Os dados mais recentes do Eurostat mostram como os preços em Portugal têm crescido bem acima da média europeia. Entre 2023 e 2024, as rendas aumentaram 3,2% na UE e 7% em Portugal, e os preços das casas foram, respetivamente, 4,9% e 11,6%. Se compararmos o longo prazo, entre 2010 e 2024, a discrepância é igualmente grave: em média, os preços das casas aumentaram 55,4% e as rendas 26,7%, enquanto em Portugal aumentaram, respetivamente, 120% e 45%.
Frente a frente
Tetos às rendas e investimento em armas dividiram Bloco e PS num debate aceso
O Partido Socialista apresentou o seu programa eleitoral às legislativas e identifica a crise da habitação como o “maior desafio nacional”. No entanto, nenhuma proposta consegue responder à crise de forma imediata. No debate com Mariana Mortágua, Pedro Nuno Santos mostrou-se contra a aplicação de tetos às rendas para controlar os preços de mercado. Quais são as propostas do PS?
Utilizar os dividendos da CGD para as autarquias contruírem casas públicas
O PS propõe a utilização de parte dos dividendos da Caixa Geral de Depósitos para munir as autarquias de financiamento para apostarem num maior parque habitacional público. Apesar de parecer uma proposta popular, não tem impacto real.
De um ponto de vista orçamental, é um truque ilusório. Os dividendos da CGD já são recebidos pelo Estado e estão inscritos nas receitas esperadas no Orçamento do Estado. Depois, pela regra orçamental da não consignação de receitas, não se podem afetar receitas à cobertura de despesas específicas. Simplificando, não é uma proposta orçamental séria ou inovadora. Seria mais interessante, por exemplo, tributar os lucros extraordinários que toda a banca está a registar.
Depois, as autarquias estão com sérias dificuldades em executar o financiamento do PRR para a construção de habitação devido à falta de mão-de-obra. O PS avança com um conjunto de medidas para reforçar o setor da construção, mas nada diz sobre esta questão. Albano Ribeiro, presidente do Sindicato da Construção, estima que sejam necessários 100 mil trabalhadores para as grandes obras previstas, não só para a habitação. As limitações à imigração e os salários estruturalmente baixos explicam esta falta.
Por último, e o mais relevante, a demora na construção não resolve o problema no imediato.
O PS propõe ainda regras de contratação pública mais ágeis e eficazes, IVA a 6% para projetos de habitação a custos controlados e isenção fiscal para as rendas a preços acessíveis, simplificar requisitos de construção, e valorizar os recursos humanos do IHRU e da Construção Pública. Tudo medidas pouco eficientes para resolver a dimensão do problema.
Portugal tem dos parques habitacionais públicos mais pequenos da União Europeia, abrangendo apenas cerca de 2% dos alojamentos. Por oposição, países como os Países Baixos ou a Dinamarca chegam aos 30%. Esta é uma tendência duradoura e que resulta do desinvestimento público crónico nesta área, o qual o PS não reverteu quando governava com maioria absoluta.
Mobilização de imóveis devolutos do Estado e aquisição de habitações hipotecadas
O PS promete também lançar o programa REVIVE Habitação para agilizar a mobilização dos imóveis devolutos do Estado para habitação. O Bloco de Esquerda tem insistido na necessidade de mobilizar fogos devolutos, alargando essa necessidade também aos imóveis privados que não estejam a ser utilizados e que devem estar disponíveis a preços acessíveis.
Inclui também um programa de aquisição por parte do Estado de habitações hipotecadas à banca, com garantia de arrendamento vitalício aos proprietários da mesma habitação ou integração dessas habitações em programas de arrendamento acessível. O que contribua para um parque público no imediato, sem esperar pela construção, é um avanço certo.
Simplificar e aumentar a base dos apoios à habitação
O PS reconhece no seu programa eleitoral que os apoios sociais criados não estão a chegar a quem necessita. Têm sido reportados muitos casos de atrasos ou cortes nos apoios, como o apoio extraordinário à renda ou o Porta 65. O Bloco de Esquerda tem acompanhado estes casos.
