Frente a frente

Tetos às rendas e investimento em armas dividiram Bloco e PS num debate aceso

08 de abril 2025 - 22:48

Pedro Nuno Santos diz que os tetos às rendas não se conseguem aplicar na prática. Mariana Mortágua respondeu que os socialistas já os aplicam na Holanda. Líder do PS prometeu manter as isenções de Montenegro no IMT e imposto de selo que aceleraram preço das casas.

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Mariana Mortágua e Pedro Nuno Santos no frente a frente na SIC
Mariana Mortágua e Pedro Nuno Santos no frente a frente na SIC

No debate entre Mariana Mortágua e Pedro Nuno Santos ficaram bem vincadas as diferenças entre o PS e o Bloco no que diz respeito à proposta europeia de reforço da despesa com armas, mas também as respostas à crise na habitação. O tema do debate com mais pontos de aproximação foi o da resposta à guerra comercial aberta com as tarifas de Donald Trump.

No que diz respeito ao programa europeu de rearmamento, Pedro Nuno Santos invocou as “responsabilidades governativas” do seu partido para afirmar que “com o PS era impensável que Portugal ficasse à margem deste esforço europeu”. Para financiar o aumento da despesa militar, que diz ser também “impensável” que ponha em causa o estado social, pretende convencer os restantes governos a aprovarem a mutualização desse investimento através da dívida europeia e aproveitá-lo “para modernizarmos a economia”. Reconhecendo que “ainda estamos longe dos 2%” [de despesa em Defesa no PIB], prometeu que “faremos tudo para que o aumento seja progressivo”.

Mariana Mortágua respondeu que “a União Europeia não precisa de mais armas nem para se defender nem para apoiar a Ucrânia”, uma vez que “tem três vezes o orçamento da Rússia” e “mais soldados no ativo do que os EUA”. Além disso, lembrou que a França é o segundo maior exportador de armas do mundo e a Alemanha fornece um terço das armas usadas por Israel no genocídio da Palestina, pelo que a ideia de que é preciso gastar mais em armas “é uma propaganda que está a desviar recursos que também precisamos para as alterações climáticas”.

Para a coordenadora do Bloco, o debate deve ser sobre segurança e soberania, dando o exemplo da infraestrutura energética, dos aeroportos e da infraestrutura digital do país. “Quem acha que criar mais armas é um projeto de futuro é porque quer mandar os filhos para a guerra”, afirmou, criticando “a pedagogia do realismo que nos vai fazer entrar numa corrida para a guerra e desviar-nos daquilo que é realmente importante”.

Na contra-resposta, Pedro Nuno Santos acusou o Bloco de ter uma “ideia muito romântica das relações internacionais”, defendendo que “a força política [da UE] é tanto maior quanto for a força militar” e que “investir na Defesa é preservar a UE como a conhecemos”. Mariana respondeu que os compromissos de que fala o PS “são no quadro da NATO, que é gerida por um general de um rei louco”, que deixou de ser um aliado.

E foi justamente com as tarifas impostas por Donald Trump às exportações do resto do mundo que o debate prosseguiu, com ambos a criticarem o Governo - e no caso da coordenadora bloquista, também a Comissão Europeia - de estarem “atarantados” perante este ataque de Trump.

Para Mariana Mortágua, não é aconselhável uma resposta generalizada, “porque isso faz aumentar os preços e inflação”, mas é preciso perceber desde já que importações podem ser substituídas, dando o exemplo dos produtos farmacêuticos e criar um apoio de tesouraria às empresas afetadas pelas tarifas. Isto além de uma política de industrialização em nome da soberania, acrescentou, reconhecendo que “é muito difícil discutir soberania com quem acha que devemos ter o sistema elétrico nas mãos de um estado estrangeiro”.

Pedro Nuno Santos concordou com a necessidade de uma política de proteção da nossa indústria, comparando a inação do Governo com a do país vizinho, onde “vemos o PSOE em Espanha a reagir de imediato e o Governo português não tem uma palavra”. Propôs ainda a definição de uma estratégia para diversificar exportações, mencionando destinos como a América do Sul, os países de língua portuguesa e a Ásia.

 “É preciso baixar as rendas, não é só impedir que subam muito”. 

