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A política externa de Donald Trump

Trump aproxima-se do final do seu primeiro ano como Presidente dos Estados Unidos. Toda a gente - simpatizantes, oponentes, bem como os indiferentes - parecem concordar numa coisa: as suas declarações e ações são imprevisíveis. Por Immanuel Wallerstein.
O problema é que o resultado final de Trump pode não ser um triunfo. Pode ser apenas um desastre humano de dimensões mundiais. Foto de Gage Skidmore/ Flickr.
O problema é que o resultado final de Trump pode não ser um triunfo. Pode ser apenas um desastre humano de dimensões mundiais. Foto de Gage Skidmore/ Flickr.

Donald Trump aproxima-se do final do seu primeiro ano como Presidente dos Estados Unidos. Toda a gente - simpatizantes, oponentes, bem como os indiferentes - parecem concordar numa coisa. As suas declarações e ações são imprevisíveis. Ignora os precedentes e comporta-se de formas que surpreendem constantemente toda a gente. Os simpatizantes acham isto refrescante. Os oponentes acham-no aterrador.

Não obstante, muito poucos comentaram aquilo que creio ser a sua conquista mais singular. Conseguiu o feito de ser o ator mais imprevisível da política norte-americana e mundial e, ao mesmo tempo, o ator mais previsível.

É deliberada a forma como se rodeia de uma panóplia de assessores que o empurram em direções opostas até ao extremo. Despede alguns e nomeia outros constantemente. Nenhum indivíduo parece durar muito. O resultado é que deixa claro a todo o mundo que a decisão final é sua e, apenas sua. Pode aceder durante algum tempo às sugestões dos seus assessores, mas desfaz logo no dia seguinte o que lhe foi aconselhado. Isto é o que o torna tão imprevisível.

Mas, ao final do dia, remete sempre as suas decisões para o que às vezes se define como decisões instintivas, seja o assunto sobre a Saúde, a Imigração, a redução de impostos ou a ação militar. Isto é o que o faz tão imprevisível. O resultado final é sempre o mesmo. Quem quer que o observe ou trabalhe com ele ou se lhe oponha deve por isso ser capaz de prever onde ele irá acabar por estar. E para quase todo o mundo, onde Donald Trump acaba por estar não é onde gostariam que um Presidente dos Estados Unidos estivesse.

Trump e os Estados Unidos enfrentam um grande número de assuntos acerca dos quais existem opiniões e divisões fortes em ambos os lados. Estas divisões são inconciliáveis para muitos. Não para Donald Trump. Ele crê em si mesmo e na sua habilidade para complementar os seus objetivos nacionais e mundiais. Para ele nada é impossível de tratar.

Em setembro de 2017, as duas decisões mais urgentes de política externa têm a ver com a Coreia do Norte e o Irão. Em ambas, o conflito com os Estados Unidos gira em torno de um assunto crucial: as armas nucleares. A Coreia do Norte tem-na. O Irão não as tem, mas alguns dos principais atores internos pensam ser essencial o Irão as adquira.

A posição oficial dos EUA é que a Coreia do Norte deveria desmantelar o seu armamento nuclear e que o Irão deveria cessar toda e qualquer atividade em direção à aquisição de tais armas. Estas posturas não são novas ou inventadas por Donald Trump. São a posição pública dos Estados Unidos, de todos os presidentes prévios, já há algum tempo.

O que é diferente com Trump é que ele nega admitir a dificuldade em conseguir estes objetivos, bem como o perigo que seria tentar atingi-los mediante ações militares. Por isso, os presidentes anteriores procuraram soluções (se assim podem ser chamadas) diplomáticas. No caso do Irão, a diplomacia parecia funcionar ao presidente Obama com o acordo firmado por ambos os países (e outras potências). Em contraste, a diplomacia alcançou muito pouco no caso da Coreia do Norte.

Há duas perguntas em torno da política externa de Trump. Pode realmente dar início a ações militares? E se sim, poderá atingir os objetivos que pretende atingir através de ações militares?

Em ambas as situações, os instintos de Donald Trump parecem claros. Quer usar as ações militares para forçar a Coreia do Norte a desmantelar os seus armamentos nucleares. Quer retirar-se do acordo com o Irão e utilizar uma ameaça militar para obter a sua renúncia permanente ao desenvolvimento de armamentos nucleares.

Há duas perguntas em torno da política externa de Trump. Pode realmente dar início a ações militares? E se sim, poderá atingir os objetivos que pretende atingir através de ações militares?

