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Perante ameaça de retrocesso nos EUA, OMS defende direito ao aborto

No dia seguinte à revelação de que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos se prepara para anular a decisão histórica de 1973 que reconheceu o direito ao aborto no país, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) escreveu na sua conta de Twitter que "as mulheres devem ter sempre o direito de escolha quando se trata de seus corpos e sua saúde".
Tedros Adhanom Ghebreyesus realçou ainda que o acesso ao aborto seguro salva vidas e que a sua proibição não diminuirá o número de intervenções.
De acordo com os dados divulgados pela OMS em março, cerca de 25 milhões de abortos inseguros são realizados anualmente em todo o mundo, o que resulta na morte de 39 mil pessoas. Milhões de mulheres são hospitalizadas devido a complicações pós-operatórias. Acresce que a maior parte das mortes ocorre em países de baixo rendimento, sendo 60% na África e 30% na Ásia.
Women should always have the right to choose when it comes to their bodies and their health. Restricting access to #abortion does not reduce the number of procedures — it drives women and girls towards unsafe ones. Access to safe abortion saves lives. https://t.co/SdF81B5D1u
— Tedros Adhanom Ghebreyesus (@DrTedros) May 4, 2022
Amnistia Internacional exorta Congresso a impedir proibição do aborto
A Amnistia Internacional (AI) norte-americana considera que "forçar alguém a manter uma gravidez, por qualquer motivo, é uma violação grotesca dos direitos humanos” e “continua fervorosa nos seus apelos ao Governo para proteger o direito ao aborto”.
“Menos do que isso é um falhanço em defender os direitos humanos", afirmou Tarah Demant, diretora nacional interina de Programas, Advocacia e Assuntos Governamentais da organização não governamental (ONG), em declarações à agência Lusa.
A AI alerta que se esta decisão for oficializada, não existirá qualquer tipo de proteção federal para o aborto nos Estados Unidos, ficando inteiramente a cargo dos estados regular o direito e o acesso ao aborto.
"O aborto será automaticamente proibido em 14 estados, com outros 12 seguindo-se logo atrás. Vários estados colocaram em vigor proibições severas antecipando a decisão do Supremo Tribunal", explicou Tarah Demant.
A representante da AI adiantou ainda que “restringir o aborto legal não acaba com o aborto - apenas força as grávidas a procurarem abortos inseguros, violando os seus direitos e aumentando a mortalidade e morbidade materna".
Abortion is a basic healthcare need for million of women, girls, and people who can become pregnant. Forcing someone to carry a pregnancy, for whatever reason, is a grotesque violation of human rights.
Join us in this fight! https://t.co/TsnnU3GOIo pic.twitter.com/Qm9TEWsWoM
— Amnesty International USA (@amnestyusa) May 4, 2022
A Amnistia Internacional pede aos cidadãos e às cidadãs que clamem por uma maior ação do Congresso norte-americano: "Agora é a hora de as pessoas entrarem em contacto com os legisladores estaduais para proteger o direito ao aborto a nível estadual - estados como Nova Iorque, Connecticut e Colorado já tomaram medidas para proteger o acesso ao aborto. Mas as pessoas também devem exigir proteção a nível federal e devem contactar os seus senadores e representantes a exigir uma ação através do Congresso", afirmou Tarah Demant.
A ativista deixou também um alerta: "Qualquer retrocesso na proteção do direito ao aborto envia uma mensagem angustiante de que outros Governos e grupos anti-direitos podem negar os direitos de mulheres, meninas e outras pessoas que podem engravidar, restringindo os direitos ao aborto, saúde, autonomia corporal, entre outros".
Cerca de 26 Estados poderão vir a proibir o aborto
O jornal Politico divulgou um projeto de acórdão assinado pelo juiz conservador Samuel Alito que revela que o Supremo Tribunal dos EUA está prestes a revogar a decisão histórica de 1973, conhecida como o caso 'Roe vs. Wade', que reconheceu o direito ao aborto em todo o país.
No documento, Samuel Alito, nomeado pelo presidente George W. Bush, afirma que a decisão no caso 'Roe vs. Wade' “é totalmente errada desde o início” e alega que o direito ao aborto “não está protegido por qualquer disposição da constituição” norte-americana.
“A sua fundamentação foi excecionalmente fraca e a decisão teve consequências danosas. Ao invés de ter trazido um consenso para a questão do aborto, inflamou o debate e aprofundou a divisão. (...) A Constituição não proíbe os cidadãos de cada Estado de regular o aborto. A decisão 'Roe vs. Wade' arrogou essa autoridade. Agora, nós anulamos essa decisão e devolvemos essa autoridade ao povo e aos seus representantes eleitos”, escreve Alito.
Caso desta decisão venha a ser oficializada - a decisão final só é esperada para junho ou julho-, caberá a cada Estado a decisão de proibir ou não o aborto. Nesse contexto, é expectável que o aborto deixe de ser legal nos Estados mais conservadores.
