O estudo "Quem paga a raspadinha?" foi encomendado pelo Conselho Económico e Social e coordenado pelo psiquiatra Pedro Morgado e o economista Luís Aguiar-Conraria, ambos da Universidade do Minho. A primeira fase do trabalho é apresentada esta terça-feira e conclui que 1,21% da população portuguesa adulta pode estar afetada por problemas de jogo devido ao consumo de raspadinhas. Ou seja, cerca de 100 mil pessoas, das quais 30 mil "quase de certeza têm doença instalada, ou seja, perturbação de jogo patológico", afirma a conclusão do estudo a que o jornal Público teve acesso.
Para a deputada bloquista Isabel Pires, que em 2021 apresentou um projeto de lei que visava acabar com a publicidade a estas lotarias instantâneas, dado o seu conhecido potencial de adição em Portugal, o estudo agora apresentado obriga a sociedade a voltar a refletir sobre se "faz sentido fazer depender uma parte do dinheiro da SCML para projetos sociais de algo que afeta negativamente os que mais necessidades têm".
"Foi um erro o Governo ter criado a raspadinha do património, é impossível agora não olhar mais a fundo para a temática", acrescentou Isabel Pires, prometendo continuar a acompanhar o tema e a trabalhar para que sejam encontradas soluções "e para que se olhe para os problemas que a adição cria".
O trabalho analisou as respostas de mais de 2.500 inquiridos por telefone e as conclusões vão no sentido daquilo que Pedro Morgado e a psiquiatra Daniela Vilaverde publicaram há três anos na revista científica The Lancet Psychiatry. O consumo da raspadinha em Portugal é feito sobretudo por pessoas com menos instrução escolar e menores rendimentos. E "as que têm maior risco de desenvolver doenças associadas ao uso de 'raspadinhas' são também pessoas com piores indicadores de saúde mental, em geral, incluindo sintomas de ansiedade, depressivos ou de stress; e também com piores hábitos no que diz respeito ao uso de substâncias”, diz Pedro Morgado ao Público.
Perturbação do jogo patológico com raspadinhas "é um fenómeno que pode estar em crescimento”
Das respostas agora recolhidas, os autores concluem que quem ganha por mês entre 400 e 664 euros tem três vezes mais probabilidades de ser jogador frequente de raspadinha do que quem ganha mais de 1.500 euros, enquanto quem tem o ensino básico terá seis vezes mais probabilidades de jogar frequentemente do que quem tem um mestrado ou doutoramento. No caso de consumidores de quatro ou mais copos de bebidas alcoólicas por dia, a probabilidade aumenta para dez em relação aos que não bebem.
As 30 mil pessoas apontadas no estudo como estando afetadas por perturbação do jogo patológico são um número superior ao que estudos anteriores tinham apontado, pelo que "sinaliza que é um fenómeno que pode estar em crescimento”, acrescenta Pedro Morgado.
O estudo deixa algumas recomendações, como a obrigatoriedade de um cartão de jogador para ter acesso às raspadinhas, em que a pessoa tem a possibilidade de autoexcluir-se, ou a realização de campanhas informativas sobre o jogo, pois muitas pessoas "não têm a perceção de que a 'raspadinha' é um jogo de sorte e de azar e que, na esmagadora maioria das situações, é mesmo um jogo de azar”, aponta o psiquiatra.
Após a conclusão deste estudo, o trabalho irá prosseguir com outras duas etapas, a primeira para caracterizar os jogadores da raspadinha e a última para estudar as alterações cerebrais que possam estar associadas aos estímulos relacionados com as raspadinhas nas perturbações de jogo patológico.