Donald Trump prometeu aos seus simpatizantes que provaria ser um verdadeiro amigos dos militares dos EUA entregando-lhes lugares chave na sua administração e procurando expandir os recursos das forças armadas. O que fez. Na sua última reciclagem de pessoa, colocou um militar - John Kelly, na posição de Chefe de Gabinete da Casa Branca, com amplos poderes para alterar o pessoal e servir de filtro no acesso ao Presidente.

Obviamente que os militares apreciam receber mais recursos. Mas é curioso que a maioria dos seus assessores militares são relativamente doces [palomas - pombos, por oposição a falcões que, no contexto dos EUA, designam uma linha de agressividade militar fora de fronteiras]. Favorecem uma expansão orçamental para os militares. Mas todos parecem acreditar que as guerras são na verdade um último recurso, que tem enormes e inevitáveis consequências negativas. Têm um aliado no Secretário de Estado, Rex Tillerson. Sempre que Trump seguiu o seu conselho e recorreu a uma retórica menos áspera, parece ser incómodo fazê-lo por mais do que um breve momento. Regressa sempre aos seus princípios fundamentais.

A primeira pergunta é se Trump pode de facto lançar ações militares sérias. Isto seria menos fácil do que se imagina. Os burocratas militares têm uma série de formas para desacelerar, ou mesmo travar, ações com as quais não estão de acordo. Na administração Trump, são motivados a fazer isto devido a outra característica peculiar da personalidade de Donald Trump. Ele gosta de assumir o crédito dos êxitos e culpar os fracassos nos demais. Se for o caso das ações militares fracassarem, estará apenas a delegar as decisões dos militares. Se houver um fracasso pode culpá-los. Em caso de êxito, será o primeiro a reclamar o crédito exclusivo. De qualquer forma, delegar significa necessariamente atrasos e convida à sabotagem.

Os dois países são casos diferentes. A Coreia do Norte tem de facto bombas, algumas das quais poderão alcançar o território dos Estados Unidos. Ademais, os serviços de informação dos EUA parecem estar convencidos que a Coreia do Norte estará a melhorar a sua capacidade militar a um ritmo muito rápido. A administração Trump fala agora de uma guerra preventiva - o oxímoro mais extraordinário alguma vez inventado. Se os Estados Unidos lançam uma guerra preventiva, podemos ter a certeza de que a Coreia do norte responderá de forma impactante.

Em contraste, o Irão não conta com armamento nuclear. Insiste publicamente que não tem a intenção de o adquirir. Pelo menos metade das autoridades parece disposta a renunciar a qualquer esforço nesse sentido, a troco de vários tipos de benefícios económicos. Vai ser mais difícil renunciar ao acordo do que Donald Trump crê. Por uma razão: tem consignatários - Alemanha, França, Itália e a União Europeia - que disseram que não iriam ceder perante a renúncia [dos EUA].

Mas suspendamos por um momento a pergunta de se funcionaria uma ação militar, e perguntemo-nos pelas suas consequências. No caso do Irão, é muito provável que os aliados mundiais mais importantes dos Estados Unidos na Europa, para não falar da Rússia e China, no futuro aumentariam a distância que tomam não apenas do regime de Trump, mas dos próprios Estados Unidos como país. Um caminho não diplomático seria um desastre diplomático.

Na Coreia do Norte, as consequências serão todavia um pouco maiores. Suponhamos que os Estados Unidos bombardeiam todas as localizações conhecidas onde existem armas nucleares na Coreia do Norte e, que algumas bombas falham o alvo.

Além disso, parece que os Estados Unidos não têm sequer a lista completa das localizações. A Coreia do Norte pode ser capaz de lançar uma bomba desde um submarino. Imaginemos por um momento que, devido a uma guerra preventiva, a Coreia do Norte fica apenas com uma bomba. Contra quem a lançaria?

De qualquer forma, as bombas dos EUA na sua guerra preventiva e a bomba com que a Coreia do Norte responderia, iria resultar numa explosão nuclear de inacreditável magnitude e dispersão geográfica. A contaminação por radiação poderia-se espalhar por todo o oceano Pacífico e infligiria danos tremendos a quem vive nos Estados Unidos. O problema é que o resultado final de Trump pode não ser um triunfo. Pode ser apenas um desastre humano de dimensões mundiais.
Sem dúvida, o leitor quer saber a minha previsão do que realmente vai acontecer. Mas é triste dizer que é imprevisível.


Artigo traduzido por Ramón Vera Herrera e publicado em La Jornada, 17/09/2017. Revisão de Esquerda.net.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e professor universitário norte-americano.
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