregue esta quarta-feira na Assembleia da República, o Bloco de Esquerda questiona a ministra da Agricultura sobre esta nomeação que inclui "um dos maiores opositores à política seguida da ABM até agora, Filipe de Botton, proprietário da Logofruits, uma empresa produtora de mirtilos que, em meados do mês de junho, já tinha consumido o volume de água que lhe estava atribuído para todo o ano de 2023".
No despacho da ministra, o empresário que foi fundador da Logoplaste, fabricante de embalagens de plástico, e agora se dedica à agricultura intensiva no perímetro de rega do Mira, é apresentado como “representante dos beneficiários do Aproveitamento Hidroagrícola do Mira”. O Bloco quer saber a que se deve essa designação, pois é o próprio Filipe de Botton "quem está em conflito com esses mesmos beneficiários".
O Bloco de Esquerda assinala ainda que "esta atuação do governo ocorre a apenas meses do final do mandato da atual Direção da ABM e a meio da campanha de rega, colocando como novo dirigente um representante direto dos incumpridores com a política pública de distribuição da água". E exige respostas de Maria do Céu Antunes acerca da "total exclusão de determinados produtores do acesso à água do perímetro de rega do Mira, beneficiando as explorações com maior impacto ambiental e mais intensivas em consumo de água".
"Sem água a agricultura dos pequenos e médios agricultores não será possível"
Em comunicado divulgado na segunda-feira, a direção eleita da ABM contesta a indicação de Botton e coloca a hipótese de o empresário estar "apenas preocupado em chegar ao fim da campanha com mirtilos viçosos, podendo depois desfazer-se desta má aposta saindo da região, deixando os agricultores locais secos e sem futuro". E chama a atenção para "a excessiva proximidade entre o Sr. Botton e o Sr. Rogério Paulo", referindo-se ao Diretor Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) que se encontra desde julho de 2021 a ocupar o cargo em regime de substituição e que terá proposto os nomes aprovados pela ministra, "mesmo vivendo a maioria fora do concelho e sendo figuras desconhecidas da maioria dos beneficiários e funcionários da ABM".
De acordo com os dirigentes agora depostos da ABM, a DGADR recusou a quinta versão do plano proposto pela direção da associação por este não impor a restrição de água a 100% a culturas como as forragens e pastagens naturais, ao invés dos 75% propostos pela ABM. Esta defende que "sem água a agricultura dos pequenos e médios agricultores não será possível" e "sem água destinada a forragens também a produção de gado será impossível". O Governo argumenta que essa água deve ser fornecida aos produtores das grandes culturas de pequenos frutos, com o despacho a sublinhar a "dimensão social" das culturas face aos postos de trabalho afetados. A direção da ABM responde que o que existe é uma "dimensão social assustadora" das condições de vida da mão de obra imigrante que trabalha para estas empresas de agricultura intensiva. E promete lutar pelas vias legais "para devolver a gestão do Aproveitamento aos seus beneficiários antes que a albufeira de Santa Clara se encontre seca".