O Centro para os Direitos Reprodutivos estima que 24 estados possam decidir a favor da proibição. São eles o Alabama, Arizona, Arkansas, Georgia, Idaho, Indiana, Kentucky, Louisiana, Michigan, Mississippi, Missouri, Nebraska, Carolina do Norte, Dakota do Norte, Ohio, Oklahoma, Pensilvânia, Carolina do Sul, Dakota do Sul, Tennessee, Texas, Utah, West Virginia e Wisconsin.
O Instituto Guttmacher, por sua vez, refere 26 Estados. Comparativamente à listagem anterior, é retirada a Carolina do Norte e a Pensilvânia e incluída a Florida, o Iowa, o Montana e o Wyoming.
For years, anti-abortion activists have enacted blatantly unconstitutional laws, laying groundwork for a day when #RoevWade is overturned.
If that happens, 26 states are certain or likely to ban abortion as soon as possible. #BansOffOurBodies https://t.co/lGyoDC6VTR
— Guttmacher Institute (@Guttmacher) May 3, 2022
Na terça-feira, foi aprovada no Oklahoma a “Lei do Batimento Cardíaco”, que proíbe o aborto quando o batimento cardíaco do feto já é detetado, ou seja, por volta das seis semanas de gestação, muitas vezes antes de a mulher saber que está grávida. As únicas exceções dizem respeito a situações em que a vida da mãe se encontra em risco. O mesmo não acontece quando a gravidez resulta de uma violação ou de incesto. A legislação aprovada prevê que qualquer cidadão possa mover um processo civil contra quem realize, pretenda realizar ou ajude uma mulher a realizar um aborto depois da deteção do batimento cardíaco.
Democratas pedem codificação de “Roe vs Wade”
Vários democratas, entre os quais Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez ou Rashida Tlaib, exortaram o Congresso a codificar a decisão “Roe vs Wade”.
"O Congresso deve aprovar uma legislação que codifique Roe v. Wade como a lei deste país AGORA. E se não houver 60 votos no Senado para fazê-lo, e não há, devemos acabar com a obstrução para aprovar com 50 votos", escreveu Bernie Sanders no Twitter, na passada segunda-feira.
Congress must pass legislation that codifies Roe v. Wade as the law of the land in this country NOW. And if there aren’t 60 votes in the Senate to do it, and there are not, we must end the filibuster to pass it with 50 votes.
— Bernie Sanders (@BernieSanders) May 3, 2022
People elected Democrats precisely so we could lead in perilous moments like these- to codify Roe, hold corruption accountable, & have a President who uses his legal authority to break through Congressional gridlock on items from student debt to climate.
It’s high time we do it.
— Alexandria Ocasio-Cortez (@AOC) May 3, 2022
Joe Biden já veio afirmar que “o direito de escolha de uma mulher é fundamental” e que “a justiça básica e a estabilidade de nossa lei exigem que [a decisão Roe vs Wade] não seja derrubada”.
O presidente democrata também pediu a eleição de “mais senadores pró-escolha e uma maioria pró-escolha na Câmara” nas próximas eleições para aprovar uma legislação federal que garanta o direito ao aborto.
Nancy Pelosi, a presidente democrata da Câmara, referiu, por sua vez, que o Supremo Tribunal está pronto para “infligir a maior restrição de direitos nos últimos 50 anos – não apenas às mulheres, mas a todos os americanos”.
“Os votos relatados pelos juízes nomeados pelos republicanos para derrubar Roe v Wade seriam uma abominação, uma das piores e mais prejudiciais decisões da história moderna”, destacou.
Em fevereiro deste ano, o Senado bloqueou um projeto de lei apoiado pelos democratas para codificar a decisão de 1973 em lei federal. Depois de a Lei de Proteção à Saúde da Mulher ter sido aprovada na Câmara, foi derrotada no Senado por 46 a 48, não conseguindo atingir os 60 votos necessários para superar uma obstrução. Também ficou aquém dos 50 votos necessários para a aprovação devido ao facto de o senador Joe Manchin III se ter juntado aos republicanos na oposição e às ausências de vários outros democratas.
Ainda em setembro de 2021, o governo Biden, perante a aprovação da lei restritiva do aborto do Texas, que proíbe o procedimento a partir das seis semanas de gravidez, enfatizou que “nunca foi tão importante codificar esse direito constitucional e fortalecer o acesso à saúde para todos. mulheres, independentemente de onde morem”.
Biden também se comprometeu a codificar o direito na lei durante a campanha presidencial de 2020.
Retrocesso civilizacional gera onda de protestos
Após a publicação do projeto de acórdão, organizações de defesa dos direitos reprodutivos promoveram uma manifestação diante do Supremo Tribunal. Entretanto, os protestos têm-se multiplicado, principalmente em Washington.
De acordo com a Reuters, nos últimos dias, as clínicas de aborto geridas por organizações não-governamentais (ONG) e os grupos de apoio registaram um aumento exponencial de donativos por todo o país. Os beneficiários incluem organizações nacionais com grandes orçamentos operacionais, bem como clínicas pequenas e independentes e grupos regionais que muitas vezes são negligenciados.
A maioria dos norte-americanos é a favor do aborto. A última sondagem, promovida pelo jornal Washington Post e pela rede ABC, revela que 54% dos americanos consideram que a decisão “Roe V. Wade” deve manter-se em vigor.
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