A campanha contra a “ecologia punitiva”
Um dos temas através dos quais a União Nacional espera marcar pontos é a “defesa do mundo rural” contraposta com a ideia de que este sofre um ataque da “ecologia punitiva”. O menosprezo e a ridicularização dos defensores do ambiente, o silêncio sobre a questão ou o embaraço em alguns casos pelo que parecia ser um tema que dificultaria o crescimento tornaram-se há muito numa ofensiva política.
O Le Monde dá a palavra a Théodore Tallent, professor na Sciences Po, que explica que o partido encontrou aí um “novo meio de criticar Bruxelas, as elites, de assumir a defesa dos “pequenos” que seriam oprimidos pelos “potentes””. Cerra-se portanto fileiras, como diz Bardella, contra “a tirania das ONG, o governo dos juízes e a Europa” e vota-se a favor dos interesses dos negócios contra as leis do clima, criticando as zonas de baixas emissões poluentes e outras medidas ambientais.
Afinal, descobriu a extrema-direita, há um eleitorado rural suscetível de ser atraído pela crítica aos “ecologistas” e às “elites” por causa das tensões que medidas de transição baseadas no mercado causam e do medo da mudança do seu modo de vida. As recentes mobilizações dos agricultores na Europa foram um meio para testar este espaço. E tudo isto se pode conjugar com um discurso sobre “a ecologia do bom senso” contra a “ecologia punitiva”.
O programa em defesa dos combustíveis fósseis, do nuclear e do desmantelamento das eólicas
O canal televisivo BMFTV faz uma revisão das propostas energéticas do partido de extrema-direita como a baixa do IVA para as energias fósseis, o desmantelamento das eólicas, a abertura imediata de novas centrais nucleares.
Os peritos por si consultados concluem que estas não são viáveis “a menos que fiquemos sem eletricidade e aqueçamos um pouco mais o planeta”.
A sua proposta mais populista é dirigida “contra Bruxelas” e é a promessa de baixar imediatamente 30% da fatura da energia para aplicar “um preço francês da eletricidade”. A culpa dos preços seria assim apenas do mercado europeu de eletricidade. O think tank Terra Nova desmente esta possibilidade e lembra que a fatura doméstica da eletricidade é composta por dois terços que “não dependem do mercado”, um terço de taxas e outro de custos de redes. O mesmo grupo defende ainda que a baixa de IVA sobre energias fósseis poderia levar a um aumento de consumo destas ou a um desvio das alternativas.
Para além disso, no caso da baixa do IVA sobre gasolina e gasóleo, lembra o Le Monde, isto implica ir contra uma diretiva europeia, não explicando nunca a extrema-direita o que se faria sobre esta violação das regras.
A própria Marine Le Pen, em 5 de junho, na BFMTV manifestou-se contra a proposta europeia de transição para os veículos elétricos, defendendo “restabelecer a liberdade dos franceses de continuar a comprar viaturas térmicas”. Nessa ocasião, escolheu ainda outro alvo: “quero travar as energias renováveis porque não são limpas” e até desmontar “um certo número” de eólicas: “aquelas que mais prejudicam as paisagens”.
Num relatório anterior a estas declarações, é a própria entidade gestora da rede elétrica francesa que é taxativa: “uma moratória sobre as energias renováveis torna impossível a reindustrialização e o respeito pelas trajetórias climáticas.” Mesmo no cenário mais “nuclearizado”, a energia eólica terá de crescer, avisa a RTE, ou então a dependência energética cresce.
Patrice Geoffron, professor de Economia da Universidade Paris-Dauphine, diz mesmo que, para além do atraso no ritmo da descarbonização, o programa da extrema-direita “prenuncia penúria de eletricidade”.
E mesmo os defensores do nuclear desconfiam da aposta desmesurada no setor com a promessa de construir dois novos reatores até 2031 e mais dez para cinco anos mais tarde. Realça-se que isto está para além da capacidade da indústria nuclear, sendo o cenário máximo possível a criação de seis reatores a médio prazo e mais oito mais tarde.