Foi nas respostas à crise na habitação que o tom do debate voltou a subir. Pedro Nuno Santos tentou recolher os louros do Programa 1º Direito que lançou no Governo, acusando Montenegro e Pinto Luz de inaugurarem agora as casas construídas ao abrigo desse programa. E insistiu que a resposta passa pelo aumento da oferta “e o Estado assumir a sua responsabilidade no aumento da habitação pública”. Recusou qualquer limite ao preço das rendas, dizendo que este tipo de medidas “soam bem no papel mas têm dificuldade de aplicação prática” e não resolvem o problema da falta de casas.

Mariana Mortágua reconheceu a importância do aumento da construção de habitação pública, mas recordou o fracasso da execução do programa, no dia em que se soube que o preço das casas em Portugal aumentou no ano passado “quatro vezes o que aumento na zona euro”. E para responder a quem hoje precisa de casa “é preciso baixar as rendas, não é só impedir que subam muito”. Para esse teto ao preço das rendas, o Bloco propõe a medida “que o PS holandês aplicou e está a resultar” naquele país, lamentando que os socialistas portugueses digam que não é possível aplicar cá.

Pedro Nuno Santos deixou ainda claro que não pretende reverter as medidas da direita como a isenção do IMT e do imposto de selo, apesar de reconhecer que elas “fizeram acelerar os preços”. Reafirmou a aposta no aumento da construção “com um fluxo de financiamento contínuo para que as autarquias possam vender a preços comportáveis para a classe media” ou arrendarem com opção de venda ao fim de alguns anos. mobilizando para isso as receitas do Estado com os os dividendos da Caixa Geral de Depósitos.

A coordenadora do Bloco considerou essa proposta como uma solução de longo prazo e que significa dizer às pessoas cujo salário não paga uma casa “para que desistam porque não vão conseguir”. Respondeu também às críticas sobre a falta de aplicabilidade dos tetos às rendas, lembrando as propostas aprovadas pelo PS no combate ao arrendamento informal no âmbito do subsídio à renda. Sobre uma eventual diminuição da oferta de casas para arrendar por causa dos limites de preço, Mariana diz não acreditar “que alguém deixe uma casa vazia porque só pode cobrar 600 em vez de 1500 euros”. Em suma, “não há nenhuma razão para que não se faça aqui o que se faz na Holanda”, concluiu, com Pedro Nuno Santos a ripostar que o PS quer aumentar o apoio à renda pago por todos os contribuintes, bem como os subsídios do Porta 65.

“Quem está em Portugal deve poder regularizar-se”

O debate terminou com o tema da imigração e do mecanismo de regularização, com Mariana Mortágua a afirmar que ao contrário do PS, o Bloco não abdica do princípios de que “quem está em Portugal deve poder regularizar-se”. Apesar do “desastre administrativo” que foi o funcionamento da AIMA na gestão da resposta às manifestações de interesse, “o princípio e a lei está correta”, defendeu. E criticou o mecanismo criado pelo Governo para as grandes empresas, afirmando que “ao lado da via verde há uma via amarela que são intermediários que fazem entrar imigrantes pela porta do cavalo, e uma via vermelha que são as máfias” que exploram estes trabalhadores e as suas famílias nos países de origem.

Pedro Nuno Santos preferiu criticar o Governo por ter feito esta terça-feira “mais uma ação de propaganda” e de ataque ao anterior executivo do PS numa área onde devia haver consenso, lembrando que “muitas das linhas do plano de ação do Governo são de continuidade com as do Governo anterior”. Quanto à manifestação de interesse, que deixou de defender há alguns meses, diz que o mecanismo “fez sentido durante um período em que havia grande procura do mercado de trabalho, mas hoje é desajustado”.

Num debate marcado por várias interrupções por parte do líder do PS às intervenções da coordenadora bloquista, o final não fugiu à regra, com Pedro Nuno Santos a apelar à não dispersão de votos e a garantir que podia estar na posição de primeiro-ministro se tivesse tido mais 50 mil votos no ano passado. Mariana Mortágua respondeu-lhe que isso era assumir que “tem uma bala de prata, que é Luís Montenegro”, em quem o líder do PS deposita esperanças de que lhe dê a confiança para governar.