O PS propõe simplificar e uniformizar o acesso aos apoios ao arrendamento e alargar a base de incidência dos atuais apoios para chegar a mais pessoas. Na mesma linha, propõe criar uma porta de entrada para as repostas públicas de habitação, promover a gestão integrada de património público, e transferir progressivamente a gestão dos imóveis do IHRU para as autarquias.
A fluência dos apoios à renda é urgente e o IHRU deve ser devidamente responsabilizado. No entanto, os preços do arrendamento são tão impraticáveis que cada vez mais pessoas irão necessitar destes apoios. Estas medidas servem de penso rápido e não travam o problema estrutural. Os mesmos dados do Eurostat apontam Portugal como o quinto país da UE em que mais inquilinos estão em sobrecarga financeira, isto é, que a renda significa 40% ou mais do seu salário. Em 2024, mais de 30% das famílias estavam nesta situação. Apenas o controlo dos preços praticados no mercado pode ser uma solução séria.
Remediar o desenho dos apoios à compra da primeira habitação do governo AD
O Bloco de Esquerda foi crítico dos benefícios de apoio à compra da primeira habitação apresentados pelo executivo de Montenegro, pelo potencial efeito de aumento dos preços num mercado com a procura já sobreaquecida. De facto, esse receio comprovou-se, tendo a procura aumentado significativamente e também os preços.
No seu programa, o PS encontra uma formulação vaga. Apela a uma monotorização rigorosa do acesso ao mecanismo de Garantia Pública de forma que cumpra o propósito para o qual foi concebido, não avançando em detalhes. Propõe ainda uma avaliação, com o Banco de Portugal, da introdução de mecanismos de proteção em caso de incumprimento no crédito à habitação.
De facto, o incumprimento bancário tem vindo a aumentar tanto no crédito ao consumo como na habitação. Com a taxa de esforço sentida por uma parte substancial da população, o mais normal é que esta situação se agrave. O Bloco de Esquerda tem trabalhado consistentemente pela defesa das famílias endividadas, tendo apresentado recentemente uma proposta de proteção contra os fundos abutres.
Reequilibrar o mercado, sem dizer bem como
O PS propõe repor um conjunto de regras mínimas de regulação do Alojamento Local e incentivar a transferência de parte destes imóveis para arrendamento de habitação permanente. No entanto, não se compromete com valores nenhuns, nem refere se são os anteriormente concretizados no programa Mais Habitação que o governo AD reverteu.
Para além disso, propõe criar uma isenção da tributação de mais-valias na venda de segundas habitações em zonas de pressão urbanística quando sejam adquiridas para habitação própria e permanente, ao mesmo tempo que agrava as mais-valias em imóveis adquiridos e vendidos sem que tenham sido recuperados ou habitados. Este género de política fiscal tem se comprovado sistematicamente ineficaz na correção do mercado.
Por último, diz pretender avaliar o enquadramento fiscal a não residentes ou a residentes fora do espaço da UE. Também aqui não se compromete com uma posição clara.
Controlo do arrendamento irregular
Para o mercado de arrendamento, propõe criar uma entidade fiscalizadora do arrendamento e um regime excecional de regularização de contratos informais, reforçando garantias de senhorios e arrendatários, sem identificar como se materializa. Pretende ainda criar projetos de mediação entre inquilinos e senhorios, geridos pelas câmaras municipais, e fomentar a criação de seguros no arrendamento.
No verão passado, a auditoria da Inspeção-Geral de Finanças à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) concluiu que 60% dos arrendatários não tinha contrato de arrendamento registado. Foi nesse sentido que o Bloco de Esquerda propôs esta legislatura um mecanismo de denúncia dos inquilinos de contratos irregulares, garantindo, em retorno, um contrato de arrendamento a prazo e de custo controlado. Esta proteção exige ser acompanhada por um controlo dos preços para que não haja retaliação dos senhorios.