O negacionismo que grassa nas fileiras da extrema-direita
No Mediapart, Mickaël Correia e Lucie Delaporte lembram que a extrema-direita abandonou o tempo em que Marine Le Pen colocava em causa a responsabilidade humana nas alterações climáticas, passando a dizer que nunca foi negacionista. Mas a direção do partido “permite que as suas tropas mantenham um ruído de fundo negacionista que atrai grande parte do seu eleitorado”.
A sua análise à atividade de muitos dos quadros do partido mostra que “um dos alvos privilegiados” é o IPCC e os relatórios dos seus peritos. Thomas Ménagé, porta-voz do grupo parlamentar, dizia em agosto que este “tem tendência por vezes a exagerar” e que seguir os seus dados “arrisca violar a qualidade de vida dos franceses”. A atual candidata a deputada Florent de Kersauson divulgava no X em maio de 2022 um livro negacionista contra as “12 mentiras do IPCC”, escrevendo que é preciso “desembaraçar-nos dos ecologistas e de todos os que promovem as suas mensagens. Outros candidatos como Jean-Michel Cadenas alinham pelo mesmo, este acusando o organismo de “semear o pânico”, ou como Hervé de Lépinau que fustiga os “propagandistas do IPCC” que “sugerem o extermínio da espécie humana porque constituiria uma catástrofe para a biodiversidade e o clima”.
A desvalorização do IPCC converge com o discurso que coloca em causa as provas das causas humanas do aquecimento global feita por exemplo em vários momentos pelos candidatos a deputados Arnaud Dassier, Rody Tolassy e Olivier Monteil. Guillaume Bigot, candidato a deputado e editorialista do Cnews, escreveu por sua vez na rede social no X que “o aquecimento climático existe mas nada prova que o CO2 seja a causa”.
Outros negam até a existência de aquecimento climático, como o candidato Grégoire de Fournas que aproveitou por exemplo uma onda de frio na Suécia para colocar em causa os dados reconhecidos pela comunidade científica. Ou Christophe Barthès que dizia que o calor e as secas funcionam por ciclos, para afirmar que o aquecimento global existe “mas por quanto tempo?”.
Depois, há quem vá ao ponto da convergência com as teorias da conspiração. A deputada Edwige Diaz fala numa “nova religião” com os seus “profetas da desgraça” e a sua “Criança Divina Greta Thunberg” e acrescenta que “a hipótese das alterações climáticas serve interesses particulares ao serviço de um green business muito suculento e uma ideologia rejeitada pelos franceses: apologia de um governo mundial, obrigação de acolhimento de refugiados climáticos, financiamento de estudos caros.”
Os casos judiciais: a venda dos kits dos amigos e a “preferência nacional” ilegal
Entretanto, dois casos judiciais já antigos comprometem o esforço da União Nacional em se mostrar uma força política respeitável e de governo.
Esta quarta-feira, a Cour de cassation, a mais alta instância judiciária francesa, condenou definitivamente a União Nacional pelo esquema montado nas legislativas de 2012 em que obrigava os seus candidatos a comprar por 16.650 euros um “kit de campanha” de materiais produzidos por amigos de Marine Le Pen, despesas que depois acabariam por ser pagas pelo Estado como despesas de campanha aos candidatos que ultrapassassem os 5% dos votos. Foi considerado que estas despesas eram sobreavaliadas para enganar o Estado.
Um “micro-partido” fictício chamado “Jeanne”, na verdade comandado também por Le Pen, foi também condenado por estar envolvido no esquema. Assim como a “sociedade de comunicação” Riwal, dirigida por Frédéric Chatillon, ex-presidente do GUD, grupo de extrema-direita estudantil e que entrou também na discussão desta campanha pela proposta de Macron (secundada pelo menos no discurso pelo líder da União Nacional) de o ilegalizar.
Um outro caso, ocorrido dois anos depois, continua a pesar sobre o maior dos partidos da extrema-direita francesa. Na terça-feira, três ex-dirigentes da então Frente Nacional foram a julgamento em Nanterre por provocação de discriminação por terem publicado um “guia do eleito” para o partido nas vésperas das eleições autárquicas de 2014. Neste, constavam vários conselhos práticos para os futuros autarcas. O problema era que aí constava também um apelo à ilegalidade: a recomendação de “defesa da prioridade nacional” em questões como o alojamento social mas não só, abrindo portas para uma discriminação.
O caso visa quatro dirigentes mas, devido ao estado de saúde, um deles terá um julgamento em separado. E tudo esteve parado durante anos porque três dos imputados eram deputados europeus, gozando assim de imunidade. Agora, a acusação pede seis meses de pena suspensa para os arguidos e 10.000 euros de multa.
Jordan Bardella, no X, dá “todo o apoio” aos acusados e considera que há um “grave atentado contra a liberdade”, afirmando que a medida considerada discriminatória foi “largamente plebiscitada pelos franceses”.
Os candidatos antissemitas
Outro assunto a causar mal-estar na campanha: os candidatos com comentários antissemitas. Uma investigação do Libération traçava o perfil dos “candidatos racistas, antissemitas e defensores de teorias da conspiração” naquilo que a peça jornalística descrevia como “um museu dos horrores” que “ilustra a base ideológica do partido lepenista… e a hipocrisia de uma liderança que lhes permite prosperar”.
A reportagem causou uma primeira “baixa” esta quarta-feira quando a União Nacional se sentiu obrigada a retirar a confiança política a Joseph Martin. Este candidato a deputado tinha publicado uma mensagem em 2018 que dizia que “o gás tinha feito justiça às vítimas do Shoah”. A publicação só foi apagada depois da saída da notícia e o autor acabou por se desculpar por a frase estar “mal construída”, dizendo que queria defender afinal que era preciso “vingar as vítimas do Shoa”. Não conseguiu convencer sequer os seus correligionários.
O mesmo jornal voltou à carga com uma segunda reportagem que envolve mais dez outros candidatos do partido de Le Pen caracterizados como “racistas, antissemitas, deixando transparecer simpatia pelo Marechal Pétain, pelos grupúsculos violentos e as piores teorias da conspiração”.
Antes, e neste caso na sequência de uma investigação da Street Press, foi o (ainda oficialmente) líder da direita conservadora francesa a ter de se desfazer de um dos seus candidatos. Eric Ciotti dividiu os Republicanos ao juntar-se a Le Pen e está no meio de uma guerra política e judicial pela legitimidade da suas tomadas de posição. No quadro da sua aliança com a União Nacional apresentou 62 candidatos a deputados mas foi obrigado a retirar Louis-Joseph Pécher por “frases antissemitas, homófobas e ordinárias” nas redes sociais.
O juramento de fidelidade à Nato e um partido cheio de putinistas
Próximo do poder, Bardella garante “não coloca em causa os compromissos” internacionais do país em matéria de defesa e no plano internacional e assegura manter a “credibilidade” junto dos “nossos parceiros europeus e nossos aliados da NATO”. Deixa assim de lado a proposta de Marine Le Pen que, ainda há dois anos, queria “abandonar o comando integrado” da aliança militar.
Esforça-se ainda por mostrar que manterá o apoio militar à Ucrânia, tentando desfazer a imagem pró-Putin do partido que tinha ficado conhecido pelos empréstimos russos de 11 milhões de euros em 2014 e pelo discurso que elogiava o seu regime. Marine Le Pen confessava publicamente a sua “admiração por Vladimir Putin”, fez várias visitas onde era recebida ao mais alto nível pelo presidente russo ou por outros altos quadros.
Uma investigação do Mediapart mostra porém que o partido tem afinal “pelo menos quinze candidatos que realizaram missões de apoio eleitoral à Rússia ou visitas de alto nível a Moscovo, ou que estiveram à frente de associações de promoção do regime de Vladimir Putin”.